Valor Econômico
Proposta ainda tem muito a ser corrigido, porém carga tributária efetiva é menor do que sugere a alíquota cheia e as reclamações de empresas e empresários
Têm produzido choro e ranger de dentes
alguns aspectos da reforma do Imposto de Renda apresentada pelo governo ao
Congresso no fim do mês passado. Duas medidas que o time do ministro Paulo
Guedes preparou são particularmente polêmicas: a tributação dos dividendos,
hoje isentos, e o fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP).
De fato, o governo pesou a mão em alguns
pontos, como reconhecem interlocutores da própria equipe econômica. Mas o clima
de fim de mundo que parte do “andar de cima” está criando parece querer mais
acabar com um projeto que, a despeito das evidentes falhas de calibragem,
caminha na direção certa do que se buscar produzir um texto melhor para o
conjunto do país.
É preciso lembrar que hoje a maioria das empresas e seus sócios paga muito menos imposto do que fazem crer a alíquota nominal de 34% de IRPJ/CSLL e as reclamações do empresariado. Um levantamento do economista Rodrigo Orair, pesquisador do Ipea, aponta que a alíquota efetiva do IRPJ/CSLL na média geral ficou em 23,4%, com base em dados de 2013 da Receita Federal. Isso ocorre por causa do JCP e da existência de uma série de regimes especiais e possibilidades de deduções na base de cálculo da tributação sobre a renda das empresas.
Esse valor sobe para cerca de 27% nas
grandes empresas que recolhem pelo lucro real, mas ficaria em torno de 20% nas
que estão no lucro presumido, ficando abaixo disso nas que estão no Simples - o
regime para as empresas de menor porte.
“As alíquotas estatutárias que incidem
sobre o lucro da pessoa jurídica são muito elevadas, mas há uma ampla gama de
exclusões da base de cálculo e regimes especiais que, na maioria das situações,
reduzem muito as alíquotas efetivas ao mesmo tempo em que geram arbitrariedades
no tratamento tributário entre empresas e setores”, comenta Orair. Ele recentemente
publicou estudo sobre como melhorar a distribuição de renda no Brasil e um dos
caminhos apontados é exatamente reduzir a taxação nas empresas, elevando sobre
dividendos aos acionistas.
O contador e professor do Ibmec Paulo
Henrique Pegas, com base em dados dos balanços de cem grandes empresas até
2019, aponta que a média efetiva de tributação do IRPJ/CSLL nas empresas é de
21%, variando conforme o setor. O abatimento permitido pelo JCP, por exemplo,
levaria a alíquota efetiva dos bancos para 14,6% (número que a Federação
Brasileira de Bancos contesta), mas outros segmentos teriam taxas efetivas mais
altas, como serviços (27,8%) e petróleo e gás (36,3%).
Em simulações apresentadas ao Valor,
Pegas mostra que a reforma efetivamente vai acabar elevando a carga tributária
somada de empresas e sócios, mesmo considerando que hoje a alíquota efetiva é
mais baixa que os 34%. Quanto, porém, dependerá do volume de lucros a serem
distribuídos. Quanto maior o total transferido aos sócios, estima o técnico,
maior o aumento da carga. Seja com alíquotas de 20%, 15% ou 10% para os
dividendos e considerando 29% de IRPJ/CSLL - que a proposta original prevê só
para 2023, mas que já está definido por Guedes que ela deve vigorar já em 2022,
se o projeto for aprovado.
Pegas aponta que não é saudável empresas
distribuírem todo o seu lucro e defendeu a direção da proposta do governo. “O
projeto tem um monte de coisas para ajustar, não é maravilhoso, mas tem muita
choradeira aí”, disse. “No mundo real ninguém distribui 100% dos lucros e
ninguém paga o IRPJ/CSLL sobre a alíquota cheia.”
Para o diretor do Centro de Cidadania
Fiscal (CCif) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
Bernard Appy, a proposta do governo está mal desenhada. Segundo ele, se o
governo quer taxar os dividendos, o ideal seria incluir essa receita do
acionista na tabela do IRPF, descontando o que já foi pago na empresa, como em
vários países.
“Mas isso só funcionaria se houvesse uma
alíquota marginal mais elevada no IRPF, em torno de 35% para rendas mais
elevadas, porque a alíquota na distribuição como está hoje chega a 43,2%”,
disse ao Valor. “Com uma alíquota mais elevada no IRPF e aumentando a base
no IRPJ (ou seja, aproximando o lucro fiscal do contábil) daria para manter a
arrecadação e ter um sistema justo, que tributasse mais o lucro recebido por
pessoas de alta renda que o recebido por pessoas de baixa renda”, acrescentou.
O governo, porém, considera que levar essa
e outras receitas para a tabela progressiva do IRPF é etapa para um futuro mais
distante, mais de cinco anos, e agora é melhor o tratamento diferenciado, com
uma só alíquota. Essa visão já foi levada por Guedes ao relator, deputado Celso
Sabino (PSDB-PA), após notícias de que o parlamentar gostaria de colocar uma
progressividade adicional à isenção de até R$ 240 mil por ano.
Para a diretora de tributos da Moore
Brasil, Maria Carolina Gontijo, a proposta do governo claramente eleva a carga
tributária, e o caminho para que a proposta de taxar dividendos tenha
consistência requer redução maior do IRPJ do que o governo está propondo. Além
disso, aponta, há muita discrepância entre as empresas.
“Hoje a nossa tributação é muito alta e
muito desigual, com cargas efetivas diferentes para os contribuintes. Então
quando a gente vai na linha de tributação exclusiva e direta nos dividendos,
estamos considerando iguais contribuintes com capacidades contributivas
diferentes”, afirmou. “Não sou contra taxar dividendos, mas sou contra a
maneira como está sendo proposta porque coloca todos os desiguais em situação
igual. Sem contar que a calibragem não está ajustada”, completou.
A despeito da polêmica, há espaço para
convergência. Do lado do governo, que tem reclamado nos bastidores da
“hipocrisia” de empresários “super-ricos” que não pagam impostos e adoram fazer
caridade com autopromoção, é preciso saber dialogar e construir caminhos menos
acidentados, explicando a importância de se enfrentar a mazela de um sistema
tributário altamente regressivo em um país no qual o 1% mais rico se apropria
de 49,6% da riqueza - em 2000, essa fatia era de 44,2%, conforme dados do
Credit Suisse.
Do lado dos empresários, é preciso diminuir
o clima de terror e buscar uma postura mais propositiva, entendendo a
fragilidade das contas públicas e sendo solidária com a classe média (quem
ganha acima de R$ 20 mil por mês não é classe média, frise-se), que finalmente
pode ganhar com uma reforma.
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