quarta-feira, 7 de julho de 2021

Fabio Graner - Reforma do IR precisa melhorar, mas é correta

Valor Econômico

Proposta ainda tem muito a ser corrigido, porém carga tributária efetiva é menor do que sugere a alíquota cheia e as reclamações de empresas e empresários

Têm produzido choro e ranger de dentes alguns aspectos da reforma do Imposto de Renda apresentada pelo governo ao Congresso no fim do mês passado. Duas medidas que o time do ministro Paulo Guedes preparou são particularmente polêmicas: a tributação dos dividendos, hoje isentos, e o fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP).

De fato, o governo pesou a mão em alguns pontos, como reconhecem interlocutores da própria equipe econômica. Mas o clima de fim de mundo que parte do “andar de cima” está criando parece querer mais acabar com um projeto que, a despeito das evidentes falhas de calibragem, caminha na direção certa do que se buscar produzir um texto melhor para o conjunto do país.

É preciso lembrar que hoje a maioria das empresas e seus sócios paga muito menos imposto do que fazem crer a alíquota nominal de 34% de IRPJ/CSLL e as reclamações do empresariado. Um levantamento do economista Rodrigo Orair, pesquisador do Ipea, aponta que a alíquota efetiva do IRPJ/CSLL na média geral ficou em 23,4%, com base em dados de 2013 da Receita Federal. Isso ocorre por causa do JCP e da existência de uma série de regimes especiais e possibilidades de deduções na base de cálculo da tributação sobre a renda das empresas.

Esse valor sobe para cerca de 27% nas grandes empresas que recolhem pelo lucro real, mas ficaria em torno de 20% nas que estão no lucro presumido, ficando abaixo disso nas que estão no Simples - o regime para as empresas de menor porte.

“As alíquotas estatutárias que incidem sobre o lucro da pessoa jurídica são muito elevadas, mas há uma ampla gama de exclusões da base de cálculo e regimes especiais que, na maioria das situações, reduzem muito as alíquotas efetivas ao mesmo tempo em que geram arbitrariedades no tratamento tributário entre empresas e setores”, comenta Orair. Ele recentemente publicou estudo sobre como melhorar a distribuição de renda no Brasil e um dos caminhos apontados é exatamente reduzir a taxação nas empresas, elevando sobre dividendos aos acionistas.

O contador e professor do Ibmec Paulo Henrique Pegas, com base em dados dos balanços de cem grandes empresas até 2019, aponta que a média efetiva de tributação do IRPJ/CSLL nas empresas é de 21%, variando conforme o setor. O abatimento permitido pelo JCP, por exemplo, levaria a alíquota efetiva dos bancos para 14,6% (número que a Federação Brasileira de Bancos contesta), mas outros segmentos teriam taxas efetivas mais altas, como serviços (27,8%) e petróleo e gás (36,3%).

Em simulações apresentadas ao Valor, Pegas mostra que a reforma efetivamente vai acabar elevando a carga tributária somada de empresas e sócios, mesmo considerando que hoje a alíquota efetiva é mais baixa que os 34%. Quanto, porém, dependerá do volume de lucros a serem distribuídos. Quanto maior o total transferido aos sócios, estima o técnico, maior o aumento da carga. Seja com alíquotas de 20%, 15% ou 10% para os dividendos e considerando 29% de IRPJ/CSLL - que a proposta original prevê só para 2023, mas que já está definido por Guedes que ela deve vigorar já em 2022, se o projeto for aprovado.

Pegas aponta que não é saudável empresas distribuírem todo o seu lucro e defendeu a direção da proposta do governo. “O projeto tem um monte de coisas para ajustar, não é maravilhoso, mas tem muita choradeira aí”, disse. “No mundo real ninguém distribui 100% dos lucros e ninguém paga o IRPJ/CSLL sobre a alíquota cheia.”

Para o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCif) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Bernard Appy, a proposta do governo está mal desenhada. Segundo ele, se o governo quer taxar os dividendos, o ideal seria incluir essa receita do acionista na tabela do IRPF, descontando o que já foi pago na empresa, como em vários países.

“Mas isso só funcionaria se houvesse uma alíquota marginal mais elevada no IRPF, em torno de 35% para rendas mais elevadas, porque a alíquota na distribuição como está hoje chega a 43,2%”, disse ao Valor. “Com uma alíquota mais elevada no IRPF e aumentando a base no IRPJ (ou seja, aproximando o lucro fiscal do contábil) daria para manter a arrecadação e ter um sistema justo, que tributasse mais o lucro recebido por pessoas de alta renda que o recebido por pessoas de baixa renda”, acrescentou.

O governo, porém, considera que levar essa e outras receitas para a tabela progressiva do IRPF é etapa para um futuro mais distante, mais de cinco anos, e agora é melhor o tratamento diferenciado, com uma só alíquota. Essa visão já foi levada por Guedes ao relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), após notícias de que o parlamentar gostaria de colocar uma progressividade adicional à isenção de até R$ 240 mil por ano.

Para a diretora de tributos da Moore Brasil, Maria Carolina Gontijo, a proposta do governo claramente eleva a carga tributária, e o caminho para que a proposta de taxar dividendos tenha consistência requer redução maior do IRPJ do que o governo está propondo. Além disso, aponta, há muita discrepância entre as empresas.

“Hoje a nossa tributação é muito alta e muito desigual, com cargas efetivas diferentes para os contribuintes. Então quando a gente vai na linha de tributação exclusiva e direta nos dividendos, estamos considerando iguais contribuintes com capacidades contributivas diferentes”, afirmou. “Não sou contra taxar dividendos, mas sou contra a maneira como está sendo proposta porque coloca todos os desiguais em situação igual. Sem contar que a calibragem não está ajustada”, completou.

A despeito da polêmica, há espaço para convergência. Do lado do governo, que tem reclamado nos bastidores da “hipocrisia” de empresários “super-ricos” que não pagam impostos e adoram fazer caridade com autopromoção, é preciso saber dialogar e construir caminhos menos acidentados, explicando a importância de se enfrentar a mazela de um sistema tributário altamente regressivo em um país no qual o 1% mais rico se apropria de 49,6% da riqueza - em 2000, essa fatia era de 44,2%, conforme dados do Credit Suisse.

Do lado dos empresários, é preciso diminuir o clima de terror e buscar uma postura mais propositiva, entendendo a fragilidade das contas públicas e sendo solidária com a classe média (quem ganha acima de R$ 20 mil por mês não é classe média, frise-se), que finalmente pode ganhar com uma reforma.

 

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