O Globo
É preciso criar uma ampla coalizão para resistir a tentativa de ruptura institucional que se anuncia
Os protestos anti-Bolsonaro, que têm hoje
uma nova rodada, precisam cumprir duas funções. A primeira é tentar apressar a
saída do presidente por meio de um impeachment. É uma tarefa difícil,
improvável, mas que vale a pena perseguir, por imperativos morais, mas também
porque auxilia a segunda função: criar uma ampla coalizão para resistir à
tentativa de ruptura institucional que se anuncia em outubro de 2022, caso
Bolsonaro perca as eleições. Essas duas tarefas exigem muito mais do que apenas
a esquerda nas ruas.
Estamos no mês de junho do ano que antecede
as eleições, o que torna o calendário para o impeachment apertado. Ainda que
Arthur Lira, presidente da Câmara, aceitasse um dos pedidos, o processo só
seria concluído no começo de 2022, a poucos meses das eleições.
A dura verdade é que, embora não faltem crimes de responsabilidade, ainda não temos condições políticas para fazer avançar um pedido de impeachment. Para que fosse aceito, seria preciso que o apoio a Bolsonaro caísse pela metade e que o presidente perdesse o controle do Congresso.
Mesmo com essas dificuldades, perseguir o
impeachment é um imperativo moral, dadas a má gestão da Covid-19 e as ameaças
ao meio ambiente e às instituições democráticas. Além disso, uma mobilização
voltada a tirar Bolsonaro do poder poderia produzir a coesão social de que
precisamos para aguentar o golpe que se anuncia.
Bolsonaro já disse que não aceitará uma
derrota eleitoral porque considera o sistema de votação eletrônica inseguro. É
absolutamente certo que alegará fraude se perder as eleições, e é possível que
essa alegação seja seguida de uma tentativa de instar Exército e polícias
militares a intervirem, mais ou menos como aconteceu na Bolívia.
Nesse momento, além de contarmos com a
lealdade das Forças Armadas, será necessária uma coesão nacional em defesa da
institucionalidade democrática, um compromisso que vá, por assim dizer, do Novo
ao PSTU.
Não importa se o vencedor for Lula, Ciro,
Doria ou algum outro, todas as forças democráticas precisarão defender o
resultado das eleições. Essa coalizão e esse compromisso não serão forjados do
dia para a noite. Precisamos começar agora com os protestos contra Bolsonaro.
Para isso, é preciso que as manifestações sejam plurais. Está na hora de Vem
Pra Rua e MBL retomarem os protestos anti-Bolsonaro que lideraram no passado e
que as forças de esquerda e de direita se vejam como parte de um mesmo processo
de defesa da democracia.
Para que isso aconteça, teremos de olhar
para as feridas do passado recente e nos perdoar. A direita precisa reconhecer
que, a despeito da nobreza da causa anticorrupção, a Lava-Jato se excedeu e
cometeu ilegalidades. A esquerda tem de reconhecer que, a despeito dos excessos
da Lava-Jato, houve corrupção gravíssima nos governos petistas. A esquerda
precisa aceitar ainda que, embora acredite que não havia embasamento para o
impeachment de Dilma Rousseff, aqueles que lutaram pelo impeachment não eram
golpistas.
Será que estaremos à altura dessa missão?
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