O Globo
O Brasil estava à beira de uma crise fatal
no sistema financeiro em 1995. Dito de outra maneira: boa parte dos bancos,
públicos e privados, não tinha o dinheiro necessário para honrar os depósitos e
aplicações dos clientes.
A origem, paradoxal, dessa crise estava no
fim da inflação. Bancos viviam do open market. Pegavam dinheiro dos clientes,
remunerados a uma fração da inflação, e aplicavam toda noite em títulos do
governo, recebendo taxas que cobriam a inflação plena e mais alguma coisa.
Quando a inflação, com o Plano Real, caiu
para 1% ao ano, a farra acabou. Muitos bancos não apenas tinham ativos podres,
maus empréstimos (a empresas amigas e familiares), como tinham passivos muito
superiores.
O governo FH ficou diante do dilema: deixar a coisa rolar, quer dizer, deixar que a quebradeira ocorresse, na ideia de que isso seria um saneamento “natural” do mercado; ou fazer uma intervenção generalizada, colocando dinheiro para salvar não os banqueiros, mas os clientes e o sistema.
O Banco Central lançou então, em novembro
de 1995, o Proer, Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do
Sistema Financeiro Nacional. Na ocasião acusado de ser uma farra de dinheiro
público para os banqueiros, mostrou-se na verdade uma operação original e
eficiente de saneamento — depois internacionalmente elogiada.
O BC decretou intervenção nos bancos
praticamente quebrados e dividiu cada instituição em duas — a boa e a ruim. A
parte boa (bons ativos) foi vendida a outros bancos. A parte ruim foi liquidada
pelo BC, que teve, claro, de colocar dinheiro público para ressarcir, de novo,
não os banqueiros, que perderam seus bancos, mas a clientela. De todo, foi o
mais barato programa de saneamento financeiro, em comparação com outros países
do G20.
Mesmo assim, muitos diretores do BC
passaram anos se defendendo em processos por improbidade administrativa. O
Ministério Público simplesmente não entendeu o processo ou não quis entender,
por razões políticas. E aproveitou brechas da Lei de Improbidade, seus pontos
vagos e muito abertos, para processar um monte de gente.
Ou seja, precisava, sim, fazer a reforma da
Lei de Improbidade de 1992. Do jeito que está, de fato ela afasta muita gente
boa do serviço público.
Mas o projeto aprovado a toque de caixa
pela Câmara de Deputados, sob a liderança de seu presidente, Arthur Lira, virou
a coisa pelo avesso. Aliviou geral e merece o apelido de “lei da impunidade”.
Primeiro, reduziu demais o elenco de crimes
de improbidade. Depois, estabeleceu que é preciso provar materialmente que
houve dolo do agente público para caracterizar a improbidade. O que é muito
difícil.
Exemplo: ao atrasar a compra de vacinas,
rejeitar o uso de máscaras, condenar as regras de isolamento, tentar a
imunidade de rebanho e receitar remédios ineficazes, o presidente Bolsonaro é
responsável pelo alto número de mortos por Covid-19.
Pelo texto aprovado na Câmara, porém, ele
só poderia ser responsabilizado se ficasse provado que tinha a intenção de
matar — prova obviamente impossível de produzir.
Além disso, o projeto da nova lei reduz os
prazos de prescrição. Combinando isso com a lerdeza da Justiça, praticamente
todo mundo vai escapar. Vários processos já em andamento na Lava-Jato seriam
imediatamente arquivados. O próprio presidente da Câmara se livraria de
processos originados em sua atuação como deputado estadual em Alagoas.
O projeto está agora com o Senado. A ver. Mas, do jeito que está, o objetivo é claro: passar do excesso de acusações injustas para o liberou geral. Triste é que esse projeto tenha sido aprovado por quase todos os partidos, dos bolsonaristas aos petistas, o que dá bem um retrato da política brasileira. De comum a esses partidos, só o fato de serem todos apanhados em denúncias sérias e bem provadas.
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