O Estado de S. Paulo
Para ser protagonistas, as direitas
brasileiras têm de se afastar do presidente, que não é liberal nem conservador
Ser de direita no Brasil era como ser de
esquerda na Polônia.
Lá, a palavra “esquerda” lembra a ditadura comunista e a opressão da antiga
União Soviética. Aqui, “direita” esteve associada, por muito tempo, à ditadura
militar instaurada para combater uma ameaça socialista
inexistente. Em nome desse objetivo, torturou, gastou sem responsabilidade
fiscal e entregou aos civis uma economia com a doença da inflação.
Na Polônia, ainda hoje, a disputa eleitoral
se dá entre a direita e a extrema direita. No Brasil, até pouco tempo atrás, a
política se organizava em torno de duas siglas nascidas à esquerda. Uma
chefiada por um líder sindical e a outra por um professor universitário que,
nos anos 1960, capitaneava um grupo de estudos sobre Karl Marx. Em 1978, o
professor concorreu ao Senado com o apoio do líder sindical. Mais tarde, os
dois se tornaram presidentes.
As direitas sofreram para exorcizar a pecha autoritária. Nos anos 1990, organizaram-se em seminários sobre liberalismo. Durante o protagonismo de PT e PSDB, abrigaram-se em partidos “de suporte”, na definição do cientista político Carlos Pereira, colunista do Estadão e personagem do minipodcast da semana. Um artigo ainda inédito redigido por ele, Samuel Pessoa e Frederico Bertholini mostra como, em democracias multipartidárias, algumas siglas abrem mão do protagonismo para apoiar governos. Ganham em troca influência e cargos.
Recentemente, as direitas democráticas
decidiram trocar os bastidores pela ribalta – e uma de suas alas fundou, em
2011, o Partido Novo,
uma sigla com programa, regimento e ambição de protagonismo. Neste momento, o
Novo vive um dilema faustiano: apoiar ou não o presidente Jair Bolsonaro?
Alguns filiados consideram que o Novo deve
se tornar uma sigla “de suporte”, a reboque de Bolsonaro. Outra tendência acha
que isso seria trair a própria razão de ser do partido. “Eleger Bolsonaro em
2018 foi um erro. Ele não cumpriu suas promessas e nada tem de liberal”,
disse João Amoêdo,
candidato a presidente nas últimas eleições, em entrevista à coluna.
Amoêdo – que iria disputar novamente a
Presidência em 2022, mas retirou a
candidatura para não dividir ainda mais o partido – tem razão.
Um governo que fustiga as instituições não pode ser chamado de “liberal”. É
igualmente inapropriado classificá-lo como “conservador”. Conforme editorial
do Estadão, o conservadorismo “defende o respeito às instituições
democráticas e luta por sua estabilidade”. O editorial afirma que o presidente
“viola esses princípios”, “tomando a coisa pública como se fosse privada e
atacando os pilares da democracia”.
Há outros polos à direita em busca de
protagonismo. Como destacou Alberto Bombig em sua coluna, o PSD – que agora conta
com o prefeito carioca Eduardo Paes e tem a
perspectiva de incorporar Rodrigo Maia a seus
quadros – pretende lançar candidato próprio em 2022. Tanto Paes quanto Maia
deixaram o Democratas depois que o partido, na votação para a presidência da
Câmara, foi tragado pelo redemoinho bolsonarista.
Eis o dilema das direitas brasileiras. Para
ser protagonistas, elas têm de se afastar de Bolsonaro, que não é liberal nem
conservador. Pior: cultua o demônio que elas exorcizaram com tanto afinco, o
passado ditatorial. Se não o fizerem, vão desaparecer na voragem de um
presidente personalista – como a água que escorre em redemoinho para o ralo,
depois que se desentope a pia.
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