sábado, 19 de junho de 2021

Ascânio Seleme - Nova carta ao povo brasileiro

O Globo

A primeira, escrita por Lula em 2002, foi endereçada ao mercado, a de agora seria destinada aos eleitores

Lula cogita escrever uma nova carta ao povo brasileiro. A exemplo da primeira, de junho de 2002, esta também quer mostrar que o ex-presidente não é o bicho-papão comunista pintado pelas tintas do radicalismo de direita. A primeira foi endereçada ao mercado, a de agora seria destinada aos eleitores. Talvez Lula tenha razão, mas se ficar apenas no conteúdo econômico, a carta será curta. É importante dizer que o candidato do PT não é de extrema-esquerda, quando muito de centro-esquerda, que não vai tomar sua casa nem confiscar sua poupança. Mas isso já se sabe. O que se quer agora ouvir de Lula e do PT é um pouco mais.

Lula precisa dizer ao eleitor que ele e o PT erraram, e mais de uma vez. Embora os equívocos na condução da economia no governo Dilma tenham sido extremamente graves, o que o povo brasileiro quer mesmo ouvir de Lula é que o partido errou ao usar o Estado e o dinheiro público em benefício próprio e de partidos aliados, para consolidar sua permanência no poder. Este é um fato inegável, uma nuvem que sobrevoa o PT e que vai permanecer fazendo sombra enquanto o partido e seu principal líder não afirmarem categoricamente que erraram e que se arrependem.

O fato de o Supremo ter anulado a condenação de Lula o exonera, mas não o inocenta. Talvez Lula não seja condenado outra vez pelos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia e jamais se prove que ele foi beneficiado diretamente pelos desvios da Petrobras. Mas isso não significa que a estatal não tenha sido efetivamente dilapidada pelos partidos da base do governo, que usavam as diretorias da empresa para arrecadar. As confirmações foram feitas por tesoureiros do PT, presidentes de partidos aliados, funcionários da empresa e empreiteiros. Além de doleiros que faziam as remessas desse butim para o exterior.

Um episódio mostra bem como se lidava com os avanços sobre os cofres da empresa. Certo dia, lá pela metade do segundo mandato de Lula, um jornalista foi à sede da Petrobras almoçar com Paulo Roberto Costa, diretor da cota do PP e futuro pivô da Lava-Jato. Ao sair do almoço, o jornalista encontrou Graça Foster, também diretora da empresa e grande amiga de Dilma Rousseff, que o cumprimentou com a seguinte saudação: “Tudo bem? Soube que você veio almoçar com aquele ladrão do Paulo Roberto”. Paulinho, que era a forma carinhosa usada por Lula para se referir ao diretor, ficou ainda alguns anos no cargo e só saiu porque renunciou, em maio de 2012, dois anos depois da posse de Dilma. O governo sabia que havia roubo, mas fingia não ver. Em 2014, Paulo Roberto foi preso e a casa caiu.

As histórias de Lula e do PT, contudo, são maiores do que escândalos como o da Petrobras ou do mensalão. Não há partido mais bem estruturado e representativo da sociedade brasileira do que o PT. Não existe político mais carismático e original no cenário nacional do que Lula. O ex-presidente fez um dos governos mais inclusivos da História republicana. Não é exagerada a afirmação de petistas de que na sua gestão milhões de brasileiros foram resgatados da miséria pelas suas políticas de distribuição de renda. Tampouco é errado reafirmar que Lula é um democrata, que se pauta pelas leis e pela Constituição. As tentações antidemocráticas de membros do partido, como o controle externo da imprensa, nunca saíram do papel.

Esse é o Lula que tem que se apresentar na segunda carta aos brasileiros. Precisa dizer “perdão, errei, erramos”. E afirmar que estes erros, que representam a principal pedra no seu caminho, não serão repetidos. Muitos já perdoaram Lula e o PT, porém ainda há brasileiros honestos, trabalhadores e bem intencionados que rejeitam o partido e seu líder exclusivamente por causa da corrupção. Se Lula quiser pôr um fim nesta história, terá de finalmente admitir o que não pode mais ser negado. Ao fazer esse reconhecimento e se desculpar, terá como enfrentar a campanha do ano que vem de cabeça erguida.

Improbidade

Faltou introduzir o velho conhecido “excludente de ilicitude” na lista de perdões por crimes cometidos pelo servidor público na nova Lei da Improbidade administrativa, aprovada na quarta-feira a toque de caixa pela Câmara. O que custava estabelecer que ele também seria perdoado se uma decisão sua que aliviou algum cofre público fosse tomada sob forte emoção? Tudo bem, já-já aparece uma emenda para corrigir este esquecimento. Pelo texto aprovado, crime só ocorre se o ato ilícito for “deliberadamente voluntário”. Se for apenas voluntário, está perdoado.

Saudades

Bons tempos em que jornais e jornalistas gastavam a maior parte da sua jornada de trabalho apurando e contando histórias úteis ao leitor, ao ouvinte ou ao telespectador. Época em que as reportagens tinham mais valor. Hoje, com o advento do “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, a prioridade foi invertida e os repórteres passam muito mais tempo tentando explicar o inexplicável (exemplo na nota seguinte) e desmontando a avalanche de mentiras contadas no Palácio do Planalto. Daí o sucesso de sites de checagem, que viraram a nova joia do jornalismo nacional.

Estúpido

A declaração de Bolsonaro de que é preferível se contaminar com o coronavírus do que tomar a vacina é o ponto máximo que sua ignorância conseguiu alcançar nestes dois anos e meio de governo. Desnecessário explicar a idiotice criminosa. É urgente que se pare o festival de besteiras que ele pronuncia diariamente nas redes sociais. Esperar por Arthur Lira não adianta. Talvez seja o caso de apelar para as redes. Por muito menos, Donald Trump foi suspenso do Facebook e banido pelo Twitter.

Seu Exército

O presidente podia aproveitar, já que o Exército brasileiro é “seu”, e mandar a soldadesca desocupada plantar árvores em áreas desmatadas. Que sejam eucaliptos, porque crescem rápido. E entregar tudo para o Ricardo Salles e seus amigos madeireiros. Podem também ser deslocados dos quartéis, onde passam os dias fazendo ordem unida, tiro ao alvo, tirando plantão e jogando bola, para enfrentar as queimadas destes dias secos no Centro-Oeste. Os soldados podem, afinal, ser úteis.

Multas

Bolsonaro foi multado no Maranhão e em S. Paulo por produzir e participar de aglomerações sem usar máscara. Numa entrevista ao GLOBO, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, disse que o multaria se fizesse a mesma porcaria na capital mineira. Mas Bozo pode ficar tranquilo, ele sempre terá o Rio.

Raspas e restos

O ministro da Economia enfim descobriu como satisfazer a fome de “pessoas fragilizadas, mendigos e desamparados”. Paulo Guedes propôs, numa live para um fórum de supermercados, recolher diariamente as sobras de restaurantes para distribuição entre estes necessitados. Não disse como fazer isso. Talvez criando uma empresa estatal, porque vai precisar de muito braço e viatura. Só no município do Rio há 7.750 restaurantes e bares (eram 9 mil antes da pandemia). Imagina o esforço para recolher as sobras de alimentos dessa turma toda.

Prato feito

Na mesma live, Guedes reclamou do tamanho do prato de comida do brasileiro de classe média. Segundo ele, os pratos dos europeus são relativamente pequenos e os nossos têm “sobras enormes”. Não sei onde ele viu isso, por onde eu ando não é assim. Os pratos grandes, ministro, são dos pobres e têm apenas arroz, feijão, farinha e macarrão. Muitos comem apenas um prato por dia. E olhe lá.

Narrativa

De vez em quando surgem como por passe de mágica palavras ou termos que presunçosamente tentam explicar de maneira mais elaborada um elemento já bastante conhecido. É o caso da palavra “narrativa”, que significa contar, descrever, apresentar um caso. Agora, a palavra está ganhando outro significado na CPI da Pandemia. Quer dizer mentira, segundo os inacreditáveis Marcos Rogério, Eduardo Girão e Jorginho Mello ou o inusitado Luís Carlos Heinze. Chega a dar preguiça.

Birrento

Esta é da semana passada, mas ainda vale por evidenciar o menino birrento que por vezes toma conta do presidente do Brasil. Sempre que é contrariado e não pode reagir de maneira drástica imediatamente, Bolsonaro faz beicinho. Vejam a imagem dele com Queiroga um dia depois de o ministro afirmar na CPI que não acredita em tratamento precoce para a Covid. Ele estava sentado, Queiroga se aproximou, falou alguma coisa e Bolsonaro não respondeu, não olhou para ele, fingiu que nem o via. No dia seguinte o chamou de “Um Certo Queiroga”.

Lula e Rodrigo

A capacidade aglutinadora de Lula não deixa dúvida. Melhor que ele, só Tancredo Neves, o maior conciliador da História política nacional que derrotou a ditadura. Enquanto os partidos de centro discutem um nome para ocupar a vaga do que chamam de terceira via, Lula vai construindo pontes. Vejam sua aproximação com Rodrigo Maia. Mesmo com Rodrigo estando em viés de baixa, é mais um passo do sapo barbudo.

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