Folha de S. Paulo
Polarização entre Lula e Bolsonaro indica
fracasso de lideranças da terceira via
O PSDB marcou
suas prévias para as calendas de novembro, num gesto celebrado como
exercício democrático —“um avanço”, na opinião desta Folha— e exibido como
mecanismo de definição de um candidato de “terceira via”. Na prática, porém, a
decisão só contribui para cristalizar a polarização entre Lula e Bolsonaro na
corrida de 2022.
O lugar de
Lula no segundo turno está virtualmente assegurado pelo peso político do PT. O
lulismo, como ficou comprovado em todas as eleições, desde 1989, não é capaz de
triunfar no primeiro turno, mas invariavelmente atinge o turno final, algo que
se repetiu até com Haddad nas circunstâncias extremas criadas pelo impeachment
e pela prisão de Lula. Não existe, contudo, garantia de que o atual presidente
ultrapasse a barreira do turno inicial.
A estratégia eleitoral bolsonarista imita a
de Donald Trump: assegurar a coesão de uma minoria fiel. O presidente aposta
que sua base é suficiente para conduzi-lo ao turno final, quando tentaria obter
os votos de um majoritário antipetismo. O problema é
que o Brasil não é os EUA e Bolsonaro não é Trump.
Lá, há um sistema bipartidário com eleição em turno único que se conclui no Colégio Eleitoral. Aqui, um sistema pluripartidário com voto popular direto em dois turnos. Trump representava o Partido Republicano, que comanda o apoio de cerca de dois quintos do eleitorado. Bolsonaro carece de partido forte e seu desgoverno provoca erosão crescente em suas taxas de popularidade.
Descortina-se um horizonte sombrio diante
de Bolsonaro. A exposição
dos crimes do governo federal contra a saúde pública pela CPI, a
persistência da pandemia e a trajetória ascendente das taxas de juros
configuram um cenário desolador para o presidente.
Tudo tende a piorar com a crise
hídrica, que traz o risco de racionamento energético e as certezas
de aumento da inflação e dos juros. Em tese, abrem-se as portas para um turno
final entre Lula e Mister X, o que significaria uma lufada de ar descontaminado
para a democracia brasileira.
O ponto é que inexiste Mister X, o
candidato do “centro” ou da “terceira via”. Longe dos microfones, em jantares
partidários ou articulações online promovidas por círculos fechados, os
dirigentes desse amplo e indefinido campo político prometem selecionar um
candidato único.
Mas, à luz do dia, cada corrente posiciona um
nome para a disputa. Ciro Gomes já
está no palco, movendo-se inteligentemente da esquerda para o
centro. Doria é o favorito óbvio nas prévias tucanas.
Depois das renúncias explícita de Huck e tácita de Moro, despontam, ainda,
pré-candidatos mais ou menos especulativos como Mandetta, Rodrigo Pacheco,
Simone Tebet e Alexandre Kalil. O “centro” tem poucas ideias e nomes em
excesso.
Tudo se passa, na “terceira via”, como se
experimentássemos tempos normais, não uma uma guerra crônica contra as
instituições democráticas promovida pela extrema direita bolsonarista e os
militares de pijama que a cortejam. Aos distraídos que, em 2018, aderiram a
Bolsonaro (como Doria e Mandetta) ou lavaram as mãos votando nulo ou branco
(como FHC e Huck) parece faltar um módico senso de urgência.
De fato, nessa trajetória, condenam os
brasileiros a sufragar o populismo democrático para cortar as asas do populismo
antidemocrático.
O tempo é implacável. A polarização
eleitoral Lula/Bolsonaro não indica a ausência de um vasto eleitorado que
aprendeu com o passado recente e com o desastre em curso, mas unicamente o
fracasso político das lideranças da chamada “terceira via”.
Postergando a seleção de um candidato único de “centro” para o ano que vem, o PSDB sedimenta as candidaturas polares. Presta, assim, um serviço a Bolsonaro, aplainando seu caminho ao turno final, e outro a Lula, consagrando-o como o candidato de centro na disputa decisiva contra o presidente extremista.
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