O Globo
A sede de destruição do atual governo
parece não ter fim. Agora é a vez da política de combate à pobreza, reconhecida
internacionalmente, cuja pena de morte foi decretada com a criação do Auxílio
Brasil.
Além de acabar com o Bolsa Família —
extensão e aperfeiçoamento da Rede de Proteção Social —, o novo programa não
será apenas uma mudança de nome. Destruirá princípios e estruturas, frutos de
importante evolução histórica.
Nessa trajetória, a assistência começou a
ser tratada como política pública a partir da Legião Brasileira de Assistência
e passou a ser considerada como direito do cidadão e dever do Estado, com a
Constituição de 1988. Seguiu-se a Lei Orgânica da Assistência Social, propondo
a estruturação de um Sistema Único de Assistência Social (Suas), que definia o
papel de cada ente federativo.
Houve uma importante evolução conceitual. A pobreza passou a ser vista como multidimensional, e “não natural”, tendo a família como unidade básica de produção/reprodução ou de superação.
Uma política pública de superação da
pobreza deveria propiciar um patamar básico de desenvolvimento familiar, com a
garantia de uma renda mínima; diagnosticar a situação de cada família, para
identificar demandas e oferecer serviços adequados; e garantir o acesso a
políticas de desenvolvimento humano (educação e saúde) e de geração de renda.
O instrumento básico, tanto para o acesso a
esses programas quanto para o acompanhamento das famílias, deveria ser um
cadastro único.
Criado em 2000 pelo governo de Fernando
Henrique, aperfeiçoado e expandido pelos de Lula e Dilma, o CadÚnico viabilizou
a integração dos programas da Rede de Proteção Social, dando origem ao Bolsa
Família.
Desde a criação, sua gestão foi uma
atribuição dos municípios, por meio dos Centros de Referência da Assistência
Social (Cras), presentes nas áreas mais pobres dos 5.568 municípios.
As desastrosas consequências advindas da
pandemia do coronavírus acabaram por definir a necessidade de criar um auxílio
emergencial. A iniciativa baseou-se no indivíduo e utilizou um aplicativo do
governo federal para inscrição dos beneficiários, ignorando as unidades
familiares, o Suas e o papel dos Cras.
Em termos de foco, foi um desastre.
Cadastraram-se não pobres e não se cadastraram os “pobres dos pobres”. Foram
muitos milhões de reais desviados da verdadeira função do programa.
Surge agora o Auxílio Brasil, que, apesar
de não mais ser emergencial, parece estar garantido apenas até 2022. O cadastro
passa a ser feito diretamente com o governo federal. Sua função será apenas
viabilizar a transferência de renda, sem a engenharia necessária à promoção das
famílias.
A crença por trás da proposta parece ser
que a pobreza é um fenômeno natural e, portanto, insuperável. Que a
transferência de renda deva permitir apenas uma sobrevida indigente aos cerca
de 50 milhões de brasileiros pobres e que sirva para que esse exército de
miseráveis venha a votar em função de tal “benesse”.
*Foi ministra de Assistência Social do governo Fernando Henrique, responsável pela implantação do CadÚnico
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