Com juro alto e calote, oferta de crédito continua caindo
Valor Econômico
O endividamento das famílias está ao redor
de 49%, e o comprometimento da renda é de 27%
Dados mais recentes do Banco Central (BC)
dão razão às reclamações das empresas e das famílias de que o crédito não só
está mais caro como também mais escasso. As taxas estão no maior patamar desde
2017. O mercado se deteriorou ao longo do ano passado em consequência da alta
dos juros, e a situação se agravou no início deste ano com os problemas de
grandes empresas. A perspectiva de que os juros vão continuar elevados durante
boa parte do ano não é promissora. O próprio Banco Central, apesar de não ver
aperto de liquidez no horizonte, voltou a reduzir a previsão de crescimento do
crédito neste ano de 8,3% para 7,6%, no Relatório Trimestral de Inflação.
O sinal de alerta aparece no relatório de crédito de fevereiro do Banco Central, o mais recente divulgado. O volume de crédito dos bancos caiu 0,1% na comparação com janeiro, para R$ 5,3 trilhões. As novas concessões despencaram 9,5% e somaram R$ 421,9 bilhões. Considerando o ajuste sazonal que leva em conta o fato de fevereiro ter menos dias, a queda ficou em 2,2%.
Os bancos estão pondo o pé no freio principalmente dos empréstimos para as pessoas jurídicas, preocupados com as dificuldades de empresas como a Americanas, a Oi e, mais recentemente, o grupo Petrópolis. Os pedidos de recuperação judicial já somam cerca de 200 nos dois primeiros meses deste ano. O estoque de crédito para as empresas diminuiu 0,7% em fevereiro e as concessões tiveram retração de 4,4%.
Algumas linhas foram afetadas devido às
dificuldades do varejo. O volume de crédito com recursos livres para empresas,
que teve queda média de 1,2% em fevereiro na comparação com janeiro, despencou
7,7% nos descontos de duplicatas e 5,9% na antecipação de faturas de cartão de
crédito. O corte do crédito por setor confirma a seletividade dos bancos. Os
empréstimos para o varejo de bens duráveis caíram 5,4% em fevereiro, acumulando
recuo de 5,7% no ano; e para o varejo de bens não duráveis diminuiu 0,5% e
4,7%, respectivamente. Os números explicam as reclamações de Luiza Trajano,
presidente do conselho do Magazine Luiza, contra os juros elevados.
As pessoas físicas não têm sido afetadas
com a mesma intensidade. O saldo do crédito para as famílias aumentou em 0,4%
em fevereiro e as novas concessões em 0,8%, mas mostram desaceleração. Nas
linhas de crédito rotativo o aumento foi de 4,6%, do crédito pessoal consignado
para aposentados, de 1,1%, já as operações de cartão de crédito à vista
declinaram 3,6% no mês. O endividamento das famílias está ao redor de 49%, e o
comprometimento da renda é de 27%.
O próximo levantamento do BC deve mostrar
redução no volume de crédito para as pessoas físicas, resultado da suspensão do
consignado para aposentados em março, só retomado após acordo entre bancos e
governo em relação à redução da taxa de juros cobrada. A concessão mensal de
consignado para aposentados gira ao redor de R$ 3 bilhões.
O presidente Lula arbitrou a taxa de 1,97%
ao mês para o consignado de aposentados, 26,4% ao ano. A taxa não é muito
distante da média de 26,7% do consignado, que é mais barata para os
funcionários públicos. São, de toda forma, juros mais em conta do que a média
de 58,3% do crédito livre cobrada das pessoas físicas.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto,
apenas acena com possível liberação de compulsório caso haja aperto de
liquidez, o que considera improvável. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad
promete para os próximos dias um pacote de 12 medidas para facilitar o crédito.
Entre elas antecipou, sem detalhar, uma
espécie de “plano safra” para financiar a indústria - não se sabe se quis
insinuar juros subsidiados para o setor -, e a intenção de baixar o rotativo do
cartão de crédito. Não poupou críticas às taxas do rotativo, que considera
“exorbitantes”, “estratosféricas”, um “abuso”. O juro do rotativo do cartão
atingiu 417,4 pontos em fevereiro, com aumento de 6 pontos percentuais no mês e
de 62,2 pontos em um ano. Embalado pela experiência com a redução do juro do
cheque especial, que disputava o podium com o rotativo, Haddad acredita que há
espaço para redução.
O BC argumenta que a restrição ao crédito é
decorrência do aperto monetário para derrotar a inflação, e que o caso
Americanas não teve efeito contágio relevante até agora. Por enquanto, a
restrição ao crédito se assemelha à ocorrida em 2017, na saída de uma longa
recessão. A situação exige monitoramento atento e pragmatismo.
O Globo
Diversos pontos despertam dúvida — e única
forma de contas fecharem será aumento na carga tributária
A proposta de novo arcabouço fiscal do
governo pretende dar previsibilidade à trajetória da dívida pública e limitar o
aumento de gastos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou a intenção
de zerar o déficit primário em 2024 e de alcançar superávits em torno de 0,5%
do PIB em 2025 e de 1% em 2026. As metas ambiciosas são o primeiro compromisso
público da gestão Luiz Inácio Lula da Silva com a responsabilidade fiscal. Pelo
que foi apresentado até agora, contudo, será preciso melhorar muito a proposta
para que elas tenham chance de ser cumpridas.
Haddad nega intenção de aumentar a carga tributária, mas, pela regra exposta, o objetivo de reduzir a dívida bruta do governo será inatingível sem isso. Será preciso aumentar a receita em torno de 1 ponto percentual do PIB já neste ano. Como será recomposta a arrecadação para cumprir a meta agressiva? O governo fala em combater o patrimonialismo, a apropriação do Estado por segmentos injustamente beneficiados.
Na lista estão fundos de investimentos,
empresas de apostas on-line e companhias com isenções tributárias dos mais
variados tipos. A estimativa é um reforço no caixa entre R$ 100 bilhões e R$
150 bilhões. Faltam detalhes sobre a viabilidade de aprovação das medidas
necessárias no Congresso ou sobre o risco de judicialização. Sem esse aumento
na carga tributária, a conta não tem chance de fechar. Outro perigo é que se
criem despesas permanentes lastreadas em receitas temporárias.
No lado dos gastos, diversos outros pontos
despertam dúvida. O primeiro é a vinculação constitucional das despesas de
saúde e educação à receita. Como, pela regra, a despesa total tenderia a
crescer menos que a arrecadação, a tendência é essas duas rubricas ocuparem
mais espaço no Orçamento. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirma que
uma proposta de correção será discutida mais para a frente. Mas, se o objetivo
é um marco fiscal com credibilidade, ela precisa ser debatida imediatamente.
Outra dúvida: o governo prevê um piso para
os investimentos públicos, incluindo o Minha Casa Minha Vida, da ordem de R$ 75
bilhões, corrigidos pela inflação do ano anterior e impulsionados sempre que a
arrecadação crescer. Novamente, será criada mais uma rubrica que tende a
consumir espaço das demais no Orçamento.
É certo que, na comparação internacional, o
investimento público no Brasil é baixo como proporção do PIB, em razão das
despesas orçamentárias engessadas. Mas não será criando uma nova rubrica engessada
que se resolverá o problema. A intenção de todo ano aumentar gastos pelo menos
0,6% além da inflação se choca com a realidade em que só as despesas
(obrigatórias) com Previdência (45% do Orçamento) têm aumentado mais de 1,5%.
Haddad afirmou que os gastos relativos ao
Fundeb e à criação do novo piso salarial da enfermagem, gravados na
Constituição, não entrarão no cálculo das despesas sujeitas às regras fiscais.
Por que a exceção? Não há justificativa plausível.
Lula e sua equipe demonstraram ter feito o
diagnóstico correto ao prometer dois anos de superávit antes do final do
governo, mas só cumprirão a promessa se o novo arcabouço fiscal sofrer ajustes.
Sem eles, sua credibilidade fica em xeque. Deveriam ser prioridade antes do
envio ao Congresso.
Indefinição da Petrobras sobre preços
aumenta o risco de desabastecimento
O Globo
Novo presidente da estatal tem fugido do
assunto, dando a entender que quem manda é o Planalto
Na campanha eleitoral e depois de
empossado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso de
“abrasileirar os preços dos combustíveis”. Não explicou bem o que isso
significa. Aparentemente, além do previsível jogo de cena para a plateia, ele
pretende que o novo presidente da Petrobras — o ex-senador Jean Paul Prates —
deixe de seguir a cotação internacional do petróleo na formação dos preços da
gasolina e do diesel, como dita o princípio do Preço de Paridade de Importação (PPI),
seguido pela estatal desde 2016.
Prates chama o PPI de “dogma” e costuma
tentar se desvencilhar de perguntas diretas sobre o assunto com respostas
enigmáticas. “Estamos flutuando de acordo com a referência internacional e com
o mercado brasileiro”, afirmou certa vez sobre a política de preços sem dar
mais explicações. Noutra oportunidade foi mais claro ao afirmar que o preço
internacional é o melhor para a empresa, mas que “isso não quer dizer que se
tenha de andar em cima da linha do preço do importador” — o Brasil importa
quase 30% do diesel e 15% da gasolina que consome. “Para cliente que paga bem,
você dá desconto. É uma política de empresa”, repete Prates como se
justificasse a redução de preços na bomba.
Entre outros motivos, o PPI vem sendo
deixado de lado porque foi criado para garantir a quem comprasse refinarias da
Petrobras que o preço interno dos derivados de petróleo estaria em linha com os
praticados no exterior. Era uma forma de dar segurança aos investidores. A
estatal precisava vender ativos para abater dívidas de US$ 100 bilhões. Das
grandes refinarias, apenas uma foi vendida: a Landulpho Alves, na Bahia, ao
Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi. No poder, Lula congelou as
privatizações, necessárias para dinamizar o mercado e aumentar a competição que
reduziria o preço nas bombas.
Prates dá sinais de que quer definir os
preços na avaliação dos mercados no dia a dia. Como? É algo viável numa empresa
do porte da Petrobras? Não se sabe. O certo é o risco de desabastecimento, já
que boa parte dos combustíveis é comprada no exterior por distribuidoras
privadas. Se o preço nas bombas não lhes garantir a margem de lucro esperada,
elas pararão de importar, e caberá à Petrobras trazer o derivado de fora. O
risco de desabastecimento é ruim para a Petrobras, para o país e para a imagem
de Lula.
Ninguém sabe o que a Petrobras porá no lugar do PPI, nem como formará os preços nas refinarias. O assunto deveria preocupar contribuintes, consumidores de combustíveis, acionistas brasileiros e estrangeiros. Sem uma política de preços explícita, sempre haverá a suspeita de que quem manda na gestão é o Planalto.
Argentina sem freios
Folha de S. Paulo
Ruína no país vizinho mostra ao Brasil a
importância de seguir regras fiscais
Nas primeiras décadas do século passado, a
Argentina figurava entre os países mais ricos e promissores do mundo, exibindo
uma renda per capita superior às de França, Alemanha e Itália. Para emigrantes
europeus da época, era decisão difícil optar entre a nação da América do Sul e
os Estados Unidos.
Até os anos 1940, os argentinos ainda
mantinham o país relativamente rico e formado por famílias de classe média. Com
solo fértil, as exportações de grãos e carnes puxavam a economia, que passava
por processo de industrialização.
A segunda metade do século 20, entretanto,
marca o início de uma longa decadência, pontilhada por crises agudas que
mantiveram a renda per capita do país estagnada nos últimos 40 anos.
Esse declínio culmina agora na formação de
nova tormenta, em ano de eleição presidencial. A alta dos
preços, superior a 100% em 12 meses, ameaça descambar para um
cenário de hiperinflação e agravamento das condições sociais.
Dados oficiais colocam 43,1% dos argentinos
(19,8 milhões) abaixo da linha de pobreza. No mercado de trabalho, 70% das
novas vagas são informais, e mais de 40% das formais pagam salários
insuficientes para a compra de uma cesta básica completa.
Na base da crise argentina está o fato de,
em mais de um século, o país ter encerrado apenas dez anos com as contas
públicas no azul. E, com a recorrência de governos populistas, ter fechado sua
economia e multiplicado benefícios à população e às empresas sem a devida
responsabilidade fiscal.
Atualmente, subsídios estatais em energia e
transportes consomem quase o dobro das despesas em saúde; o funcionalismo
estatal inchou de 2,7 milhões para 3,4 milhões em dez anos; e 55% das
aposentadorias foram concedidas sem a contribuição dos beneficiados.
Para financiar gastos, a Argentina passou
simplesmente a emitir pesos em quantidades bilionárias, ao mesmo tempo em que
sufoca o setor produtivo com mais impostos, sobretudo o agronegócio gerador de
dólares, moeda em
absoluta escassez no país.
Sem solução no horizonte, o drama argentino
explicita como a falta de regras para o funcionamento da economia pode
desorganizar um país que já foi rico e próspero —e tornar extremamente difícil
a volta à normalidade.
Para o Brasil, o vizinho serve de exemplo
prático sobre como metas para a inflação, um Banco Central autônomo, a Lei de
Responsabilidade Fiscal, reformas como a da Previdência e, agora, a busca por
um novo arcabouço fiscal foram e são fundamentais para evitar que governos de
turno arruínem progressivamente, e sem freios, as condições de vida de uma
sociedade.
Jabuti antiambiental
Folha de S. Paulo
Com MP, Câmara abre brecha para devastar
mata atlântica e adia Código Florestal
A Câmara dos Deputados atentou contra o
meio ambiente ao aprovar emendas a uma medida provisória —baixada na última
hora pelo governo Jair Bolsonaro (PL)— que desfiguram a
Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2006, e adiam de novo a implantação do
Código Florestal, modificado há uma década.
A MP 1.150, de dezembro passado, fixava em
seis meses o prazo para proprietários rurais adequarem seu cadastro ambiental
rural (CAR), aderindo ao programa de regularização. Mas deputados ruralistas
emendaram o texto para postergar pela sexta vez o prazo, do fim de 2022 para
2023 ou 2024, dependendo da área do imóvel.
Trata-se de receita certa para agraciar
refratários a assumir compromisso com a recuperação de superfícies ilegalmente
desmatadas.
Os parlamentares não se limitaram a
alimentar a noção folclórica de que certas leis são feitas para não valer.
Contrabandearam para o texto um jabuti sem relação com o Código Florestal, ao
modificar a única legislação especial para proteger a mata atlântica, o bioma
mais devastado do país.
À parte a possível inconstitucionalidade, a
emenda ainda desvirtua a Lei da Mata Atlântica. Altera seu artigo 14, que
estabelecia condições excepcionais nas quais poderia ser suprimida vegetação
primária, ou com regeneração avançada, em caso de utilidade pública.
Quando se tratar de empreendimentos como
linhas de transmissão elétrica, rede de abastecimento de água ou até mesmo,
como se cogita, projetos imobiliários, diz o texto da Câmara que a supressão
pode ocorrer sem licença de órgãos ambientais estaduais. Bastaria autorização
de prefeituras, notoriamente mais vulneráveis a pressões e interesses eleitoreiros.
Organizações ambientalistas, SOS Mata
Atlântica à frente, se levantaram com razão para criticar a medida. Seria a pá
de cal tanto no Código Florestal quanto na lei do bioma, em afronta ao compromisso
internacional firmado pelo Brasil com a mitigação do aquecimento global e
ao do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o desmatamento zero.
Apesar disso, a bancada petista participou do acordo que levou à aprovação da MP, ainda que apostando em futuros vetos presidenciais. Manobra mais que arriscada, numa administração que começa aos tropeços, apoiada em frágil base parlamentar. Mais prudente seria o Senado, para onde segue a matéria, abortá-la de pronto.
Lula e a leitura mendaz da história
O Estado de S. Paulo.
Uma coisa é reconhecer os abusos da Lava Jato; outra, muito diferente, é querer fazer o País acreditar que toda a operação não passou de uma ‘farsa’, como Lula anda dizendo por aí
Quando decidiu dar ao sr. Lula da Silva a
oportunidade de exercer um terceiro mandato presidencial, malgrado o fato de
que sua ficha moral é muito suja, a maioria dos eleitores não lhe delegou
superpoderes para fazer a Terra girar ao contrário, apagar fatos e reescrever a
história. No entanto, talvez inebriados por um sucesso que está longe de ter
sido absoluto, Lula e outros próceres do PT se apropriaram do triunfo eleitoral
de 2022 como uma espécie de autorização para reinterpretar, chamemos assim, os
muitos malfeitos investigados pela Operação Lava Jato, como se eles
simplesmente não tivessem existido.
É indiscutível o fato de que a Operação
Lava Jato, como hoje se sabe, esteve eivada de erros e desvios das leis e da
Constituição cometidos por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público
Federal. Como revelou uma reportagem do Estadão no domingo passado, até mesmo
procuradores federais que participaram ou apoiaram a operação, hoje, fazem uma
autocrítica pelos excessos cometidos pela força-tarefa. O Supremo Tribunal
Federal, por sua vez, debruçou-se sobre casos concretos e anulou, uma a uma,
todas as condenações prolatadas contra Lula, tanto que foi revertida a
inelegibilidade do petista.
Uma coisa, porém, é reconhecer a
incompetência e a parcialidade do exjuiz e atual senador Sérgio Moro (União
Brasil-PR), além do possível conluio entre um grupo de procuradores federais e
o então titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Outra coisa, muito
distante, é querer fazer o País acreditar que toda a Operação Lava Jato não
passou de uma “farsa”, uma “armação” urdida entre autoridades do Brasil e dos
Estados Unidos para usurpar as riquezas nacionais, como Lula anda dizendo por
aí.
Se “farsa” foi, haja farsantes. O que dizer
de tantas confissões? O que dizer da recuperação de ativos bilionários
depositados em contas no exterior? O que dizer do resultado de investigações
conduzidas por promotores estrangeiros em nada contaminados pela política
nacional?
O presidente não precisava ser tão
desrespeitoso com a inteligência e a memória de tantos brasileiros que não se
ajoelham sob o altar do petismo. À falta de decência, bastaria a Lula um olhar
racional para o placar da eleição para que fosse acometido por um súbito surto
de humildade.
O petista venceu Jair Bolsonaro por uma
margem de apenas 1,8% dos votos válidos, o que indica que o antibolsonarismo é
só ligeiramente maior que o antipetismo no País. Lula não teria sido eleito se
dependesse só dos votos de seus apoiadores mais devotados, aqueles que tomam
sua palavra quase como um dogma religioso. Ele precisou convencer os milhões de
eleitores que sabem muito bem o que o PT fez nos 14 anos em que governou o País
– com especial ênfase nos escândalos do mensalão e do petrolão – de que era o
único capaz de impedir que Bolsonaro fosse reeleito e pudesse concluir a
destruição da democracia no Brasil.
Qualquer político, diante disso, teria a
decência de reconhecer que a maior parte do eleitorado fez sua escolha por
exclusão, e não por convicção. Mas não Lula, claro. O chefão petista considera
que os votos que recebeu o autorizam a retocar as fotos em que ele e seu
partido aparecem como protagonistas de escândalos e como instigadores da
divisão do País. Ao tentar desmoralizar inteiramente a Lava Jato, como se a
operação fosse inimiga do Brasil (em conluio com os ianques, claro) e tivesse
como objetivo destruir o PT e seu líder, Lula desrespeita as diversas
instituições de Estado que verificaram, julgaram e condenaram os numerosos
malfeitos do lulopetismo. Por extensão, Lula desrespeita a própria democracia que
ele jurou salvar das garras do bolsonarismo.
O PT, como organização privada que é, tem o
direito de defender as interpretações que faz da realidade como bem entender,
por mais equivocadas ou enviesadas que sejam. O problema é que o que o PT
“pensa”, na verdade, é o que Lula pensa. E Lula já não é mais um líder
partidário nem tampouco candidato; é o chefe de Estado e de governo. E como tal
deve se portar.
O dever de melhorar a Lei do Impeachment
O Estado de S. Paulo.
É preciso revisar a Lei 1.079/1950, que
dispõe sobre os crimes de responsabilidade e o rito do impeachment. Mas a atual
proposta do Senado, excessivamente ampla, demanda ajustes
Em 2021, realizando o trabalho fundamental
de revisão da legislação de proteção da democracia, o Congresso revogou a Lei
de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/1983), substituindo-a pela Lei de Defesa
do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021). Foi um passo importante.
Mesmo sem ter inconstitucionalidades explícitas, a LSN apresentava uma estrutura
voltada à proteção ideológica do Estado, o que, além de não amparar
adequadamente o regime democrático, dava margem a interpretações equivocadas e
abusivas.
Ficou faltando, no entanto, a revisão da
Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950), que, em sete décadas de vigência, teve sua
redação alterada apenas em relação aos crimes contra o Orçamento
público em 2000, na época da aprovação da
Lei de Responsabilidade Fiscal. Diante dessa carência, no início de 2022, o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, criou uma comissão de juristas para
estudar a legislação sobre o impeachment, com o objetivo de propor ao Congresso
uma possível atualização.
Agora, com base no anteprojeto elaborado
pela comissão, Rodrigo Pacheco apresentou o Projeto de Lei (PL) 1.388/2023, que
traz uma proposta de revisão da Lei 1.079/1950. Segundo o presidente do Senado,
a atual Lei do Impeachment, pensada para outro contexto social, político e
constitucional, é “lacunosa, incompleta e inadequada”, com disposições que se
mostraram “anacrônicas e desatualizadas”.
O PL 1.388/2023 tem duas grandes novidades.
Em primeiro lugar, ele aumenta o rol de autoridades sujeitas a processos de
impeachment, especificando os respectivos crimes de responsabilidade. A Lei
1.079/1950 refere-se apenas ao presidente da República, aos ministros de
Estado, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao procurador-geral
da República. Na proposta de Pacheco, também podem ser denunciados por crime de
responsabilidade os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os
membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP); o advogadogeral da União; os ministros de tribunais superiores;
os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos Tribunais de Conta dos
Estados; os juízes, desembargadores e os membros do Ministério Público da
União, dos Estados e do Distrito Federal.
Por exemplo, segundo o PL 1.388/2023,
constitui crime de responsabilidade do magistrado “exercer atividade
político-partidária ou manifestar opiniões dessa natureza”, bem como “revelar
fato ou documento sigiloso de que tenha ciência em razão do cargo”. No caso dos
comandantes militares, são crimes de responsabilidade, entre outros,
“expressar-se por qualquer meio de comunicação a respeito de assuntos
político-partidários” e “realizar ou permitir atividades de inteligência com
desvio de finalidade”. Para cada uma dessas autoridades, há um respectivo
tribunal competente para julgar as denúncias de crimes de responsabilidade.
A segunda grande novidade da proposta de
Rodrigo Pacheco é a fixação de prazo de 30 dias úteis de análise para cada pedido
apresentado no Congresso. Decorrido o prazo, “será considerado indeferimento
tácito, com o consequente arquivamento da denúncia”, ensejando recurso para a
Mesa Diretora interposto por, no mínimo, um terço da composição da respectiva
Casa legislativa. Com isso, diminui-se o poder do presidente da Câmara, que, na
sistemática atual, pode inviabilizar toda e qualquer denúncia simplesmente não
avaliando sua admissibilidade.
É necessário revisar a Lei do Impeachment,
mas ainda mais necessário é assegurar que a revisão seja bem feita. Mesmo
imperfeita, a Lei 1.079/1950 tem funcionado. Uma nova lei muito complexa, com
pretensão de regular todos os casos de abuso do poder estatal, pode ser
contraproducente, seja por impedir as devidas responsabilizações, seja por
permitir pressões políticas sobre autoridades cujo exercício do cargo deve
justamente estar protegido de pressões políticas. Revisar é preciso, mas com
muito cuidado. O dever do Congresso é melhorar a lei, não piorá-la.
Clientelismo escancarado
O Estado de S. Paulo.
‘Emendas
Pix’ degradam políticas públicas, distorcem a democracia e facilitam corrupção
Enquanto o Planalto tenta driblar a Suprema
Corte reciclando o “orçamento secreto” – a distribuição de recursos públicos a
parlamentares aliados sem critérios técnicos nem transparência –, o próprio
Congresso tenta driblar o Planalto inflando as chamadas “emendas Pix” – a
distribuição de recursos pelos parlamentares a seus feudos eleitorais sem
critérios técnicos nem transparência.
Com as emendas Pix – ou “cheque em branco”
– os prefeitos recebem repasses federais sem qualquer compromisso e dispõem
deles como bem entenderem. Desde que essas emendas foram criadas, em 2019, o
seu volume saltou de menos de R$ 600 milhões para R$ 6,7 bilhões em 2023,
podendo chegar a R$ 10 bilhões.
Os apologistas alegam que ampliar a
discricionariedade orçamentária do Legislativo fortalece sua colaboração com o
Executivo; que a prática é comum no mundo; e que ela serve diretamente às
populações dos Estados e municípios. Mas essas meias-verdades são incapazes de
disfarçar as mentiras inteiras e seus reais propósitos.
Em princípio, nada há de errado em aumentar
a participação do Congresso – que, afinal, é a “Casa do Povo” – na definição do
Orçamento, tanto que a Constituição previu as emendas. O problema é quando esse
ganho de poder não é acompanhado das devidas responsabilidades.
Já no governo Dilma Rousseff e, depois, no
de Jair Bolsonaro, as emendas cresceram exponencialmente para garantir a
sobrevivência dos incumbentes no cargo. Dos 7% de gastos discricionários da
União, quase 25% estão nas mãos dos congressistas. Isso não tem paralelo no
mundo. Na maioria dos países da OCDE, as alterações do Legislativo no Orçamento
não chegam a 0,01%. Nos EUA, que têm uma das maiores taxas de intervenção, não
chega a 2,4%.
Mais aberrante que a quantidade da
ingerência legislativa é sua qualidade. Ao contrário das emendas individuais ou
de bancada, as de relator (o orçamento secreto) e as Pix são distribuídas sem
transparência, critérios técnicos, equidade ou fiscalização.
Em flagrante atentado aos princípios da
impessoalidade, da publicidade e da eficiência, o resultado não poderia ser
outro. Os recursos são pulverizados sem planejamento, degradando a qualidade
das políticas públicas. Como são drenados dos orçamentos ministeriais,
aumenta-se a pressão fiscal para recompô-los. Como são canalizados aos currais
eleitorais dos congressistas, distorce-se a competição democrática. Como são
gerenciados sem transparência, amplia-se a margem para corrupção.
Os parlamentares alegam que as
transferências diretas são uma demanda popular entre os prefeitos. Se são, não
deveriam. A maioria dos municípios e suas populações perdem. Só quem ganha é a
minoria de prefeitos apadrinhados por congressistas movidos por cálculos
eleitorais. Na prática, essas emendas não só subvertem seu valor de face (“Mais
Brasil, menos Brasília”), mas empoderam o que há de mais venal no Poder Público
brasileiro: mais Brasília patrimonialista, clientelista e corporativista, menos
Brasil republicano.
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