Talvez
a principal razão para derrubar o avanço institucional conquistado pelo País
seja vencer a narrativa
Reformas diferentes sofrem críticas parecidas. À medida que o novo arcabouço fiscal vincula os desejados aumentos da despesa a aumentos da arrecadação, reformas na tributação podem sair do papel. Há um incentivo não só para as mudanças na tributação do consumo, mas também na da renda. Já é possível antecipar alguns argumentos dos beneficiados pelo injusto sistema atual.
“A reforma não terá efeito.” Essa é a
narrativa de futilidade, nos termos de Albert Hirschman em A Retórica da
Intransigência. Podemos vê-la em alegações de que os afetados por uma medida
vão adotar um comportamento que bloqueará seus efeitos. Por exemplo, levar
dinheiro para fora do País.
Assim, não haveria como aumentar a
arrecadação tributando altas rendas e patrimônio. Elidindo ou evadindo, os
ricos vão sair do Brasil ou encontrar formas de burlar o fisco aqui, e não se
conseguirá qualquer incremento na arrecadação.
Mas a diferença entre o remédio e o veneno
é a dose, e é possível – segundo mostra a própria experiência internacional –
colher, sim, ganhos de arrecadação. Fosse tão fácil fugir da tributação, os
mais ricos não se preocupariam com mudanças.
“A reforma prejudicará os mais pobres.”
Esta é a narrativa do prejuízo (ou ameaça), que postula que uma medida
redistributiva, na verdade, prejudica outro objetivo. Por exemplo, que mudanças
na tributação dos ricos prejudicarão os pobres. Está presente quando se diz que
o fim de uma renúncia fiscal a um empresário do setor X destruirá zilhares de
empregos. Ou que a tributação de lucros e dividendos não afetará apenas os mais
ricos, mas minará o próprio crescimento econômico, por desestimular o
investimento e a inovação, gerando desemprego.
A literatura especializada não referenda
esses medos. Rever gastos tributários e colocar os ricos no IR não é apenas
justo, como pode favorecer o PIB – principalmente, se os recursos servirem não
só para a sustentabilidade da dívida, como para boas políticas (ex:
investimento em capital humano).
“A reforma piora o arranjo atual.” É a
última das narrativas de Hirschman, a da perversidade. Já aparece quando se diz
que a reforma da tributação do consumo levará a uma das maiores alíquotas do
mundo, ou que sua transição vai provocar um arranjo mais complexo que o
existente. Iniciativas como o “Pra ser Justo” estão combatendo esse tipo de má
informação.
O novo arcabouço pode ser um empurrão contra injustiças do sistema tributário. Assim sendo, o roteiro que os favorecidos vão seguir já pode ser vislumbrado.
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