Valor Econômico
Dada a perda relativa de tração do mercado
de trabalho do Nordeste comparado ao brasileiro, alguma ação precisava ser
adotada para mitigar esse desalinhamento socioeconômico
É notório que o mercado de trabalho do
Nordeste apresenta há décadas características sistematicamente piores dos que
as encontradas no Brasil como um todo, nas condições de empregabilidade, desemprego,
participação, informalidade, rendimentos, escolaridade etc. Apesar de o quadro
já ser desfavorável, ao avaliar as crises econômicas mais recentes, meus
colegas Fernando Barbosa Filho e Fernando Veloso constatam - tomando por base a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do IBGE -- que a
recessão de 2015-16 agravou o desequilíbrio. A queda do PIB por dois anos
consecutivos gerou perdas permanentes em indicadores do mercado de trabalho
nordestino, diferentemente do que ocorreu no Brasil como um todo. Já a pandemia
foi praticamente “neutra”, não causando estrago relativo no mercado de trabalho
do Nordeste quando comparado ao resto do Brasil.
Vamos aos dados. O objetivo é focar, especificamente, na evolução da População Ocupada (PO). A comparação entre a trajetória da PO no Brasil como um todo e no Nordeste baliza a nossa análise do comportamento relativo do mercado de trabalho nordestino. O período escolhido cobre os dados da PnadC do quarto trimestre de 2014 até o último dado disponível, o quarto trimestre de 2022. Com isso, o período recessão/recuperação de 2015-16 e da pandemia pode ser examinado. Os números não deixam margem a dúvidas: o mercado de trabalho nordestino sofreu duramente nesse período. No Brasil como um todo, observamos um crescimento da PO de cerca de 7,5% (partindo de, aproximadamente, 93 milhões para 100 milhões de pessoas). Quanto à PO nordestina, por seu turno, um total em torno de 23 milhões de pessoas foi registrado tanto no início como no fim do período, com evolução quase estacionária. A vantagem do Brasil em relação ao Nordeste foi, portanto, de 7,5 pontos porcentuais (pp).
Diante dessa clara apatia no comportamento
do mercado de trabalho do Nordeste, o próximo enfoque é identificar o papel de
cada uma das crises na construção de cenário tão desolador para os nordestinos.
No que tange, especificamente, ao período
da recessão 2015-16 - quarto trimestre de 2014 a primeiro trimestre de 2017 -,
a PO brasileira recuou 4,4% e a nordestina retroagiu expressivos 9,6%. Do
início da recessão de 2015-16 à a chegada da pandemia (entre os quartos
trimestres de 2014 e 2019), os dados acusam uma assimetria gritante. Enquanto
no Brasil como um todo a PO cresceu 2,8%, no Nordeste caiu 4,2%. Desse modo, o
inquietante diferencial de crescimento foi de aproximadamente 7 pp.
Como se vê, dos cerca de 7,5 pp do
desbalanceamento entre o crescimento da PO do Nordeste e do Brasil como um
todo, registrados do início da crise de 2015-16 até hoje, quase tudo, ou
aproximadamente 7 pp, guarda relação com a crise econômica de 2015-16. O
restante 0,5 pp é atribuído à fase pandêmica.
Uma vez radiografado o trauma sofrido pelo
mercado de trabalho do Nordeste em período coincidente à crise econômica
2015-16, e a forma mais alinhada com o restante do país na reação à pandemia,
resta tentar explicar as razões para esse comportamento.
Não há ainda conclusões bem embasadas para
esclarecer o descompasso do mercado de trabalho do Nordeste em anos recentes.
Contudo, alguns de meus colegas trazem reflexões interessantes sobre possíveis
explicações.
Fernando Holanda Barbosa Filho vê a
possibilidade de que a forte contração do papel do Estado na crise de 2015-16
tenha sido particularmente prejudicial ao Nordeste. Houve na região uma onda de
investimentos que subitamente foi abortada, deixando uma cicatriz permanente no
mercado de trabalho nordestino.
Já Carlos Manso nota que o Nordeste sofreu
uma seca de sete a oito anos, terminada em 2017, que foi a pior dos últimos cem
anos, levando a efeitos muito duradouros sobre a dinâmica econômica e o mercado
de trabalho.
Flávio Ataliba observa finalmente que,
diferentemente da época da recessão de 2015-16, a economia nordestina na
pandemia contou com o enorme volume de recursos do Auxílio Emergencial (além do
Pronampe para micro e pequenas empresas), que beneficiou em especial uma região
particularmente pobre como o Nordeste.
Todas essas interpretações, como já
mencionado, são apenas possibilidades (complementares e não excludentes) ainda
não pesquisadas para explicar a diferença da resposta do mercado de trabalho
nordestino à crise de 2015-16 e à pandemia.
De qualquer forma, dada a perda relativa de
tração do mercado de trabalho do Nordeste comparado ao brasileiro, alguma ação
precisava ser adotada para mitigar esse desalinhamento socioeconômico.
Frente a isso, parece que a política pública
que promoverá mudanças significativas na realidade socioeconômica nordestina é
o novo Bolsa Família (BF), que surge com contornos de um programa social
robustecido. Grosso modo, o novo programa concede aumento expressivo nos
benefícios mensais de valores que giravam em torno de R$ 200 para quantias
superiores a R$ 600. A região Nordeste é, sem dúvida, a mais favorecida, uma
vez que praticamente metade das cerca de 21 milhões de famílias beneficiadas
com o BF reside no Nordeste, segundo dados do governo federal de março de 2023.
Por conseguinte, é uma ação de combate à pobreza que pode trazer bons frutos
aos nordestinos.
No entanto, no que tange, especificamente,
ao mercado de trabalho, um programa BF tão mais ambicioso não parece promissor.
Segundo dados do governo federal, o benefício médio pago pelo BF turbinado é de
R$ 670, cerca de metade do salário mínimo (R$ 1.320). Como se sabe, uma renda
auferida de qualquer outra atividade pode inviabilizar a elegibilidade do
cidadão ao benefício do BF. Desse modo, é possível que a motivação do público
contemplado com o benefício majorado em disputar espaço no mercado de trabalho
fique comprometida. Seja como for, um olhar atento ao desempenho do mercado de
trabalho nordestino pode proporcionar relevante aprendizado sobre os
desdobramentos de um programa de transferência de renda arrojado como é a nova
configuração do BF.
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