Folha de S. Paulo
Nova regra fiscal é avanço possível, mas
não mexe no elefante na sala
Temos finalmente uma
regra fiscal, que é menos restritiva do que era o teto (pois permite
aumento real —limitado— do gasto) e que nos dá um horizonte de ajuste. Isso é
um ganho, e o mercado reconheceu esse fato.
Ela, contudo, está longe de ser perfeita,
assim como o teto também tinha defeitos. Entendo as principais críticas: ela
tem metas improváveis de superávit; e esses resultados virão quase que
unicamente do aumento de receita, não do corte de gastos.
Há uma discussão puramente semântica sobre
se eliminar isenções e exceções tributárias constitui um "aumento da carga
tributária". Assim como outras discussões do tipo (como
a célebre "educação é gasto ou investimento?") que versam
sobre definições, ela não altera a realidade.
Sim, no plano do governo, empresas e talvez indivíduos pagarão mais imposto do que pagam hoje, seja graças ao fim de alguma isenção ou fechamento de brecha jurídica. É o caso de sites de apostas. Esse tipo de correção é virtuosa, ao trazer mais isonomia. Outro caminho é a reinterpretação de regras da Receita Federal para favorecer o Estado; esse já é mais danoso. Ambos, contudo, aumentarão a carga tributária e, portanto, terão impacto no crescimento. Fica faltando o outro lado: a redução de gastos. Por que é tão difícil seguir por esse caminho?
Na semana passada ficamos sabendo que há
milhares de "filhas solteiras de servidores públicos falecidos" —e
muitas de solteira não têm nada— que ganham mesada do Estado brasileiro num
custo total de R$ 3 bilhões ao ano. Novamente, é pouco perto do ajuste
necessário, mas que mesmo esse pouco seja considerado uma impossibilidade
jurídica devido ao "direito adquirido" —ou privilégio adquirido— já
nos mostra que mexer no "muito" seria ainda mais difícil.
Outro exemplo: o Judiciário brasileiro é
notoriamente caro para padrões mundiais. Gastamos (ou será que
"investimos"?) 1,8% do PIB com o Judiciário e Defensoria Pública.
Países desenvolvidos em geral não passam de 0,4%. Será que, em contrapartida,
contamos com uma Justiça muito mais célere e confiável que a deles? Deixo essa
resposta com o leitor.
O Brasil fez a opção por um Estado social,
que garante acesso a educação e
saúde para todos, bem como transferências de renda. Isso garante que jamais
teremos um "Estado pequeno" para padrões mundiais. Isso não é um
problema. Mas junto desse Estado social, e usando dele como escudo, há um mar
de privilégios e transferências de renda espúrias que, se não for atacado,
colocará a perder qualquer esforço pelo equilíbrio fiscal. Aliás, todo o
emaranhado de políticas sociais e de emprego clama por estudos de impacto para
saber o que devemos aumentar e o que devemos reduzir.
O custo econômico de aumentar a carga vai
se tornando proibitivo. Há, contudo, uma luz: a regra proposta pelo governo
garante algum tempo. Tempo precioso para aí sim trazer a agenda positiva: a
reforma tributária. O peso da arrecadação extra pode ser compensado pelos
ganhos de eficiência trazidos pela simplificação dos impostos, essa sim uma
reforma econômica liberal que foi sabotada pelo governo anterior. Se ela sair,
será um golaço para o governo. Mas sem ilusões: o fiscal voltará logo mais.
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