Valor Econômico
O professor é um sábio respeitado na
sociedade chinesa
O professor Luiz Gustavo Nússio, ex-diretor
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo
(Esalq-USP) e titular do departamento de Zootecnia há quase três décadas,
surpreendeu-se certo dia quando, ao entrar em um táxi em Pequim, o motorista,
ao observá-lo atentamente, perguntou-lhe: “O senhor é professor?” Nússio estava
de terno e gravata.
Naquele dia, ele sentiu na pele o que já havia apreendido após a mudança para o país asiático, onde vive há nove meses: o profundo respeito que os chineses nutrem pelos profissionais da educação, em especial, professores universitários. No Brasil, ao entrar em um táxi ou carro de aplicativo trajando terno e gravata, o motorista provavelmente perguntaria se ele era advogado, executivo de empresas ou político.
“A
China revelou-se para mim e para minha família uma sociedade muito educada, são
acolhedores, gentis”, disse Nússio em conversa com a coluna. “Estamos
aprendendo sinais importantes da cultura chinesa: um deles é o respeito ao
professor universitário”.
Segundo o professor, que é engenheiro
agrônomo de formação, esse respeito às vezes soa excessivo, mas está
relacionado com princípios que a China segue, como o de que “uma pessoa sábia
tem valor na sociedade”.
O professor é uma figura tão respeitada na
China, que Mao Tsé-Tung, líder da revolução chinesa e fundador da República
Popular da China, declarou ao jornalista americano Edgar Snow, em 1965, que
passara a deplorar o culto à personalidade. Disse que todos os títulos
concedidos à sua pessoa deveriam ser erradicados, mas gostaria de conservar
apenas um: o título de “professor”.
É fato que durante a Revolução Cultural na
China, nos anos de 1960, sob a liderança de Mao, o governo fechou
universidades, exilou professores e queimou livros. Mas essa página foi virada,
e a realidade atual deveria inspirar o Brasil, que vivencia o outro extremo na
educação.
Na semana passada, brasileiros assistiram
perplexos às cenas em que um adolescente de 13 anos matou a facadas uma
professora da escola estadual Thomazia Montoro, em São Paulo.
Não foi um caso isolado. Um levantamento de
pesquisadores da Unicamp e da Unesp mostrou que a média de ataques a escolas
que era a cada dois anos, passou a ser mensal.
Num ambiente de violência que se agravou
com a pandemia, a maioria das escolas públicas agoniza com estrutura
deficiente, salários humilhantes e ausência de assistência psicológica. Nesses
locais, alunos de famílias vulneráveis tendem a reproduzir o clima de
agressividade que vivenciam em casa.
Espera-se que nesse momento de estreitamento
dos laços do Brasil com a China, mais do que acordos comerciais, um saudável
intercâmbio também viabilize mais troca de experiências na área de educação.
Não apenas em conteúdo, mas no aspecto cultural, na valorização dos
professores.
Luiz Gustavo Nússio coordena uma “joint
college” entre a Esalq-USP e a China Agricultural University - duas das cinco
melhores escolas de agronomia do mundo. Trata-se de uma pós-graduação em nível
de mestrado, de dupla titulação, onde os alunos brasileiros e chineses recebem
aulas em inglês de professores das duas nacionalidades. São duas linhas de
pesquisa: agronomia e melhoramento de plantas, e administração pública ligada à
agricultura.
O êxito da parceria entre a USP e a escola
de agricultura chinesa levou o governo chinês, principal financiador do
programa, a expandi-lo, de modo que as duas linhas de pesquisa devem se
transformar em quatro a partir de 2024.
Num cenário de intensificação dos negócios
na área de agricultura e pecuária entre Brasil e China, Nússio aponta a
oportunidade e a estratégia do programa entre a instituição brasileira e a
chinesa: “esse programa busca treinar pessoas para um ambiente qualificado no
futuro, fazendo com que as negociações entre Brasil e China, especialmente na
área de agricultura, possam ser melhoradas com a chegada de um pessoal que tem
treinamento qualificado para esse ambiente”.
Em paralelo, outro projeto em funcionamento
em Pequim reúne a Coppe - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e
Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a
Universidade de Tsinghua, que mantêm o China-Brazil Center na capital chinesa.
Na semana passada, o acordo de cooperação
entre as duas instituições, em vigor desde 2010, foi renovado pela quarta vez.
Trata-se deu um acordo de cooperação científica e tecnológica, que envolve
áreas como transferência de tecnologia, mudança climática, cidades
inteligentes, mobilidade, entre outros. O enfoque para os próximos quatro anos
é preservação de florestas, clima, bioenergia e bioeconomia.
Dois projetos se destacam: a criação de uma
escola internacional para capacitação de profissionais na área de mudanças
climáticas. E o desenvolvimento da cadeia do bambu, lembrando que o Brasil
possui uma das maiores florestas dessa planta do mundo.
Nússio explica que o convênio entre USP e a
escola de agricultura chinesa também implica a troca cultural. “A China e o
Brasil se importam que o aluno seja qualificado tecnicamente em alto nível, mas
querem que ele também consiga entender a outra cultura, e isso seja um
facilitador, uma espécie de linguagem universal”, observou. Segundo Nússio,
compreendendo a cultura, a gente tem facilidade de entender uma série de
valores do outro lado”.
Em suma, Brasil e China têm uma pauta de
acordos comerciais que talvez seja a mais profícua do mundo. Mas do ponto de
vista de integração cultural, científica e acadêmica, ainda fazem pouco juntos.
“A distância geográfica é um problema, mas quando brasileiros e chineses se
conhecem, paulatinamente, vão entendendo que são países amigos e têm muito em
comum”, concluiu o professor.
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