terça-feira, 4 de abril de 2023

Carlos Andreazza - New Kids on the Block

O Globo

Como um pop star que vai à janela do quarto de hotel cumprimentar tietes, ele reapareceu. Oh! Terá sido Elvis, que voltava. (Não morreu.) Talvez John. (Imagine.) Como um Beatle de súbito reaparecido, ele acenava aos fãs — cada passo detalhado. Só quis falar de amenidades. Como o Beatle que renascesse: ele voltou. Viagem cansativa. Quer descansar. Oh!

Era Jair Bolsonaro, porém. O Beatle. O Beatle fatigado. Um Coldplay que nunca foi embora — mas que de repente voltou. A barata. Vai pousar. Vai pousar. Vai pousar. Pousou! E então projetei aquela transmissão, com helicópteros, que acompanha o ônibus da delegação até o estádio. Abre-se a porta, e descem, com seus fones de astronauta, aquelas bolsas Louis Vuitton a tiracolo, os artistas do espetáculo. O mito. Oh!

Centenas o esperavam no aeroporto — Romário repatriado pelo Flamengo. Era Bolsonaro, contudo. Não um craque, no auge da carreira, que vinha do Barcelona. Não, vá lá, um ex-presidente que regressasse do exílio. Mas um vindo de férias na Disney. E cujos patetas nunca deixaram de tumultuar. Ele voltou, sem nunca ter ido; e só quis falar de banalidades — preocuparam-se os plutos e outros nikolas. Estava cansado. Desanimado? Queria descansar. Veio de classe econômica? O humilde. (Que levou consigo, para casa, o Rolex cravejado de diamantes.) Oh!

Era Bolsonaro, vindo de gordo período de férias, três meses, sustentado sabe-se lá de que maneira, depois de haver permanentemente — presidente da República — atentado contra o equilíbrio republicano, provocador-mobilizador do delírio conspirativo que resultaria no 8 de Janeiro. Voltou; quase simultaneamente ao momento em que o país alcançava a marca de 700 mil cidadãos mortos pela peste. E voltou querendo descansar. Viagem cansa mesmo — mas só aqueles que estão vivos.

Ele voltou, vivo, com a vida ganha — renda a ser acrescida por mesada de Valdemar Costa Neto, repassador de dinheiros públicos tirados do fundo partidário. Voltou. O combatente da mamata, agora dirigente partidário. Exausto. Falando amenidades. Pela primeira vez em décadas sem gabinete. Está desanimado. Oh!

Bolsonaro voltou, o candidato à reeleição derrotado mesmo havendo distribuído bilhões de dinheiros — PEC Kamikaze — para financiar artificialmente sua competitividade. Voltou, o fugido; voltou de viagem lançada antes do término do mandato — voltou, assim como aos poucos voltam, para o Estado, as joias que ganhou dos ditadores sauditas. Voltarão? Voltou abatido. Mas não deixou de ir à janela saudar os fãs. O humilde. (Que até a última hora tentou reaver o colar de brilhantes para o pescoço da Minnie.)

Ele voltou. E não eram só as tietes os saudosos. Bolsonaro vicia. É também um modelo de negócios, chinelar a barata, pouco importando que seu regresso — o de um ex-presidente — tenha relevância menor. O Beatle engaja. Prende. Dá audiência, o Elvis. Fez mesmo algumas existências, o Coldplay. Gerou abstinência. E de repente volta. Que selvageria falará? Oh!

A fila andou, entretanto. Aquele cujas besteiras, cujas barbaridades devem ser perseguidas, reproduzidas e analisadas doravante sendo Lula. New Kids on the Block. Bolsonaro já não é mais incontornável. Não impõe atenção automática. A palavra de Mercadante pesa mais. A de Prates. Já não será (quase) inevitável que paute o debate público. Liderará a oposição? Notícia. Liderará? Hum. Terá agenda, Brasil adentro, para articular as candidaturas a prefeito? Notícia. Terá? Hum.

Ex-presidente. Sem mandato. Um preguiçoso. Os passos de Bolsonaro que ora interessam são aqueles que o tornaram caso de polícia — e os que o levarão à Justiça. É preciso deixar o Coldplay ir embora. Descansar.

É preciso desapegar. Há um novo pop star, ainda que antigo. Olhe-se para seu show. A proposta de arcabouço fiscal não é crível. Escrevi a respeito no blog. Percebo como advento saudável, no entanto, que essa, aborrecida, seja a questão mais importante da semana — algo de normalidade nos ronda finalmente. Valorizo a monotonia. Valorizemos.

Sabe-se que Bolsonaro — que a volta de Bolsonaro — serve de muleta para o exercício de alguma atividade crítica por aqueles que não conseguem criticar Lula. Mas, não sendo a dificuldade em falar do novo governo uma de natureza passional, nós nos reabituaremos a escrutinar Lula, em vez de lhe botar reparo em tom de aconselhamento.

Não faltarão temas. Por exemplo: se fosse Bolsonaro a cogitar a indicação do próprio advogado para o Supremo. Hein? E não precisa nem ser Wassef. Escolha-se qualquer outro defensor. E não precisa nem ser um que o tenha defendido com a intensidade e a longevidade de Zanin a Lula. Como seria?

 

 

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