O Globo
Como um pop star que vai à janela do quarto
de hotel cumprimentar tietes, ele reapareceu. Oh! Terá sido Elvis, que voltava.
(Não morreu.) Talvez John. (Imagine.) Como um Beatle de súbito reaparecido, ele
acenava aos fãs — cada passo detalhado. Só quis falar de amenidades. Como o
Beatle que renascesse: ele voltou. Viagem cansativa. Quer descansar. Oh!
Era Jair Bolsonaro, porém. O Beatle. O
Beatle fatigado. Um Coldplay que nunca foi embora — mas que de repente voltou.
A barata. Vai pousar. Vai pousar. Vai pousar. Pousou! E então projetei aquela
transmissão, com helicópteros, que acompanha o ônibus da delegação até o
estádio. Abre-se a porta, e descem, com seus fones de astronauta, aquelas
bolsas Louis Vuitton a tiracolo, os artistas do espetáculo. O mito. Oh!
Centenas o esperavam no aeroporto — Romário repatriado pelo Flamengo. Era Bolsonaro, contudo. Não um craque, no auge da carreira, que vinha do Barcelona. Não, vá lá, um ex-presidente que regressasse do exílio. Mas um vindo de férias na Disney. E cujos patetas nunca deixaram de tumultuar. Ele voltou, sem nunca ter ido; e só quis falar de banalidades — preocuparam-se os plutos e outros nikolas. Estava cansado. Desanimado? Queria descansar. Veio de classe econômica? O humilde. (Que levou consigo, para casa, o Rolex cravejado de diamantes.) Oh!
Era Bolsonaro, vindo de gordo período de
férias, três meses, sustentado sabe-se lá de que maneira, depois de haver
permanentemente — presidente da República — atentado contra o equilíbrio
republicano, provocador-mobilizador do delírio conspirativo que resultaria no 8
de Janeiro. Voltou; quase simultaneamente ao momento em que o país alcançava a
marca de 700 mil cidadãos mortos pela peste. E voltou querendo descansar.
Viagem cansa mesmo — mas só aqueles que estão vivos.
Ele voltou, vivo, com a vida ganha — renda
a ser acrescida por mesada de Valdemar Costa Neto, repassador de dinheiros
públicos tirados do fundo partidário. Voltou. O combatente da mamata, agora
dirigente partidário. Exausto. Falando amenidades. Pela primeira vez em décadas
sem gabinete. Está desanimado. Oh!
Bolsonaro voltou, o candidato à reeleição
derrotado mesmo havendo distribuído bilhões de dinheiros — PEC Kamikaze — para
financiar artificialmente sua competitividade. Voltou, o fugido; voltou de
viagem lançada antes do término do mandato — voltou, assim como aos poucos
voltam, para o Estado, as joias que ganhou dos ditadores sauditas. Voltarão?
Voltou abatido. Mas não deixou de ir à janela saudar os fãs. O humilde. (Que
até a última hora tentou reaver o colar de brilhantes para o pescoço da
Minnie.)
Ele voltou. E não eram só as tietes os
saudosos. Bolsonaro vicia. É também um modelo de negócios, chinelar a barata, pouco
importando que seu regresso — o de um ex-presidente — tenha relevância menor. O
Beatle engaja. Prende. Dá audiência, o Elvis. Fez mesmo algumas existências, o
Coldplay. Gerou abstinência. E de repente volta. Que selvageria falará? Oh!
A fila andou, entretanto. Aquele cujas
besteiras, cujas barbaridades devem ser perseguidas, reproduzidas e analisadas
doravante sendo Lula. New Kids on the Block. Bolsonaro já não é mais
incontornável. Não impõe atenção automática. A palavra de Mercadante pesa mais.
A de Prates. Já não será (quase) inevitável que paute o debate público.
Liderará a oposição? Notícia. Liderará? Hum. Terá agenda, Brasil adentro, para
articular as candidaturas a prefeito? Notícia. Terá? Hum.
Ex-presidente. Sem mandato. Um preguiçoso.
Os passos de Bolsonaro que ora interessam são aqueles que o tornaram caso de
polícia — e os que o levarão à Justiça. É preciso deixar o Coldplay ir embora.
Descansar.
É preciso desapegar. Há um novo pop star,
ainda que antigo. Olhe-se para seu show. A proposta de arcabouço fiscal não é
crível. Escrevi a respeito no blog.
Percebo como advento saudável, no entanto, que essa, aborrecida, seja a questão
mais importante da semana — algo de normalidade nos ronda finalmente. Valorizo
a monotonia. Valorizemos.
Sabe-se que Bolsonaro — que a volta de
Bolsonaro — serve de muleta para o exercício de alguma atividade crítica por
aqueles que não conseguem criticar Lula. Mas, não sendo a dificuldade em falar
do novo governo uma de natureza passional, nós nos reabituaremos a escrutinar
Lula, em vez de lhe botar reparo em tom de aconselhamento.
Não faltarão temas. Por exemplo: se fosse
Bolsonaro a cogitar a indicação do próprio advogado para o Supremo. Hein? E não
precisa nem ser Wassef. Escolha-se qualquer outro defensor. E não precisa nem
ser um que o tenha defendido com a intensidade e a longevidade de Zanin a Lula.
Como seria?
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