É insuficiente o avanço brasileiro na questão feminina
O Globo
Em discriminação contra mulheres houve
evolução, mas OCDE coloca o Brasil atrás de países semelhantes
Tem sido inegável o avanço na luta contra a
discriminação das mulheres. Tribunais se mostram mais ativos na aplicação de
leis igualitárias, mais empresas adotam medidas para evitar prejuízos à
carreira da mulher, denúncias da imprensa expõem a extensão de agressões e
feminicídios. A representatividade política feminina, contudo, fica muito aquém
do desejável. Mulheres são apenas 18% dos representantes no Congresso, percentual
abaixo da média das Américas (35%) e do mundo (27%), revela estudo da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A constatação torna mais retrógrada a PEC da Anistia, que prevê perdão aos partidos políticos por irregularidades como descumprimento da cota de 30% de candidaturas femininas, sistematicamente desrespeitada ou fraudada. A ideia, em debate no Congresso, de substituir tais cotas pela reserva de 15% das cadeiras a mulheres também é ruim. Primeiro, porque esse patamar é inferior ao já registrado hoje, à média do continente e à média global. Segundo, porque, apesar de o Brasil ser o 133º país em participação feminina entre os 187 avaliados pela União Interparlamentar, ela vem melhorando desde a implantação das cotas. Por fim, de nada adianta o Parlamento criar qualquer regra se, quando ela é descumprida, o mesmo Parlamento se apressa em providenciar uma anistia.
O levantamento da OCDE aponta outras
deficiências urgentes no Brasil, além da necessidade de ampliar a participação
política. O país é avaliado como pior que Argentina, Costa Rica, Equador, El
Salvador, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela no Índice de Instituições Sociais e
Gênero. Esse índice cobre quatro dimensões que afetam as mulheres ao longo da
vida: liberdades civis, família, integridade física e acesso a recursos
financeiros e produtivos.
O Brasil só é destaque positivo na última
dimensão. Com 16 pontos (numa escala em que, quanto menor a pontuação, maior o
acesso), está próximo dos integrantes da OCDE (média de 13) e distante da
América Latina (23). A proporção de cidadãos com conta bancária é a mesma para
homens e mulheres. Apenas uma minoria da população acredita que homens são
executivos melhores que mulheres. Quatro em dez posições de gerência são
ocupadas por mulheres, acima de países como Noruega ou Portugal. É certo que a
distribuição dos cargos e a remuneração ainda são injustas, mas menos desiguais
que noutras partes do mundo.
Na dimensão de integridade física, o Brasil
está até melhor que a média da América Latina. Mas a constatação não é
tranquilizadora. A violência contra as mulheres é uma triste realidade. Quando
o índice da OCDE for atualizado, é provável que a avaliação seja mais baixa.
Dados do último Anuário da Segurança Pública revelaram um recorde de
feminicídios em 2022, com 1.437 vítimas, aumento de 6% em relação ao ano
anterior. No ano passado, o país registrou crescimento em todos os indicadores
de violência contra a mulher.
No quesito família, também há terreno para
avançar. O poder de decisão e o status feminino ainda são vistos como
inferiores. Depois de nove décadas desde que as mulheres conquistaram o direito
a voto, a equidade entre os gêneros é um objetivo distante. Por isso exige ação
em todas as esferas. Dos líderes empresariais às autoridades mais altas da República,
todos precisam atuar para elevar a participação feminina nas decisões e no
destino do país.
Prêmio a policiais por apreensão de fuzis
tem eficácia contra violência
O Globo
Governo fluminense acerta ao implementar
política pública com base em evidência, não em ideologia
É bem-vinda a decisão do governo fluminense
de oferecer bonificação
de R$ 5 mil a policiais civis e militares por fuzil apreendido durante operações.
A decisão consta de decreto do governador do Rio, Cláudio
Castro (PL), publicado no mês passado, e começará a valer a
partir do próximo semestre. O objetivo, segundo as autoridades, é reduzir a
circulação desse tipo de armamento — largamente usado pelas quadrilhas locais —
e baixar os índices de violência.
Impressiona a facilidade com que essas
armas de guerra circulam em mãos de traficantes, milicianos ou assaltantes,
expondo a população a riscos, especialmente nas áreas conflagradas. Somente no
primeiro semestre, as forças de segurança fluminenses apreenderam 366 fuzis, em
média dois por dia. O número supera o total apreendido no ano passado e é o
maior desde 2007, início da série histórica.
A intenção do governo é que, com menos
fuzis em poder dos bandidos, seja possível reduzir também a quantidade usada
pelos policiais, tornando menos letais suas ações. O alto número de mortes de
civis pela polícia no Rio é alvo de ação no Supremo e de questionamento das
entidades de defesa dos direitos humanos.
Noutros estados, políticas públicas que
oferecem estímulo à apreensão de armas têm trazido bons resultados. Um estudo do
Instituto Sou da Paz divulgado pelo GLOBO em maio mostrou que,
em pelo menos 11 unidades da Federação, a implantação de metas e estratégias
desse tipo está associada à queda nos índices de criminalidade. No Espírito
Santo, onde há bonificação para apreensão de armas, a taxa de homicídios baixou
de 41,7 para 30,1 por 100 mil habitantes, entre 2011 e 2020. Na Paraíba, o
governo paga de R$ 600 a R$ 1.400 por arma apreendida para tentar manter a meta
de redução anual de 10% nos assassinatos.
O incentivo à apreensão de fuzis no Rio
ganha especial importância num momento em que os índices de criminalidade
voltam a subir. Dados do Monitor da Violência, parceria do portal g1 com o
Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, mostram que o Rio registrou no primeiro semestre aumento de
17,3% no número de assassinatos, o segundo maior índice do país, atrás apenas
do Amapá.
Para conter esses números, é fundamental
desarmar as quadrilhas. A iniciativa do governo fluminense também acerta por
estar baseada em evidências objetivas, como estudos acadêmicos e as histórias
de sucesso noutros estados. É assim — com base no conhecimento acumulado — que
se devem implementar as políticas públicas para conter a violência, e não com
base nas fantasias ideológicas da direita ou da esquerda.
Contas duvidosas
Folha de S. Paulo
Meta de déficit zero em 2024 não inspira
confiança, mas pior seria abandoná-la
O projeto de Orçamento para 2024,
recém-apresentado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), indicou um
roteiro esperado —a continuidade da expansão acelerada da despesa federal e a
necessidade de um colossal e
improvável aumento da carga tributária para viabilizar a meta de
eliminar o déficit nas contas do Tesouro Nacional.
Trata-se de desdobramento de imprudências
da gestão Jair Bolsonaro (PL), que desfigurou o teto de gastos, e da atual, que
antes mesmo da posse associou-se ao Congresso para aprovar uma ampliação de
dispêndios de R$ 150 bilhões anuais, muito além do necessário para os
compromissos sociais.
Elaborado sob a nova regra fiscal, o
Orçamento prevê desembolsos de R$ 2,188 trilhões, equivalentes a 19,2% do
Produto Interno Bruto, mesmo patamar deste ano. Na prática, há um crescimento
acima da inflação de 1,7%.
A estabilidade em proporção do PIB parece
até otimista, considerando medidas como o aumento real do salário mínimo e seu
impacto na Previdência Social.
A volta da vinculação das despesas em saúde
e educação a percentuais mínimos da receita demandará R$ 58,5 bilhões. Emendas
parlamentares de execução obrigatória absorverão R$ 37 bilhões.
Para equilibrar as contas será necessário
uma alta de receitas de 17,8% do PIB, em 2023, para 19,2%. A diferença,
de 1,4% do produto, corresponde a algo como R$ 160 bilhões —que
dependerão de medidas ainda em tramitação no Congresso, se é que estão corretas
as estimativas de ganhos com elas.
Não surpreende, assim, que haja grande
ceticismo em relação à peça orçamentária, para o qual contribuem pressões
abertas e veladas por um afrouxamento prematuro da meta de déficit zero (com
intervalo de tolerância de 0,25% do PIB).
A ala política do Planalto e o PT temem que
o compromisso force contingenciamentos de gastos no provável cenário de
arrecadação abaixo do previsto, afetando programas vistosos como o PAC.
O descumprimento da meta, além disso,
obrigaria uma redução no ritmo de crescimento das despesas em 2026, um ano
eleitoral.
Por mais que o objetivo pareça pouco
plausível, contudo, pior será abandoná-lo. Estaria criado um estímulo poderoso
para a busca por mais gastos, no Executivo e no Congresso, e sepultadas as
chances de reformas e ajustes.
Por ora prevaleceu a posição da equipe
econômica —mas o futuro a Deus pertence, conforme o comentário
revelador da ministra do Planejamento, Simone Tebet.
O futuro não é nada promissor para a
estratégia do governo petista de concentrar todo o esforço de equilíbrio
orçamentário no aumento da arrecadação.
A seu favor, o Planalto tem a expansão
surpreendente do PIB, que deve se aproximar aos 3% neste ano. O avanço tende a
contribuir para as receitas e proporcionará indicadores mais favoráveis para a
dívida pública, normalmente avaliada como proporção do produto.
Foram obtidas vitórias no Judiciário e no
Congresso capazes de elevar a coleta de impostos, mas uma tentativa de alta
brusca de uma carga já exagerada pode ter consequências negativas para a
atividade.
Cumpre recordar que já tramita no Congresso
uma boa reforma tributária, o que desaconselha intervenções excessivas no
sistema.
O patamar desejado de 19,2% do PIB para as
receitas é difícil de ser obtido e, mesmo assim, só resultará nos superávits
necessários se o gasto público crescer em ritmo inferior ao da economia.
Trabalhar nessa frente é inescapável, como
já percebeu e anunciou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), ao defender a retomada do debate da reforma administrativa.
Há também providências de impacto mais
imediato a serem examinadas. Nesse rol está a revisão de programas sociais
obsoletos e mal desenhados, como o abono salarial. A recente multiplicação dos
valores do Bolsa Família, que corretamente tem foco nas famílias mais carentes,
deveria levar a um redesenho de outras ações.
É imperativo racionalizar as emendas
parlamentares, conectando-as ao planejamento do Executivo, mas isso, como tudo
mais, dependerá das condições políticas.
Pior será, porém, sucumbir à tese de que a alta contínua das despesas é uma imposição natural e viável. Tal caminho já custou ao país uma década de empobrecimento.
O patriotismo que precisa ser celebrado
O Estado de S. Paulo
Patriotismo é compromisso com o presente e o futuro do País, que se traduz em respeito à Constituição, às instituições e à liberdade de todos. Nada disso houve no 8 de Janeiro
Alei municipal de Porto Alegre (RS) que
instituiu o dia 8 de janeiro como o “Dia do Patriota” no calendário oficial da
capital gaúcha chegava às raias do deboche. Nada poderia estar mais dissociado
do ideário patriótico do que a vandalização das sedes dos Três Poderes, em
Brasília, ocorrida naquele fatídico dia de 2023, como pretexto para suscitar um
golpe militar e pôr de volta ao poder quem havia perdido as eleições.
Não bastasse a subversão do que vem a ser
patriotismo, problemática por si só, a Lei Municipal 15.530/2023 também
afrontava os princípios democráticos que iluminaram a redação da Constituição
de 1988. Fizeram bem, portanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a
Advocacia-Geral da União (AGU) em recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para
suspender a vigência do ato legislativo. Em decisão liminar, o ministro Luiz
Fux acolheu o pedido da PGR. No mesmo dia, os vereadores porto-alegrenses
revogaram a lei que eles mesmos haviam criado.
Na exposição de motivos, o autor do projeto
da lei, o vereador Alexandre Bobadra (PL), que depois foi cassado pelo Tribunal
Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) por abuso de poder econômico,
havia formulado a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, quem se considera
patriota torna-se motivo de chacota?”. Pelo que se vê, ele enxergava na lei uma
espécie de desagravo ao patriotismo e aos “patriotas”.
De fato, o conceito de patriotismo no
Brasil precisa ser resgatado. Mas não se recupera seu bom nome homenageando
justamente quem o vilipendiou. No 8 de Janeiro, houve agressão à Pátria.
Patriotismo implica respeito à Constituição
e às leis do País. Esse respeito é o reconhecimento comum de que a vida em
sociedade só é possível sob a vigência de regras pactuadas por todos os
cidadãos por meio de seus representantes constituídos. Depredação do patrimônio
público, emprego da violência para contestar as eleições, ataques às
instituições democráticas, ameaças às autoridades e aos concidadãos, vandalismo
– nada disso é patriótico.
Amar o Brasil não significa aceitar
passivamente tudo o que acontece no País. Não há dúvida de que a indignação é
também exercício de cidadania e de patriotismo. Mas a questão é como essa
indignação se expressa. Não cabe violência. Não cabe rejeitar o resultado das
urnas. Não cabe agredir quem pensa de forma diferente.
A liberdade de expressão não significa que
toda expressão é correta ou está autorizada. É preciso respeitar as leis. Acima
de tudo, é preciso respeitar o outro, seus direitos, suas liberdades. O pleito
por uma intervenção militar viola tudo isso, agredindo um valor fundamental da
Pátria: o princípio democrático.
É tempo de resgatar e de celebrar o genuíno
patriotismo, não a avacalhação da Pátria, não a exploração eleitoreira dos
sentimentos e símbolos nacionais. Há muitos patriotas no Brasil, mas o elemento
que os une não é um partido político, não é a transformação de um político em
mito, não é a baderna como luta política. Eles não depositam suas esperanças de
um País melhor na intervenção de terceiros, seja na forma de um tenentismo ou
de um sebastianismo. Sabem-se responsáveis pelo presente e pelo futuro do País
e buscam exercer, de forma responsável e autônoma, sua cidadania.
Cabe aqui recorrer a umas palavras de
Joaquim Nabuco (1849-1910), que tanto refletiu sobre a ideia de nação
brasileira e o sentimento de patriotismo. No livro O Abolicionismo (1883),
Nabuco diz que o verdadeiro patriotismo é aquele que “concilia a pátria com
humanidade”. A violência, a agressão e o deboche contra o outro são
incompatíveis com o patriotismo.
Que o triste exemplo da lei de Porto Alegre
– devidamente revogada – sirva de alerta. A manipulação político-eleitoral em
torno do conceito de patriotismo gerou uma enorme confusão, cujos efeitos ainda
são sentidos em diversas áreas. Há um resgate civilizatório, humano e institucional,
a ser feito. E ele não é obra exclusiva de uma corrente política ou de um órgão
público. É tarefa de todos, pois o País é de todos.
Politização e desinformação do blecaute
O Estado de S. Paulo
Revelação da causa do apagão elétrico – uma
falha técnica – expõe a irresponsabilidade do governo Lula, que transformou o
blecaute em um espetáculo de desinformação do público
O apagão que atingiu 25 Estados e o
Distrito Federal no dia 15 de agosto foi causado por uma falha em equipamentos
de transmissão do sistema que, à exceção de Roraima, interliga todo o
fornecimento de energia elétrica nacional. A revelação do Operador Nacional do
Sistema (ONS), duas semanas depois do ocorrido, pôs fim ao espetáculo
protagonizado por ministros do governo Lula que, já no dia seguinte ao apagão,
levantaram suspeitas de sabotagem, incentivando ilações que aproximavam o
ocorrido dos atos do 8 de Janeiro.
Foi um triste espetáculo, expondo os muitos
danos de uma politização que ultrapassa os limites do bom senso. Ao menos três
ministros de Estado – de Minas e Energia, Alexandre Silveira; da Justiça,
Flávio Dino; e da Casa Civil, Rui Costa – participaram da tarefa de
desinformar, disseminar insegurança e lançar dúvidas sobre a atuação da
Eletrobras pós-privatização. Sem contar a contribuição da primeira-dama, Janja
da Silva. No mesmo dia do apagão, ela postou nas redes sociais a mensagem: “A
Eletrobras foi privatizada em 2022. Era só esse o tuite”.
Com estardalhaço, foi acionado um aparato à
altura da investigação de ameaças ao Estado Democrático de Direito, envolvendo
a Polícia Federal, que abriu um inquérito, a Agência Brasileira de Inteligência
(Abin) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). “Gostaria de compreender
diferente, mas, mais do que nunca, é extremamente necessária participação muito
ativa da Polícia Federal, já que o ONS não teve como apontar falha técnica”,
declarou na ocasião o ministro Alexandre Silveira, expondo como é fácil criar
suspeitas e gerar alarde. Difícil mesmo é ater-se aos fatos.
Nos dias subsequentes ao apagão, o País
assistiu a um show de alarmismo e desinformação. A sensação de insegurança
aumentou diante da divulgação de que os detalhes sobre as causas seriam
conhecidos somente 45 dias depois. Criou-se um ambiente de instabilidade, que em
nada se coaduna com o dever à informação e à transparência do poder público em
sua relação com a população. É lamentável que a difusão de teorias equivocadas
tenha partido de integrantes do alto escalão do governo.
O uso desse tipo de expediente é grave. E
piora por envolver um tema complexo e de difícil assimilação pela sociedade,
como o sistema interligado de abastecimento de energia elétrica. Desde o
período de 2001, em função de apagões e do racionamento de energia, a população
viu-se obrigada a conhecer alguns termos técnicos do setor. Mas não significa
que eles sejam de fácil compreensão. Ou seja, trata-se de um terreno cujas
versões disparatadas podem causar especial apreensão.
Interligar o sistema de transmissão foi uma
escolha consciente pós-racionamento, para reduzir vulnerabilidades regionais e
aproveitar os recursos disponíveis em um país continental como o Brasil. Nas
últimas duas décadas houve, ao menos, sete blecautes. Em cinco, a causa foi
alguma falha em linhas de transmissão, seja por defeito técnico ou como
consequência de danos causados por incêndios, raios ou vento. Outros dois
decorreram de panes em subestações. Nunca nenhuma sabotagem foi identificada.
Por que o governo, então, tratou essa hipótese como prioritária?
Caso os diretores do ONS tivessem
participado dos esclarecimentos públicos do governo após o evento, os aspectos
técnicos poderiam ter prevalecido desde o início, desmantelando-se o roteiro
burlesco que tratava o apagão como um atentado político. Diante de uma falha no
sistema, é comum que o ONS determine, como ocorreu, redução do volume de
eletricidade disponível na rede interligada para evitar danos maiores. Não tem
nada a ver com possível sabotagem. No entanto, o governo Lula preferiu
transformar o caso num espetáculo de desinformação.
Infelizmente, a pantomima elétrica não é um
caso isolado. A politização de assuntos técnicos – tática de oportunismo e
irresponsabilidade – tem sido comum no País, desrespeitando um aspecto
fundamental do exercício do poder no regime democrático: o dever de informar
corretamente.
Um debate necessário
O Estado de S. Paulo
É mais que hora de a sociedade discutir
seriamente como deseja financiar os partidos políticos
Encaminhado ao Congresso pelo governo Lula,
o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) 2024 prevê cerca de R$ 1 bilhão para
o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Objetivamente, o valor do
chamado fundo eleitoral é alto. A rigor, sendo entidades privadas, partidos
políticos não deveriam receber recursos públicos para custear suas atividades
político-administrativas, tampouco suas campanhas eleitorais. Entretanto, o
montante do previsto na proposta orçamentária é expressivamente menor do que os
R$ 5,5 bilhões pretendidos pelos parlamentares, valor ainda maior do que os R$
4,9 bilhões das eleições de 2022.
O que explicaria essa redução do fundo
eleitoral proposta pelo Executivo? Das duas, uma: ou o Palácio do Planalto está
de fato engajado em uma revisão das prioridades orçamentárias nacionais, tendo
em vista as muitas necessidades nacionais – que demandam recursos públicos
muito antes do que qualquer agremiação política –, ou o valor é um mero
instrumento de negociação do Executivo com o Legislativo, a envolver outras
alíneas da peça orçamentária. O tempo dirá.
O fato é que a história recente não
autoriza nenhuma expectativa de que o Congresso não vai aumentar o valor do
fundo eleitoral referente ao custeio das campanhas de candidatos a prefeito e
vereador em 2024. Dois fenômenos complementares são bem conhecidos: o apetite
voraz das legendas pelo aumento contínuo dos recursos públicos destinados ao
seu funcionamento e a omissão das lideranças partidárias em buscar
financiamento privado de pessoas físicas. Contentar-se com a generosa fonte
pública de recursos é mais cômodo – e até agora se tem mostrado muito eficaz.
De toda forma, a proposta do governo a
respeito do valor do fundo eleitoral 2024 suscita uma reflexão importante, que
toda a sociedade precisa fazer. De um lado, os partidos políticos têm a
responsabilidade de buscar fontes de financiamento compatíveis com sua natureza
de entidades privadas. Não podem ficar dependentes do Estado. Têm o dever de
dialogar com a sociedade, obtendo, assim, doações de pessoas alinhadas com suas
ideias e propostas políticas. Sem esse engajamento, os partidos nunca serão
capazes de realizar sua missão.
Por outro lado – e não menos importante –,
cada eleitor deve buscar conhecer os partidos políticos, seu ideário, sua
compreensão de mundo e suas propostas concretas para o País e, na medida do
possível, ajudar a financiar o que considera positivo e benéfico. As legendas
são fundamentais para o bom funcionamento do regime democrático, em concreto,
para a qualidade da representação política. O distanciamento da população em
relação aos partidos é sintoma de que algo não vai bem – e é preciso reagir.
O fundo eleitoral é uma excrescência que
não deveria existir. Não apenas pelo custo fiscal, mas porque distancia os
partidos da sociedade e faz com que o eleitor pense que o debate sobre
financiamento dos partidos é mera questão de orçamento público, sem envolver e
sem demandar o exercício pessoal dos direitos políticos.
A resiliência da economia
Correio Braziliense
O avanço do Produto Interno Bruto (PIB) foi
de 0,9% ante os três meses imediatamente anteriores, o triplo da estimativa do
mercado, de 0,3%
O governo tem uma grande responsabilidade
pela frente: o de garantir a continuidade do crescimento da economia, que
surpreendeu no segundo trimestre do ano. O avanço do Produto Interno Bruto
(PIB) foi de 0,9% ante os três meses imediatamente anteriores, o triplo da
estimativa do mercado, de 0,3%. A atividade está respondendo a vários fatores
positivos, entre eles, a maior estabilidade política e o pragmatismo na
condução das ações na economia. O país deixou de conviver com o confronto entre
os Poderes, o que é um alívio para os agentes financeiros, e passou a ter um
horizonte que permite o planejamento. Há uma palavra fundamental para que
empresários e investidores se sintam confortáveis para ampliar a produção:
previsibilidade. E ela está de volta e é vital que seja preservada.
O foco das políticas públicas também
funcionou como importante impulsionador da economia, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o reforço dos programas
sociais, como o Bolsa Família, e o aumento real do salário mínimo, as camadas mais
pobres da população foram às compras. Não por acaso, o consumo das famílias
saltou 0,9% entre abril e junho. Todo o dinheiro que entra no orçamento desse
grupo vai imediatamente para satisfazer necessidades básicas. Essas políticas
foram potencializadas pela inflação mais amena e pela resiliência do mercado de
trabalho — a taxa de desemprego, em julho, de 7,9%, retornou aos níveis de
2014, quando o Brasil mergulhou em um quadro de recessão.
A perspectiva é de que o emprego continue
em expansão nos próximos meses, mesmo que a atividade perca um pouco de força,
como sinalizam alguns indicadores. Há, porém, condições para que, novamente, os
resultados do PIB surpreendam nos próximos trimestres. O Banco Central começou
a reduzir a taxa básica de juros (Selic), que baixou de 13,75% para 13,25% ao
ano, movimento que continuará ao longo deste ano e do próximo. Para que o BC
tenha tranquilidade para manter o afrouxo monetário, será preciso que o governo
cumpra as metas fiscais a que se propôs, de zerar o rombo fiscal em 2024 e de
garantir superavits nos anos seguintes. Contas públicas nos eixos reduzem a
perpecpção de riscos na economia, ajudam a manter a inflação nos eixos e
estimulam os investimentos produtivos.
Esse, por sinal, foi o ponto negativo dos
dados divulgados pelo IBGE. Os investimentos, que ampliam a capacidade de se
atender o consumo sem pressionar os preços, cresceram apenas 0,1% no trimestre.
Tal desempenho tem muito a ver com a confiança. À medida que os bons resultados
da atividade forem se consolidando, as empresas tenderão a retirar projetos da
gaveta para ampliar as fábricas. As companhias só investem quando têm a certeza
de que terão para quem vender mais à frente. Dinheiro, sabe-se, não aceita
desaforo. Economistas acreditam que o consumo das famílias pode ter um novo
incremento com a queda dos juros e os programas de renegociação de dívidas,
como o Desenrola, que abrem espaço para mais demanda.
Enfim, neste momento, há, sim, motivos para
respirar mais aliviado e rever, para cima, as projeções de crescimento da
economia. Os analistas acreditam, agora, que o PIB poderá crescer entre 2,8% e
3% neste ano, mesmo que a atividade fique estagnada no segundo semestre, o que
poucos esperam. Nesse contexto, não há espaços para aventuras, como gastos públicos
desenfreados ou aumentos de impostos. A economia mostrou, nos primeiros seis
meses do ano, que um ambiente menos tensionado, com responsabilidade fiscal e
diálogo entre os Poderes e entre governo e iniciativa privada, traz resultados
positivos para todos.
O Brasil ainda tem a vantagem de estar em uma posição privilegiada em relação a várias nações emergentes, como Turquia e Argentina, que não vivem bons momentos. Se mantiver a serenidade, políticas econômicas consistentes e avanços institucionais, o país tem tudo para despontar na preferência do capital externo. Na sexta-feira, depois do surpreendente resultado do PIB, a Bolsa de Valores de São Paulo, que vinha em queda, subiu quase 2% e o dólar caiu. São sinais importantes e que devem ser levados em conta.
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