domingo, 3 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

É insuficiente o avanço brasileiro na questão feminina

O Globo

Em discriminação contra mulheres houve evolução, mas OCDE coloca o Brasil atrás de países semelhantes

Tem sido inegável o avanço na luta contra a discriminação das mulheres. Tribunais se mostram mais ativos na aplicação de leis igualitárias, mais empresas adotam medidas para evitar prejuízos à carreira da mulher, denúncias da imprensa expõem a extensão de agressões e feminicídios. A representatividade política feminina, contudo, fica muito aquém do desejável. Mulheres são apenas 18% dos representantes no Congresso, percentual abaixo da média das Américas (35%) e do mundo (27%), revela estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A constatação torna mais retrógrada a PEC da Anistia, que prevê perdão aos partidos políticos por irregularidades como descumprimento da cota de 30% de candidaturas femininas, sistematicamente desrespeitada ou fraudada. A ideia, em debate no Congresso, de substituir tais cotas pela reserva de 15% das cadeiras a mulheres também é ruim. Primeiro, porque esse patamar é inferior ao já registrado hoje, à média do continente e à média global. Segundo, porque, apesar de o Brasil ser o 133º país em participação feminina entre os 187 avaliados pela União Interparlamentar, ela vem melhorando desde a implantação das cotas. Por fim, de nada adianta o Parlamento criar qualquer regra se, quando ela é descumprida, o mesmo Parlamento se apressa em providenciar uma anistia.

O levantamento da OCDE aponta outras deficiências urgentes no Brasil, além da necessidade de ampliar a participação política. O país é avaliado como pior que Argentina, Costa Rica, Equador, El Salvador, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela no Índice de Instituições Sociais e Gênero. Esse índice cobre quatro dimensões que afetam as mulheres ao longo da vida: liberdades civis, família, integridade física e acesso a recursos financeiros e produtivos.

O Brasil só é destaque positivo na última dimensão. Com 16 pontos (numa escala em que, quanto menor a pontuação, maior o acesso), está próximo dos integrantes da OCDE (média de 13) e distante da América Latina (23). A proporção de cidadãos com conta bancária é a mesma para homens e mulheres. Apenas uma minoria da população acredita que homens são executivos melhores que mulheres. Quatro em dez posições de gerência são ocupadas por mulheres, acima de países como Noruega ou Portugal. É certo que a distribuição dos cargos e a remuneração ainda são injustas, mas menos desiguais que noutras partes do mundo.

Na dimensão de integridade física, o Brasil está até melhor que a média da América Latina. Mas a constatação não é tranquilizadora. A violência contra as mulheres é uma triste realidade. Quando o índice da OCDE for atualizado, é provável que a avaliação seja mais baixa. Dados do último Anuário da Segurança Pública revelaram um recorde de feminicídios em 2022, com 1.437 vítimas, aumento de 6% em relação ao ano anterior. No ano passado, o país registrou crescimento em todos os indicadores de violência contra a mulher.

No quesito família, também há terreno para avançar. O poder de decisão e o status feminino ainda são vistos como inferiores. Depois de nove décadas desde que as mulheres conquistaram o direito a voto, a equidade entre os gêneros é um objetivo distante. Por isso exige ação em todas as esferas. Dos líderes empresariais às autoridades mais altas da República, todos precisam atuar para elevar a participação feminina nas decisões e no destino do país.

Prêmio a policiais por apreensão de fuzis tem eficácia contra violência

O Globo

Governo fluminense acerta ao implementar política pública com base em evidência, não em ideologia

É bem-vinda a decisão do governo fluminense de oferecer bonificação de R$ 5 mil a policiais civis e militares por fuzil apreendido durante operações. A decisão consta de decreto do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), publicado no mês passado, e começará a valer a partir do próximo semestre. O objetivo, segundo as autoridades, é reduzir a circulação desse tipo de armamento — largamente usado pelas quadrilhas locais — e baixar os índices de violência.

Impressiona a facilidade com que essas armas de guerra circulam em mãos de traficantes, milicianos ou assaltantes, expondo a população a riscos, especialmente nas áreas conflagradas. Somente no primeiro semestre, as forças de segurança fluminenses apreenderam 366 fuzis, em média dois por dia. O número supera o total apreendido no ano passado e é o maior desde 2007, início da série histórica.

A intenção do governo é que, com menos fuzis em poder dos bandidos, seja possível reduzir também a quantidade usada pelos policiais, tornando menos letais suas ações. O alto número de mortes de civis pela polícia no Rio é alvo de ação no Supremo e de questionamento das entidades de defesa dos direitos humanos.

Noutros estados, políticas públicas que oferecem estímulo à apreensão de armas têm trazido bons resultados. Um estudo do Instituto Sou da Paz divulgado pelo GLOBO em maio mostrou que, em pelo menos 11 unidades da Federação, a implantação de metas e estratégias desse tipo está associada à queda nos índices de criminalidade. No Espírito Santo, onde há bonificação para apreensão de armas, a taxa de homicídios baixou de 41,7 para 30,1 por 100 mil habitantes, entre 2011 e 2020. Na Paraíba, o governo paga de R$ 600 a R$ 1.400 por arma apreendida para tentar manter a meta de redução anual de 10% nos assassinatos.

O incentivo à apreensão de fuzis no Rio ganha especial importância num momento em que os índices de criminalidade voltam a subir. Dados do Monitor da Violência, parceria do portal g1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que o Rio registrou no primeiro semestre aumento de 17,3% no número de assassinatos, o segundo maior índice do país, atrás apenas do Amapá.

Para conter esses números, é fundamental desarmar as quadrilhas. A iniciativa do governo fluminense também acerta por estar baseada em evidências objetivas, como estudos acadêmicos e as histórias de sucesso noutros estados. É assim — com base no conhecimento acumulado — que se devem implementar as políticas públicas para conter a violência, e não com base nas fantasias ideológicas da direita ou da esquerda.

Contas duvidosas

Folha de S. Paulo

Meta de déficit zero em 2024 não inspira confiança, mas pior seria abandoná-la

O projeto de Orçamento para 2024, recém-apresentado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), indicou um roteiro esperado —a continuidade da expansão acelerada da despesa federal e a necessidade de um colossal e improvável aumento da carga tributária para viabilizar a meta de eliminar o déficit nas contas do Tesouro Nacional.

Trata-se de desdobramento de imprudências da gestão Jair Bolsonaro (PL), que desfigurou o teto de gastos, e da atual, que antes mesmo da posse associou-se ao Congresso para aprovar uma ampliação de dispêndios de R$ 150 bilhões anuais, muito além do necessário para os compromissos sociais.

Elaborado sob a nova regra fiscal, o Orçamento prevê desembolsos de R$ 2,188 trilhões, equivalentes a 19,2% do Produto Interno Bruto, mesmo patamar deste ano. Na prática, há um crescimento acima da inflação de 1,7%.

A estabilidade em proporção do PIB parece até otimista, considerando medidas como o aumento real do salário mínimo e seu impacto na Previdência Social.

A volta da vinculação das despesas em saúde e educação a percentuais mínimos da receita demandará R$ 58,5 bilhões. Emendas parlamentares de execução obrigatória absorverão R$ 37 bilhões.

Para equilibrar as contas será necessário uma alta de receitas de 17,8% do PIB, em 2023, para 19,2%. A diferença, de 1,4% do produto, corresponde a algo como R$ 160 bilhões —que dependerão de medidas ainda em tramitação no Congresso, se é que estão corretas as estimativas de ganhos com elas.

Não surpreende, assim, que haja grande ceticismo em relação à peça orçamentária, para o qual contribuem pressões abertas e veladas por um afrouxamento prematuro da meta de déficit zero (com intervalo de tolerância de 0,25% do PIB).

A ala política do Planalto e o PT temem que o compromisso force contingenciamentos de gastos no provável cenário de arrecadação abaixo do previsto, afetando programas vistosos como o PAC.

O descumprimento da meta, além disso, obrigaria uma redução no ritmo de crescimento das despesas em 2026, um ano eleitoral.

Por mais que o objetivo pareça pouco plausível, contudo, pior será abandoná-lo. Estaria criado um estímulo poderoso para a busca por mais gastos, no Executivo e no Congresso, e sepultadas as chances de reformas e ajustes.

Por ora prevaleceu a posição da equipe econômica —mas o futuro a Deus pertence, conforme o comentário revelador da ministra do Planejamento, Simone Tebet.

O futuro não é nada promissor para a estratégia do governo petista de concentrar todo o esforço de equilíbrio orçamentário no aumento da arrecadação.

A seu favor, o Planalto tem a expansão surpreendente do PIB, que deve se aproximar aos 3% neste ano. O avanço tende a contribuir para as receitas e proporcionará indicadores mais favoráveis para a dívida pública, normalmente avaliada como proporção do produto.

Foram obtidas vitórias no Judiciário e no Congresso capazes de elevar a coleta de impostos, mas uma tentativa de alta brusca de uma carga já exagerada pode ter consequências negativas para a atividade.

Cumpre recordar que já tramita no Congresso uma boa reforma tributária, o que desaconselha intervenções excessivas no sistema.

O patamar desejado de 19,2% do PIB para as receitas é difícil de ser obtido e, mesmo assim, só resultará nos superávits necessários se o gasto público crescer em ritmo inferior ao da economia.

Trabalhar nessa frente é inescapável, como já percebeu e anunciou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ao defender a retomada do debate da reforma administrativa.

Há também providências de impacto mais imediato a serem examinadas. Nesse rol está a revisão de programas sociais obsoletos e mal desenhados, como o abono salarial. A recente multiplicação dos valores do Bolsa Família, que corretamente tem foco nas famílias mais carentes, deveria levar a um redesenho de outras ações.

É imperativo racionalizar as emendas parlamentares, conectando-as ao planejamento do Executivo, mas isso, como tudo mais, dependerá das condições políticas.

Pior será, porém, sucumbir à tese de que a alta contínua das despesas é uma imposição natural e viável. Tal caminho já custou ao país uma década de empobrecimento.

O patriotismo que precisa ser celebrado

O Estado de S. Paulo

Patriotismo é compromisso com o presente e o futuro do País, que se traduz em respeito à Constituição, às instituições e à liberdade de todos. Nada disso houve no 8 de Janeiro

Alei municipal de Porto Alegre (RS) que instituiu o dia 8 de janeiro como o “Dia do Patriota” no calendário oficial da capital gaúcha chegava às raias do deboche. Nada poderia estar mais dissociado do ideário patriótico do que a vandalização das sedes dos Três Poderes, em Brasília, ocorrida naquele fatídico dia de 2023, como pretexto para suscitar um golpe militar e pôr de volta ao poder quem havia perdido as eleições.

Não bastasse a subversão do que vem a ser patriotismo, problemática por si só, a Lei Municipal 15.530/2023 também afrontava os princípios democráticos que iluminaram a redação da Constituição de 1988. Fizeram bem, portanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU) em recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a vigência do ato legislativo. Em decisão liminar, o ministro Luiz Fux acolheu o pedido da PGR. No mesmo dia, os vereadores porto-alegrenses revogaram a lei que eles mesmos haviam criado.

Na exposição de motivos, o autor do projeto da lei, o vereador Alexandre Bobadra (PL), que depois foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) por abuso de poder econômico, havia formulado a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, quem se considera patriota torna-se motivo de chacota?”. Pelo que se vê, ele enxergava na lei uma espécie de desagravo ao patriotismo e aos “patriotas”.

De fato, o conceito de patriotismo no Brasil precisa ser resgatado. Mas não se recupera seu bom nome homenageando justamente quem o vilipendiou. No 8 de Janeiro, houve agressão à Pátria.

Patriotismo implica respeito à Constituição e às leis do País. Esse respeito é o reconhecimento comum de que a vida em sociedade só é possível sob a vigência de regras pactuadas por todos os cidadãos por meio de seus representantes constituídos. Depredação do patrimônio público, emprego da violência para contestar as eleições, ataques às instituições democráticas, ameaças às autoridades e aos concidadãos, vandalismo – nada disso é patriótico.

Amar o Brasil não significa aceitar passivamente tudo o que acontece no País. Não há dúvida de que a indignação é também exercício de cidadania e de patriotismo. Mas a questão é como essa indignação se expressa. Não cabe violência. Não cabe rejeitar o resultado das urnas. Não cabe agredir quem pensa de forma diferente.

A liberdade de expressão não significa que toda expressão é correta ou está autorizada. É preciso respeitar as leis. Acima de tudo, é preciso respeitar o outro, seus direitos, suas liberdades. O pleito por uma intervenção militar viola tudo isso, agredindo um valor fundamental da Pátria: o princípio democrático.

É tempo de resgatar e de celebrar o genuíno patriotismo, não a avacalhação da Pátria, não a exploração eleitoreira dos sentimentos e símbolos nacionais. Há muitos patriotas no Brasil, mas o elemento que os une não é um partido político, não é a transformação de um político em mito, não é a baderna como luta política. Eles não depositam suas esperanças de um País melhor na intervenção de terceiros, seja na forma de um tenentismo ou de um sebastianismo. Sabem-se responsáveis pelo presente e pelo futuro do País e buscam exercer, de forma responsável e autônoma, sua cidadania.

Cabe aqui recorrer a umas palavras de Joaquim Nabuco (1849-1910), que tanto refletiu sobre a ideia de nação brasileira e o sentimento de patriotismo. No livro O Abolicionismo (1883), Nabuco diz que o verdadeiro patriotismo é aquele que “concilia a pátria com humanidade”. A violência, a agressão e o deboche contra o outro são incompatíveis com o patriotismo.

Que o triste exemplo da lei de Porto Alegre – devidamente revogada – sirva de alerta. A manipulação político-eleitoral em torno do conceito de patriotismo gerou uma enorme confusão, cujos efeitos ainda são sentidos em diversas áreas. Há um resgate civilizatório, humano e institucional, a ser feito. E ele não é obra exclusiva de uma corrente política ou de um órgão público. É tarefa de todos, pois o País é de todos.

Politização e desinformação do blecaute

O Estado de S. Paulo

Revelação da causa do apagão elétrico – uma falha técnica – expõe a irresponsabilidade do governo Lula, que transformou o blecaute em um espetáculo de desinformação do público

O apagão que atingiu 25 Estados e o Distrito Federal no dia 15 de agosto foi causado por uma falha em equipamentos de transmissão do sistema que, à exceção de Roraima, interliga todo o fornecimento de energia elétrica nacional. A revelação do Operador Nacional do Sistema (ONS), duas semanas depois do ocorrido, pôs fim ao espetáculo protagonizado por ministros do governo Lula que, já no dia seguinte ao apagão, levantaram suspeitas de sabotagem, incentivando ilações que aproximavam o ocorrido dos atos do 8 de Janeiro.

Foi um triste espetáculo, expondo os muitos danos de uma politização que ultrapassa os limites do bom senso. Ao menos três ministros de Estado – de Minas e Energia, Alexandre Silveira; da Justiça, Flávio Dino; e da Casa Civil, Rui Costa – participaram da tarefa de desinformar, disseminar insegurança e lançar dúvidas sobre a atuação da Eletrobras pós-privatização. Sem contar a contribuição da primeira-dama, Janja da Silva. No mesmo dia do apagão, ela postou nas redes sociais a mensagem: “A Eletrobras foi privatizada em 2022. Era só esse o tuite”.

Com estardalhaço, foi acionado um aparato à altura da investigação de ameaças ao Estado Democrático de Direito, envolvendo a Polícia Federal, que abriu um inquérito, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). “Gostaria de compreender diferente, mas, mais do que nunca, é extremamente necessária participação muito ativa da Polícia Federal, já que o ONS não teve como apontar falha técnica”, declarou na ocasião o ministro Alexandre Silveira, expondo como é fácil criar suspeitas e gerar alarde. Difícil mesmo é ater-se aos fatos.

Nos dias subsequentes ao apagão, o País assistiu a um show de alarmismo e desinformação. A sensação de insegurança aumentou diante da divulgação de que os detalhes sobre as causas seriam conhecidos somente 45 dias depois. Criou-se um ambiente de instabilidade, que em nada se coaduna com o dever à informação e à transparência do poder público em sua relação com a população. É lamentável que a difusão de teorias equivocadas tenha partido de integrantes do alto escalão do governo.

O uso desse tipo de expediente é grave. E piora por envolver um tema complexo e de difícil assimilação pela sociedade, como o sistema interligado de abastecimento de energia elétrica. Desde o período de 2001, em função de apagões e do racionamento de energia, a população viu-se obrigada a conhecer alguns termos técnicos do setor. Mas não significa que eles sejam de fácil compreensão. Ou seja, trata-se de um terreno cujas versões disparatadas podem causar especial apreensão.

Interligar o sistema de transmissão foi uma escolha consciente pós-racionamento, para reduzir vulnerabilidades regionais e aproveitar os recursos disponíveis em um país continental como o Brasil. Nas últimas duas décadas houve, ao menos, sete blecautes. Em cinco, a causa foi alguma falha em linhas de transmissão, seja por defeito técnico ou como consequência de danos causados por incêndios, raios ou vento. Outros dois decorreram de panes em subestações. Nunca nenhuma sabotagem foi identificada. Por que o governo, então, tratou essa hipótese como prioritária?

Caso os diretores do ONS tivessem participado dos esclarecimentos públicos do governo após o evento, os aspectos técnicos poderiam ter prevalecido desde o início, desmantelando-se o roteiro burlesco que tratava o apagão como um atentado político. Diante de uma falha no sistema, é comum que o ONS determine, como ocorreu, redução do volume de eletricidade disponível na rede interligada para evitar danos maiores. Não tem nada a ver com possível sabotagem. No entanto, o governo Lula preferiu transformar o caso num espetáculo de desinformação.

Infelizmente, a pantomima elétrica não é um caso isolado. A politização de assuntos técnicos – tática de oportunismo e irresponsabilidade – tem sido comum no País, desrespeitando um aspecto fundamental do exercício do poder no regime democrático: o dever de informar corretamente.

Um debate necessário

O Estado de S. Paulo

É mais que hora de a sociedade discutir seriamente como deseja financiar os partidos políticos

Encaminhado ao Congresso pelo governo Lula, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) 2024 prevê cerca de R$ 1 bilhão para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Objetivamente, o valor do chamado fundo eleitoral é alto. A rigor, sendo entidades privadas, partidos políticos não deveriam receber recursos públicos para custear suas atividades político-administrativas, tampouco suas campanhas eleitorais. Entretanto, o montante do previsto na proposta orçamentária é expressivamente menor do que os R$ 5,5 bilhões pretendidos pelos parlamentares, valor ainda maior do que os R$ 4,9 bilhões das eleições de 2022.

O que explicaria essa redução do fundo eleitoral proposta pelo Executivo? Das duas, uma: ou o Palácio do Planalto está de fato engajado em uma revisão das prioridades orçamentárias nacionais, tendo em vista as muitas necessidades nacionais – que demandam recursos públicos muito antes do que qualquer agremiação política –, ou o valor é um mero instrumento de negociação do Executivo com o Legislativo, a envolver outras alíneas da peça orçamentária. O tempo dirá.

O fato é que a história recente não autoriza nenhuma expectativa de que o Congresso não vai aumentar o valor do fundo eleitoral referente ao custeio das campanhas de candidatos a prefeito e vereador em 2024. Dois fenômenos complementares são bem conhecidos: o apetite voraz das legendas pelo aumento contínuo dos recursos públicos destinados ao seu funcionamento e a omissão das lideranças partidárias em buscar financiamento privado de pessoas físicas. Contentar-se com a generosa fonte pública de recursos é mais cômodo – e até agora se tem mostrado muito eficaz.

De toda forma, a proposta do governo a respeito do valor do fundo eleitoral 2024 suscita uma reflexão importante, que toda a sociedade precisa fazer. De um lado, os partidos políticos têm a responsabilidade de buscar fontes de financiamento compatíveis com sua natureza de entidades privadas. Não podem ficar dependentes do Estado. Têm o dever de dialogar com a sociedade, obtendo, assim, doações de pessoas alinhadas com suas ideias e propostas políticas. Sem esse engajamento, os partidos nunca serão capazes de realizar sua missão.

Por outro lado – e não menos importante –, cada eleitor deve buscar conhecer os partidos políticos, seu ideário, sua compreensão de mundo e suas propostas concretas para o País e, na medida do possível, ajudar a financiar o que considera positivo e benéfico. As legendas são fundamentais para o bom funcionamento do regime democrático, em concreto, para a qualidade da representação política. O distanciamento da população em relação aos partidos é sintoma de que algo não vai bem – e é preciso reagir.

O fundo eleitoral é uma excrescência que não deveria existir. Não apenas pelo custo fiscal, mas porque distancia os partidos da sociedade e faz com que o eleitor pense que o debate sobre financiamento dos partidos é mera questão de orçamento público, sem envolver e sem demandar o exercício pessoal dos direitos políticos.

A resiliência da economia

Correio Braziliense

O avanço do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 0,9% ante os três meses imediatamente anteriores, o triplo da estimativa do mercado, de 0,3%

O governo tem uma grande responsabilidade pela frente: o de garantir a continuidade do crescimento da economia, que surpreendeu no segundo trimestre do ano. O avanço do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 0,9% ante os três meses imediatamente anteriores, o triplo da estimativa do mercado, de 0,3%. A atividade está respondendo a vários fatores positivos, entre eles, a maior estabilidade política e o pragmatismo na condução das ações na economia. O país deixou de conviver com o confronto entre os Poderes, o que é um alívio para os agentes financeiros, e passou a ter um horizonte que permite o planejamento. Há uma palavra fundamental para que empresários e investidores se sintam confortáveis para ampliar a produção: previsibilidade. E ela está de volta e é vital que seja preservada.

O foco das políticas públicas também funcionou como importante impulsionador da economia, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o reforço dos programas sociais, como o Bolsa Família, e o aumento real do salário mínimo, as camadas mais pobres da população foram às compras. Não por acaso, o consumo das famílias saltou 0,9% entre abril e junho. Todo o dinheiro que entra no orçamento desse grupo vai imediatamente para satisfazer necessidades básicas. Essas políticas foram potencializadas pela inflação mais amena e pela resiliência do mercado de trabalho — a taxa de desemprego, em julho, de 7,9%, retornou aos níveis de 2014, quando o Brasil mergulhou em um quadro de recessão.

A perspectiva é de que o emprego continue em expansão nos próximos meses, mesmo que a atividade perca um pouco de força, como sinalizam alguns indicadores. Há, porém, condições para que, novamente, os resultados do PIB surpreendam nos próximos trimestres. O Banco Central começou a reduzir a taxa básica de juros (Selic), que baixou de 13,75% para 13,25% ao ano, movimento que continuará ao longo deste ano e do próximo. Para que o BC tenha tranquilidade para manter o afrouxo monetário, será preciso que o governo cumpra as metas fiscais a que se propôs, de zerar o rombo fiscal em 2024 e de garantir superavits nos anos seguintes. Contas públicas nos eixos reduzem a perpecpção de riscos na economia, ajudam a manter a inflação nos eixos e estimulam os investimentos produtivos.

Esse, por sinal, foi o ponto negativo dos dados divulgados pelo IBGE. Os investimentos, que ampliam a capacidade de se atender o consumo sem pressionar os preços, cresceram apenas 0,1% no trimestre. Tal desempenho tem muito a ver com a confiança. À medida que os bons resultados da atividade forem se consolidando, as empresas tenderão a retirar projetos da gaveta para ampliar as fábricas. As companhias só investem quando têm a certeza de que terão para quem vender mais à frente. Dinheiro, sabe-se, não aceita desaforo. Economistas acreditam que o consumo das famílias pode ter um novo incremento com a queda dos juros e os programas de renegociação de dívidas, como o Desenrola, que abrem espaço para mais demanda.

Enfim, neste momento, há, sim, motivos para respirar mais aliviado e rever, para cima, as projeções de crescimento da economia. Os analistas acreditam, agora, que o PIB poderá crescer entre 2,8% e 3% neste ano, mesmo que a atividade fique estagnada no segundo semestre, o que poucos esperam. Nesse contexto, não há espaços para aventuras, como gastos públicos desenfreados ou aumentos de impostos. A economia mostrou, nos primeiros seis meses do ano, que um ambiente menos tensionado, com responsabilidade fiscal e diálogo entre os Poderes e entre governo e iniciativa privada, traz resultados positivos para todos.

O Brasil ainda tem a vantagem de estar em uma posição privilegiada em relação a várias nações emergentes, como Turquia e Argentina, que não vivem bons momentos. Se mantiver a serenidade, políticas econômicas consistentes e avanços institucionais, o país tem tudo para despontar na preferência do capital externo. Na sexta-feira, depois do surpreendente resultado do PIB, a Bolsa de Valores de São Paulo, que vinha em queda, subiu quase 2% e o dólar caiu. São sinais importantes e que devem ser levados em conta.

 

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