domingo, 3 de agosto de 2025

Como o mundo fez o Ocidente - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro mostra que mundo antigo era muito mais interligado do que supunham historiadores do século 19 que criaram a noção de civilização

Josephine Quinn quer acabar com a civilização ocidental. Não, Quinn não é uma vilã de histórias em quadrinhos. Ela é acadêmica, professora de História Antiga de Cambridge e autora do ótimo "How the World Made the West".

Uma das teses defendidas por ela é a de que devemos aposentar a noção de civilização, que não passa de uma ideia chauvinista do século 19, que pouco acrescenta à historiografia e desperta alguns de nossos piores instintos nacionalistas.

A autora sustenta que o mundo antigo era muito mais interligado, por rotas comerciais e trocas de ideias e tecnologias, do que podiam supor os historiadores do século 19. Não que não existisse etnocentrismo, mas um cretense ou um romano não teria problemas em aceitar que seu mundo era fortemente influenciado por vizinhos, às vezes até por inimigos. E é isso que ela se põe a mostrar ao longo de quase 600 páginas.

Quinn começa na Idade do Bronze (c. 3.000 a.C.) e termina na Idade Média. Põe ênfase no Mediterrâneo (sua especialidade, afinal, são os gregos, romanos e fenícios), mas não deixa de falar da China nem da Groenlândia. A autora, que também é arqueóloga, se vale bastante de novos achados nessa área bem como do barateamento de tecnologias que estão revolucionando a historiografia, como a análise de DNA antigo.

Gostei particularmente do capítulo dedicado à disseminação da escrita, que foi inventada poucas vezes, mas se espalhou de forma razoavelmente rápida e sempre aberta a adaptações, que resultaram na grande variedade de alfabetos, silabários e sistemas ideográficos conhecidos.

Outro ponto que destacaria são as incongruências do que ela chama de "pensamento civilizacional". Autores como Samuel Huntington falam em "valores ocidentais" que poderiam ser diretamente ligados a gregos e a romanos. Mas esse tipo de raciocínio mostra seus limites quando consideramos que a "civilização grega" encorajava a sedução de meninos por homens mais velhos, e a "civilização romana" oferecia ao povo execuções públicas como diversão.

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