Folha de S. Paulo
Livro mostra que mundo
antigo era muito mais interligado do que supunham historiadores do século 19
que criaram a noção de civilização
Josephine Quinn quer acabar com a civilização
ocidental. Não, Quinn não é uma vilã de histórias em quadrinhos. Ela é
acadêmica, professora de História Antiga de Cambridge e autora do ótimo "How the World Made the West".
Uma das teses defendidas por ela é a de que devemos aposentar a noção de civilização, que não passa de uma ideia chauvinista do século 19, que pouco acrescenta à historiografia e desperta alguns de nossos piores instintos nacionalistas.
A autora sustenta que o
mundo antigo era muito mais interligado, por rotas comerciais e trocas de
ideias e tecnologias, do que podiam supor os historiadores do século 19. Não
que não existisse etnocentrismo, mas um cretense ou um romano não teria problemas
em aceitar que seu mundo era fortemente influenciado por vizinhos, às vezes até
por inimigos. E é isso que ela se põe a mostrar ao longo de quase 600 páginas.
Quinn começa na Idade do
Bronze (c. 3.000 a.C.) e termina na Idade Média. Põe ênfase no Mediterrâneo
(sua especialidade, afinal, são os gregos, romanos e fenícios), mas não deixa
de falar da China nem
da Groenlândia.
A autora, que também é arqueóloga, se vale bastante de novos achados nessa área
bem como do barateamento de tecnologias que estão revolucionando a
historiografia, como a análise de DNA antigo.
Gostei particularmente do
capítulo dedicado à disseminação da escrita, que foi inventada poucas vezes,
mas se espalhou de forma razoavelmente rápida e sempre aberta a adaptações, que
resultaram na grande variedade de alfabetos, silabários e sistemas ideográficos
conhecidos.
Outro ponto que destacaria
são as incongruências do que ela chama de "pensamento
civilizacional". Autores como Samuel Huntington falam em "valores
ocidentais" que poderiam ser diretamente ligados a gregos e a romanos. Mas
esse tipo de raciocínio mostra seus limites quando consideramos que a
"civilização grega" encorajava a sedução de meninos por homens mais
velhos, e a "civilização romana" oferecia ao povo execuções públicas
como diversão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário