O Globo
Há um padrão histórico que mostra que presidentes com baixa sustentação no Congresso enfrentam crises graves, incluindo renúncia, impeachment ou queda de poder,
O atual enfrentamento político e econômico entre o governo de Donald Trump e o Brasil faz o cruzamento de padrões históricos dos dois países que podem maximizar a crise. Os brasileiros envolvidos na campanha de difamação da democracia brasileira no exterior têm um objetivo de longo prazo que vai muito além de resultados imediatos, como a anistia do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus associados no golpe tentado que culminou no vandalismo da Praça dos Três Poderes em Brasília em janeiro de 2023. Eles sabem que é praticamente impossível interferir no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), mas jogam com a possibilidade de uma desestabilização do governo democraticamente eleito pelos efeitos das decisões do governo Trump.
Assim como os Estados Unidos
têm um histórico de golpes políticos em todo o mundo, o Brasil tem uma tradição
de que governos fracos no Congresso acabam tendo problemas para continuar
liderando o país. O cruzamento desses históricos pode dar esperanças aos
golpistas, que continuam em atividade. A desmoralização dos ministros do
Supremo e a possibilidade de que o Congresso de maioria de centro-direita possa
assumir a anistia aos golpistas, liberando o ex-presidente Bolsonaro para
disputar a eleição presidencial do ano que vem, com o apoio do presidente
Trump, é um objetivo palpável neste mundo em que a lei do mais forte está
imperando.
Imaginar o que estaria
acontecendo hoje caso Trump estivesse no governo dos Estados Unidos durante a
tentativa de golpe de janeiro de 2023 é um exercício fácil de fazer. O
economista americano Jeffrey Sachs é um crítico permanente do governo Trump e
dessa tradição americana de interferir internacionalmente em outros países. Ele
cita o livro da cientista política Lindsey A. O'Rourke Covert Regime Change ,
(“Mudança clandestina de regime” em tradução livre) para dizer que está em
curso no Brasil uma tentativa de interferência do governo dos Estados Unidos.
No livro, O’Rourke elenca
nada menos que 70 golpes de Estado apoiados pelos Estados Unidos, a maioria
deles de maneira indireta, seja apoiando a insurreição, matando o líder do
regime que quer derrubar, insuflando rebeliões, ou intervindo em países democráticos
alegando salvar a própria democracia. Ela nos mostra como os estados realmente
agem quando tentam derrubar outro estado. Operações ofensivas visam derrubar um
rival militar atual ou romper uma aliança rival. Operações preventivas buscam
impedir um estado de tomar certas ações, como se juntar a uma aliança rival,
que podem torná-lo uma futura ameaça à segurança. Operações hegemônicas tentam
manter uma relação hierárquica entre o estado interveniente e o governo alvo.
O’Rourke cita nada menos que
64 operações clandestinas entre 1945 e 1989 no fim da Guerra Fria, a maioria
liderada pela CIA, e seis operações explícitas, ação que é “o contrário da
diplomacia”, o que Jeffrey Sachs chama de “mentalidade imperial”. Por nosso
lado, há um padrão histórico que mostra que presidentes com baixa sustentação
no Congresso enfrentam crises graves, incluindo renúncia, impeachment ou queda
de poder, desde a Proclamação da República com o Marechal Deodoro da Fonseca
(1889-1891). Ele enfrentou forte oposição no Congresso e nos Estados e
renunciou ao cargo em 1891, após dissolver o Congresso e ver sua base política
ruir.
Floriano Peixoto assumiu em
seu lugar, e manteve-se no cargo com o uso da força, apesar de ter uma oposição
forte. Washington Luis (1926-1930) foi derrubando por um golpe em 1930, com
apoio de militares e políticos da oposição. Getúlio Vargas, na primeira fase
(1930-1945) chegou ao Poder pelo golpe. Na segunda, eleito democraticamente,
perdeu o apoio político e militar e suicidou-se em 1954. Jânio Quadros, eleito
em 1961, renunciou ao cargo no mesmo ano alegando falta de apoio no Congresso.
Foi substituído por seu vice, João Goulart, com grande oposição no Congresso,
derrubado pelo golpe civil-militar de 1964.
Fernando Collor (1990-19920)
sofreu impeachment após denúncias de corrupção e crise política no Congresso.
Dilma Rousseff (2011-2016) sofreu impeachment em 2016, depois de ter perdido
apoio no Congresso em meio a uma crise econômica grave. Os presidentes Michel
Temer e Bolsonaro tiveram crises com o Congresso, mas terminaram seus mandatos.
A extrema-direita brasileira, que comanda essa continuada tentativa golpista,
não tem o apoio, por enquanto, do Centrão, que controla a maioria no Congresso.
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