O Globo
A História do Brasil mostra
a presença constante de golpistas. A semana mostrou que o risco continua
O Judiciário fez, depois do recesso, uma abertura de gala. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, foi sério e grave como o momento exigia. E puxou o fio da história. “Do início da República até o final do governo militar, a História do Brasil foi a história de golpes, contragolpes, intervenções militares, rupturas ou tentativas de ruptura da legalidade constitucional.” Os fatos lembrados por ele não deixam dúvidas. Só a Constituição de 1988 enfrentou esse triste legado. Foi contra a democracia constitucional que o governo Bolsonaro executou sua conspiração. A extrema direita golpista ganhou aliado de peso, o candidato a autocrata dos Estados Unidos, Donald Trump. Com o regozijo dessa direita, Trump bombardeou a economia brasileira.
Os dias têm sido
estranhos. Eduardo
Bolsonaro chamou o ministro Alexandre
de Moraes de “violador
dos direitos humanos”. Em 2016, Jair
Bolsonaro exibiu camisa com os dizeres, “direitos humanos: esterco
da vagabundagem”. Em 2018, garantiu “conosco não haverá essa politicalha de
direitos humanos”. Cumpriu o prometido. Durante a pandemia, quando os
brasileiros lutavam pelo direito à vida, o então presidente fez chacota do
sofrimento, imitou uma pessoa morrendo sem ar e chamou
de “mimimi”, a dor do país que viu 700 mil mortos. Os Bolsonaro dizem
que estão defendendo a democracia. O ex-presidente sempre fez muitos elogios à
ditadura. Com um reparo: “O erro da ditadura foi torturar sem matar”, disse.
Os dias têm sido de ver
lobos tentando se passar por cordeiros. Os que sempre defenderam a tortura
dizem que estão sendo vítimas dela. Eles podem ficar tranquilos. A democracia
constitucional não se vinga. Não é porque Bolsonaro sempre invocou “a memória
de Carlos Brilhante Ustra” que ele será tratado como Ustra tratou os que
morreram no Doi/Codi de São Paulo.
O presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, atirou contra o Brasil com particular violência. O
ministro Alexandre de Moraes foi enquadrado numa lei feita para abusadores de
direitos humanos, e inúmeros produtos brasileiros enfrentarão a maior tarifa já
imposta por Trump contra os parceiros. O decreto sustenta que as decisões do
governo do Brasil constituem “ ameaça incomum e extraordinária à segurança
nacional, à política externa e à economia americana”. Que disparate. Alega que
as ações contra Bolsonaro constituem “graves abusos dos direitos humanos que
minaram o Estado de Direito no Brasil”.
Na mesma semana, o Brasil
teve novo exemplo do que o bolsonarismo pretendia em relação ao Estado de
Direito no Brasil. O tenente-coronel Hélio Ferreira Lima seguiu o general Mário
Fernandes e confessou que o documento que estava em sua posse era dele mesmo.
Explicou que a ideia de prender ministros do Supremo, escrita no documento, era
apenas “um esboço, um rascunho, um estudo de cenário prospectivo que é previsto
em nossos manuais de inteligência”. Afirmou, inclusive, que nada estava fazendo
de oculto. Surgiu de uma conversa dele com o comandante. “Eu falei que ia fazer
esse cenário, mas quando fui apresentar a ele, a prioridade era outra.”
O tenente-coronel naturaliza
o absurdo, como fizera o general Mário Fernandes, que chamou o plano de matar o
presidente e o vice-presidente eleitos e um ministro do Supremo de “pensamentos
digitalizados”. Ferreira Lima propôs prender os ministros do STF. Na época,
servia na 6ª Divisão do Exército em Porto Alegre.
— Se amanhã sair um
relatório ou um pronunciamento falando “atenção, teve fraude sim”, eu não posso
deixar meu comandante ser surpreendido. Eu tenho que ter alguma coisa para que
a gente comece a discutir com o Estado-Maior.
Este é mais um flagrante de
como estava deteriorado o ambiente dentro das Forças
Armadas, após ataques sistemáticos de Bolsonaro ao processo eleitoral,
ao TSE e à democracia. Um tenente-coronel, servindo em Porto Alegre, acha que
faz sentido e discute com o seu comandante mandar prender ministros do Supremo.
Por essas provas que vêm se
acumulando, pelas 500 confissões, como lembrou o ministro Alexandre de Moraes,
de que o objetivo em 8 de janeiro era criar o caos para haver uma intervenção
militar, ficou mais importante o alerta do ministro Barroso. “Nem todos
compreendem os riscos que o país correu e a importância de uma atuação firme e
vigorosa, mas dentro do devido processo legal.” Os golpistas continuam a agir e
têm agora poderoso aliado.
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