domingo, 3 de agosto de 2025

O fio da história por testemunha - Míriam Leitão

O Globo

A História do Brasil mostra a presença constante de golpistas. A semana mostrou que o risco continua

O Judiciário fez, depois do recesso, uma abertura de gala. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, foi sério e grave como o momento exigia. E puxou o fio da história. “Do início da República até o final do governo militar, a História do Brasil foi a história de golpes, contragolpes, intervenções militares, rupturas ou tentativas de ruptura da legalidade constitucional.” Os fatos lembrados por ele não deixam dúvidas. Só a Constituição de 1988 enfrentou esse triste legado. Foi contra a democracia constitucional que o governo Bolsonaro executou sua conspiração. A extrema direita golpista ganhou aliado de peso, o candidato a autocrata dos Estados UnidosDonald Trump. Com o regozijo dessa direita, Trump bombardeou a economia brasileira.

Os dias têm sido estranhos. Eduardo Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de “violador dos direitos humanos”. Em 2016, Jair Bolsonaro exibiu camisa com os dizeres, “direitos humanos: esterco da vagabundagem”. Em 2018, garantiu “conosco não haverá essa politicalha de direitos humanos”. Cumpriu o prometido. Durante a pandemia, quando os brasileiros lutavam pelo direito à vida, o então presidente fez chacota do sofrimento, imitou uma pessoa morrendo sem ar e chamou de “mimimi”, a dor do país que viu 700 mil mortos. Os Bolsonaro dizem que estão defendendo a democracia. O ex-presidente sempre fez muitos elogios à ditadura. Com um reparo: “O erro da ditadura foi torturar sem matar”, disse.

Os dias têm sido de ver lobos tentando se passar por cordeiros. Os que sempre defenderam a tortura dizem que estão sendo vítimas dela. Eles podem ficar tranquilos. A democracia constitucional não se vinga. Não é porque Bolsonaro sempre invocou “a memória de Carlos Brilhante Ustra” que ele será tratado como Ustra tratou os que morreram no Doi/Codi de São Paulo.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, atirou contra o Brasil com particular violência. O ministro Alexandre de Moraes foi enquadrado numa lei feita para abusadores de direitos humanos, e inúmeros produtos brasileiros enfrentarão a maior tarifa já imposta por Trump contra os parceiros. O decreto sustenta que as decisões do governo do Brasil constituem “ ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia americana”. Que disparate. Alega que as ações contra Bolsonaro constituem “graves abusos dos direitos humanos que minaram o Estado de Direito no Brasil”.

Na mesma semana, o Brasil teve novo exemplo do que o bolsonarismo pretendia em relação ao Estado de Direito no Brasil. O tenente-coronel Hélio Ferreira Lima seguiu o general Mário Fernandes e confessou que o documento que estava em sua posse era dele mesmo. Explicou que a ideia de prender ministros do Supremo, escrita no documento, era apenas “um esboço, um rascunho, um estudo de cenário prospectivo que é previsto em nossos manuais de inteligência”. Afirmou, inclusive, que nada estava fazendo de oculto. Surgiu de uma conversa dele com o comandante. “Eu falei que ia fazer esse cenário, mas quando fui apresentar a ele, a prioridade era outra.”

O tenente-coronel naturaliza o absurdo, como fizera o general Mário Fernandes, que chamou o plano de matar o presidente e o vice-presidente eleitos e um ministro do Supremo de “pensamentos digitalizados”. Ferreira Lima propôs prender os ministros do STF. Na época, servia na 6ª Divisão do Exército em Porto Alegre.

— Se amanhã sair um relatório ou um pronunciamento falando “atenção, teve fraude sim”, eu não posso deixar meu comandante ser surpreendido. Eu tenho que ter alguma coisa para que a gente comece a discutir com o Estado-Maior.

Este é mais um flagrante de como estava deteriorado o ambiente dentro das Forças Armadas, após ataques sistemáticos de Bolsonaro ao processo eleitoral, ao TSE e à democracia. Um tenente-coronel, servindo em Porto Alegre, acha que faz sentido e discute com o seu comandante mandar prender ministros do Supremo.

Por essas provas que vêm se acumulando, pelas 500 confissões, como lembrou o ministro Alexandre de Moraes, de que o objetivo em 8 de janeiro era criar o caos para haver uma intervenção militar, ficou mais importante o alerta do ministro Barroso. “Nem todos compreendem os riscos que o país correu e a importância de uma atuação firme e vigorosa, mas dentro do devido processo legal.” Os golpistas continuam a agir e têm agora poderoso aliado.

 

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