O Estado de S. Paulo
A velha CLT continua a ter função e, para parte não desprezível dos trabalhadores, a ser considerada instrumento de garantia e segurança
No Brasil, 25,9 milhões de pessoas trabalham por conta própria . Talvez o dado surpreenda, mas está na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do terceiro trimestre de 2025, divulgada na semana passada. O número equivale a um quarto do total de 102,4 milhões de pessoas ocupadas. Poderia ser interpretado como prova forte do desejo dos brasileiros de tocar sua própria empresa, para fugir dos limites de um contrato formal de trabalho. Reforçaria a interpretação de que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em vigor desde 1943, perde importância de maneira acelerada.
Há nessa questão uma certa complexidade, daí
resultados aparentemente contraditórios de pesquisas sobre o tema, tornando
frágeis conclusões de aparência sólida. Levantamento divulgado em junho pelo
Instituto Datafolha concluiu que mais da metade dos brasileiros gostaria de
trabalhar por conta própria: 59% dos entrevistados preferem o trabalho
independente, enquanto 39% optam pelo emprego formal. Entre os jovens de 16 a
24 anos, a diferença é ainda maior: 68% preferem ser autônomos e 28% escolhem o
vínculo empregatício com carteira assinada. Seria a comprovação do
empreendedorismo crescente. Os dados da Pnad parecem reforçar essa tendência.
Outra pesquisa, divulgada na semana passada,
porém, chega a conclusões diferentes. Encomendada pela Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e outras centrais, e realizada pela empresa Vox Populi, em
parceria com o Dieese, a pesquisa O trabalho no Brasil, que ouviu 3.850
pessoas, presencialmente, aponta que mais da metade (56%) dos trabalhadores que
se identificam como autônomos ou empreendedores e já foram empregados formais
gostariam de voltar ao regime da CLT.
A dificuldade de se examinar a questão do trabalho autônomo e do verdadeiro empreendedorismo – desejo e capacidade de buscar inovação para atender às necessidades sociais e pessoais, competência para identificar oportunidades e transformá-las em negócio, habilidade de gerir recursos, sabedoria para decidir, capacidade de adaptar-se às transformações do mercado e da economia, como explica o Sebrae – começa nas estatísticas da Pnad Contínua. A categoria “trabalhador por conta própria” pode estar incluída, ainda que parcialmente, na condição de trabalhador informal, que inclui todos os que trabalham sem proteção legal, como os empregados sem carteira assinada e os trabalhadores por conta própria sem empresa formalizada.
O que não parece ser tão controvertido é o
conjunto de fatores que vêm promovendo grandes mudanças no mercado de trabalho,
trazendo novas formas de contratação de mão de obra e de obtenção de renda.
Reformas profundas na legislação, avanço tecnológico, exigências rigorosas de
competências e habilidades para funções novas, formas mutantes de contratação
de mão de obra (horário, local de trabalho, critérios de remuneração),
desindustrialização que reduziu de maneira dramática a demanda por
profissionais tradicionais, entre outros fatores, estão revirando continuamente
o mundo do trabalho.
De um lado, baixos salários, poucas
possibilidades de ascensão e risco de demissão, que, na interpretação de muitos
trabalhadores, se acentuou com as novas regras trabalhistas, criam dúvidas e
incertezas que, de algum modo, acabam fortalecendo o desejo de empreender. Para
o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, este não passa de um
“empreendedorismo de necessidade”. O aumento do trabalho por conta própria nos
períodos de crise que o Pnad Contínua tem constatado desde sua criação em 2012
fortalece a interpretação do presidente da CUT.
De outro, no entanto, é forte o ideal de
liberdade entre os que optam por trabalhar por conta própria. É um desejo
óbvio. Ver valorizado o esforço individual, ser chefe de si mesmo, ter
autonomia, dispor de flexibilidade em sentido muito amplo, buscar o progresso
pessoal e familiar por meio do próprio esforço, alcançar a prosperidade a
partir de sua própria iniciativa são sentimentos que alimentam o desejo de
empreender. Pode ser um atalho para o êxito profissional e financeiro – ou para
outro destino, não tão brilhante.
A pesquisa da CUT constatou que, dos que se
declararam empreendedores – que, em tese, tinham perfeita noção de sua escolha
profissional –, nada menos do que 58,9% “com certeza não voltariam a ter
carteira assinada”. É uma firme demonstração de convicção do acerto de sua
decisão. O fato de que praticamente outro tanto dos que se identificam como
autônomos e empreendedores que tiveram a experiência de terem sido contratados
pela CLT querer voltar ao regime antigo mostra outro lado da questão.
Criticada, acusada de tolher a modernização
das relações de trabalho, profundamente reformada e limitada, a velha CLT
continua, no entanto, a ter função e, para parte não desprezível dos
trabalhadores, a ser considerada instrumento de garantia e segurança.

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