Valor Econômico
Base que rejeita Bolsonaro, Milei e Kast é
heterogênea e tem pontos de contato com a direita
A ultradireita que viceja na América Latina
não vive uma ascensão irresistível. Ela tem um teto, que pode ser transposto ou
não caso haja uma comunicação eficiente durante a campanha. No caso da eleição
presidencial do Chile, que terá seu segundo turno nas próximas semanas, tudo
indica que essa transposição do teto vai acontecer. E o caso chileno poderá
servir de modelo para a direita brasileira em 2026.
O segundo turno no Chile irá contrapor a comunista Jeannette Jara, que teve 27% dos votos, ao radical de direita José Antonio Kast, que teve 24%. Mas também são de direita, em menor ou maior grau, o terceiro, quarto e quinto colocado, o que dá a Kast amplo favoritismo na rodada decisiva. Antes de qualquer outra análise essa já é uma fotografia que talvez se repita no Brasil ano que vem: uma direita fragmentada no primeiro turno a se unir no segundo turno diante de um governista com rejeição grande.
O que chama atenção no caso chileno é o
favoritismo de um político que tem mais detratores do que admiradores e essa
não é uma realidade presente apenas naquele país. Três pesquisadores da
Fundação Friedrich Ebert apresentaram este mês na Universidade Catolica do Chile
um estudo comparado dos casos de Kast, do argentino Javier Milei e do
ex-presidente Jair Bolsonaro. O levantamento “Mapeando os limites eleitorais da
ultradireita” usa pesquisas de opinião feitas no quarto trimestre de 2023, mas
não há porque imaginar que suas conclusões não sigam válidas.
A parte brasileira da pesquisa, encomendada
para a Quaest, mostrou Bolsonaro com uma rejeição de 56%, ante 58% de Milei e
55% de Kast.
Pesquisa do mesmo instituto da semana passada
mostrou o brasileiro rechaçado por 60%. Kast é desaprovado por 54%, de acordo
com levantamento da Atlas de agora. Milei ganhou as eleições congressuais deste
ano, mas em meio a uma taxa de abstenção bastante alta.
Kast é rejeitado, mas é favorito. Conforme
frisaram os autores Cristobal Rovira, Javier Sajuria e Nerea Palma, os
políticos deste espectro são minoritários e tornam-se competitivos porque
disputam eleições presidencialistas no modelo de segundo turno, e não porque há
um apoio férreo do eleitorado à ideologia que professam. “O eleitorado muitas
vezes se vê forçado a votar no que considera o mal menor e esta situação é
particularmente certa quando o oponente representa ou é um incumbente com baixa
popularidade”, escrevem.
O trabalho joga luz nas heterogêneas maiorias
que, no Brasil, Chile e Argentina, se declaram contra a ultradireita. Divide
essas maiorias em quatro clusters cada uma, agregando eleitores que se
posicionam de um mesmo modo em relação a uma série de questões de valores. É o
que chamam de análise de classes latentes. No caso brasileiro, o
antibolsonarismo consistiria em quatro blocos: os jovens urbanos
“progressistas”, a classe média católica, o “Nordeste feminino e popular” e o
“sul/sudeste popular católico”, popular no caso usado como sinônimo de baixa
renda e “progressista” como de esquerda.
Dos três países o Brasil é o que tem o grupo
majoritário antidireita mais heterogêneo: os quatro clusters quase se
equivalem. Nas Argentina e no Chile, há um predomínio mais marcado de uma
categoria ou outra. No caso chileno, prevalece o chamado “centro pluralista”.
Na Argentina, se destaca o “bloco
progressista educado”, ou seja com ensino superior e liberal do ponto de vista
de costumes.
Na Argentina, Milei ultrapassou o teto do
radicalismo ao propor de modo realista uma política de ajuste fiscal, sem
dourar pílulas. Com isso ele se conectou a camadas do eleitorado que o
detestava, mas estava exausto da hiperinflação.
No Chile, Kast deixou em segundo plano
questões de costumes e focou em duas bandeiras: mão pesada contra o crime e promessa
de freio da imigração. Essas são duas questões quase consensuais entre os
chilenos, mesmo no eleitorado que torce o nariz para a ultradireita, e são dois
pontos que emparedam a esquerda.
Kast também teve o cuidado de se manter
institucional. Mesmo sendo pinochetista, ele não tem flertado com rupturas,
desde que na eleição passada reconheceu imediatamente a derrota no segundo
turno para o atual presidente Gabriel Boric. Apoio à democracia é aparentemente
uma linha vermelha que o eleitorado traçou.
No caso brasileiro, quais são as brechas
pelas quais a direita bolsonarista poderia furar a barreira da rejeição alta?
A pesquisa mostrava que o antibolsonarismo
não aceitava uma política de linha-dura contra o crime. Havia preferência,
neste universo de eleitores, para políticas de caráter social como antídoto ao
aumento da criminalidade.
A mão pesada seria portanto um elemento de
engajamento apenas da minoria bolsonarista. Há sinais de que essa correlação se
alterou. Mas o elemento que parece ser mais importante é o conservadorismo. O
“antidireita” brasileiro é muito mais rígido em questão de costumes do que o
chileno ou o argentino, de acordo com a pesquisa.
Defesa da democracia e limitação à circulação de armas, por outro lado, são limites que uma direita prudente deveria ter cautela ao pensar em testar. A pesquisa mostra que estes são dois pontos que unificam a base antibolsonarista.

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