terça-feira, 18 de novembro de 2025

Negociar como um rio amazônico, por Míriam Leitão

O Globo

COP segue seu curso, contorna os obstáculos e os incorpora na busca por consenso climático

A conferência de Belém tem encontrado caminhos sinuosos que contornam obstáculos, mas, ao mesmo tempo, vai negociando os bloqueios e os incluindo na jornada. Lembra um rio amazônico. De início, quatro grandes itens ficaram de fora da agenda. Pois bem, esses quatro agora viraram um só bloco que corre paralelo e pode desembocar no rio principal, o dos temas da agenda. Houve um olho d’água que surgiu inesperadamente, e ele pode desaguar também no comunicado final, o mapa do caminho para a redução gradual dos combustíveis fósseis.

Ontem foi o primeiro dia da etapa decisiva. Esta é a semana dos ministros, dos tomadores de decisão, e eles começaram a chegar para esses cinco dias finais. Um observador me explicou o seguinte: é como se houvesse três grupos, o G-100 com os assuntos que estão na agenda, o G-4, com os itens sobre os quais se conversa em consultas; e o G-Roadmaps, do qual pode sair o roteiro para zerar o desmatamento e abandonar os combustíveis fósseis.

Uma COP é um caos. Organizá-la e chegar a um acordo que faça essa difícil negociação avançar é um trabalho que às vezes parece impossível. Primeiro, é preciso entender o que foi “mandatado” para a COP, como eles falam, ou seja, qual foi a encomenda que fizeram. Para a nossa reunião, o grande tema pedido é criar indicadores de adaptação que digam como, em que ritmo, de que forma os países têm que se preparar para a mudança do clima que já é inexorável. Aquela que virá pelo efeito dos gases já emitidos.

Tudo parecia certo, até que a África disse “não”. É um “não de qualidade”, me disse uma fonte. Isso porque eles sabem que é fundamental a agenda de adaptação dos países, povos, regiões para os extremos do clima. Só que querem ser financiados para isso. E o dinheiro na mesa é sempre menor do que o esperado e o necessário. Se continuar o impasse, o risco é não sair um acordo sobre indicadores de adaptação. Aí, a COP terá fracassado no que foi pedido a ela .

Mas um rio amazônico, quando faz curvas, surpreende e encanta. Foi o que aconteceu no item Roadmaps. Apesar de em Dubai ter constado no documento final que era preciso pensar na eliminação dos combustíveis fósseis, o assunto ficou voando. Agora, em Belém, o presidente Lula pegou o tema e disse que era preciso ter um mapa do caminho para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. “Eu fiquei surpreso, na verdade eu fiquei chocado”, disse num evento com a ministra Marina Silva, o vice-ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Jochen Flasbarth, na semana passada e foi seguido pela representante britânica na mesa, Rachel Kyte, enviada especial para a mudança do clima do Reino Unido. Mas o mais surpreendente é que eles disseram que se o Brasil for nessa direção, eles apoiarão. “Eu estou completamente com você, Marina”, disse Rachel.

Era um evento organizado na representação do Brasil, não era negociação, mas foi um sinal. Ontem, um observador que acompanha as negociações me disse que, agora que os ministros chegaram, esse debate está ganhando corpo e apoio. O item não está na agenda, nem mesmo nos quatro pontos que ficaram para serem objeto de consulta. O fato é que ele tem crescido, ainda que no ritmo das negociações do clima. O cenário tido como o mais benigno é sair de Belém um mandato, uma encomenda, a um grupo de países para começar a desenhar esse calendário da saída gradual dos combustíveis fósseis. Como tudo numa COP vira sigla, já existe até uma que define isso, é TAFF (de transition away from fossil fuel). Está virando um item concreto ainda que não esteja na agenda. Nos enormes corredores da COP, ontem, um grupo de manifestantes, que aceitou ficar num cercadinho, berrava em coro pelo “fim dos combustíveis fósseis”. Eles querem isso imediatamente.

Já os quatro assuntos pendentes — participação dos governos no financiamento climático, aumento das metas climáticas, transparência no cumprimento dessas metas, e medidas unilaterais de comércio com base em argumentos ambientais — estão se transformando num bloco e podem acabar virando parte do resultado final.

Se o Brasil conseguir organizar tudo isso durante a semana e entregar algum resultado, será, como me disseram, basicamente pela qualidade da condução da presidência brasileira da conferência, porque o ambiente é hostil com a ausência dos Estados Unidos, que fez os outros países desenvolvidos se retraírem.

 

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