domingo, 9 de junho de 2019

Opinião do dia: Noam Lupu*

• O sr. já escreveu livro e artigos defendendo a importância dos partidos no sistema democrático. O papel deles está mudando?

Partidos políticos são vitais. Infelizmente eles têm ficado cada vez mais fracos na região.

Partidos são importantes porque dão alguma estabilidade ao sistema político. Tiram um pouco o peso da personificação e valorizam mais agendas. Partidos fazem com que os políticos possam ser cobrados. Se a cada momento é um, como você pode punir ou beneficiar na próxima eleição?

A ausência de partidos fortes cria oportunidades para candidatos que vêm do nada, baseados no carisma. É um pouco o caso do Bolsonaro.

• Como ter partidos fortes?

Difícil. Políticos não têm incentivos para fazer um investimento de longo prazo, que é o que se necessita para criar um partido forte.


*Noam Lupu, cientista político, da Universidade Vanderbilt (EUA). Entrevista na Folha de S. Paulo, 8/6/2019.

*Pedro S. Malan: O primeiro inverno do governo Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

É difícil de imaginar que possamos seguir com o grau de surpresas e incertezas visto até aqui

“O orgulho nacional é, para os países, o que a autoestima é para os indivíduos: uma condição necessária para o autoaperfeiçoamento. Orgulho nacional excessivo pode produzir belicosidade, excessiva autoestima pode produzir arrogância. Mas, assim como muito pouca autoestima torna difícil dispor de coragem moral, orgulho nacional insuficiente torna improváveis debates políticos vigorosos e eficazes(Richard Rorty)

Há exatos 16 anos comecei a escrever neste espaço. Assim abria meu primeiro artigo (Falsos dilemas, difíceis escolhas): “Nos últimos 12 meses, o Brasil mostrou ao mundo que continua avançando em termos de maturidade política e nível do debate econômico – apesar das aparências em contrário”. Havia, então, razões para um realismo esperançoso; para crer que estávamos em processo de aprendizado que poderia vingar – se a ele fosse dada continuidade.

O governo Lula tinha, então, a mesma idade do governo Bolsonaro, que tem à frente problemas domésticos e internacionais não triviais. As circunstâncias de hoje são muito mais adversas que as de então. Ali, o contexto internacional era cada vez mais favorável, a herança não era maldita e a política macroeconômica não era aquela que o PT havia defendido – pelo contrário.

Dada a gravidade da hora, é valiosa a recomendação final da epígrafe de Rorty: tentar tornar prováveis debates políticos “vigorosos e eficazes”. Isso exige a superação da excessiva polarização atual e o gradual deslocamento para o centro; exige atenuar as posições extremadas que hoje marcam o precário debate nas redes sociais.

Rorty escreveu a propósito de seu país, os EUA. Argumentou que a “esquerda” americana não deveria deixar a “direita” se apropriar totalmente da bandeira do orgulho nacional e do patriotismo; e que os debates não seriam “imaginativos e produtivos” a menos que “o orgulho sobrepujasse a vergonha”. Raymond Aron, por sua vez, recomendava que espectadores engajados deveriam evitar excessos, tanto de entusiasmo quanto de indignação. E Eduardo Giannetti, que os dois gumes da lâmina contivessem os excessos, seja de otimismo seja de pessimismo. Todos – Rorty, Aron e Giannetti – tinham em mente a necessidade de evitar polarizações excessivas que impedissem o diálogo e a busca das convergências possíveis. Que sempre existem.

*Rolf Kuntz: Bolsonaro, muito pitaco e pouca noção de governo

- O Estado de S.Paulo

O presidente confunde governar com mandar, desconhece gestão e embaralha prioridades

Rei dos pitacos e das palavras fora de hora e de lugar, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu numa única semana dizer aos argentinos como votar, propor a extinção de multa para quem levar criança no carro sem cadeirinha, proclamar a inocência de Neymar no caso da acusação de estupro, defender o afrouxamento das normas de trânsito e entrar numa conversa muito estranha sobre moeda única para Brasil e Argentina. Do lado brasileiro, o Banco Central (BC) logo negou haver qualquer estudo sobre o assunto. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, condenou a ideia e foi atacado por internautas, presumivelmente bolsonaristas. A criação da tal moeda, por enquanto chamada peso real, é e será por muito tempo apenas uma fantasia, uma ideia muito distante dos problemas e prioridades atuais e previsíveis.

Mas será prioritário para o Brasil, neste momento, facilitar a posse e o porte de armas ou reduzir o número de radares em estradas? Nem se trata apenas de saber se essas inovações são positivas. Antes de mais nada, trata-se de avaliar a importância desses assuntos na ordem dos problemas brasileiros. Quando se trata de prioridades, as decisões do presidente Jair Bolsonaro podem ser surpreendentes, como têm notado muitos políticos e analistas de assuntos públicos.

Falar de prioridades é falar de agenda, e agenda parece algo desconhecido para o chefe de governo, segundo o deputado Rodrigo Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ambos filiados ao DEM. “Se o governo não tiver agenda, e parece que não tem, vamos fazer a nossa”, disse Alcolumbre à GloboNews. “Não vamos ficar esperando”, acrescentou. O senador poderia mencionar sem dificuldade uma lista de trapalhadas, o desarranjo do Executivo e a desarticulação da chamada base parlamentar. Cumpridos quase cinco meses e meio de mandato, a conclusão parece inevitável: o presidente Jair Bolsonaro chegou ao governo sem uma ideia clara dos desafios mais urgentes, sem uma lista de objetivos bem definidos e articulados e, mais importante, sem entender as funções presidenciais.

Eliane Cantanhêde: Nova onda liberal

- O Estado de S.Paulo

STF confirma uma tendência: 'à esquerda' em costumes, 'à direita' na economia

Apesar de relações instáveis e oscilantes com o Legislativo, o presidente Jair Bolsonaromarcou um gol no Judiciário: a licença dada pelo Supremo para que as empresas e bancos estatais vendam ativos sem licitação e sem consultar o Congresso. E, como disse o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, não foi uma vitória só do governo, mas do Brasil.

As privatizações e concessões à iniciativa privada são um dos pilares da política econômica do ministro Paulo Guedes, que, de um lado, joga todas as fichas na reforma da Previdência para detonar o déficit público e, de outro, articula uma abertura crescente ao capital privado para retomar investimentos, aquecer a economia, gerar empregos e renda. Só por ideologia, e não por inteligência e pragmatismo, pode-se insistir no Estado como propulsor da economia.

Aliás, essa tendência começou no governo Collor, avançou com FHC e, com ressalvas, foi mantida por Lula. A fase mais intervencionista e filosoficamente estatizante foi a de Dilma, com suas canetadas gerando desconfiança sobre o cumprimento de contratos e a independência das empresas.

Pela decisão do STF, as “empresas mães”, como Petrobrás, Eletrobrás e Banco do Brasil, só podem ser vendidas com licitação e aprovação de leis específicas na Câmara e no Senado. Mas essas empresas têm poder e independência para traçar suas políticas, executar suas estratégias e manter ou não suas subsidiárias, algo natural em países desenvolvidos e liberais.

Vera Magalhães: A Reforma da Natureza

- O Estado de S.Paulo

Em projetos e declarações, Bolsonaro troca dados por achismos e revoga bom senso

Em A Reforma da Natureza, um dos livros da saga do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Monteiro Lobato descreve como Emília, a partir de uma fábula contada por Dona Benta, se dispõe a mudar aquilo que ela julga estar errado na conformação da natureza. Tal como Américo Pisca-Pisca, o personagem da fábula, a boneca imagina alterar frutas, animais e tudo o mais e, na base da retórica inflamada e do voluntarismo, põe seu plano em marcha.

Pois Jair Bolsonaro parece ter se inspirado no método emiliano para decidir declarações e projetos de governo. Contra a tal “indústria da multa”? Aumentem-se os pontos para que se perca a carteira de motorista com 40, quiçá 60. Só faltou dizer que, liberados para correr, motoristas serão mais multados, e a tal arrecadação com multas pode subir.

O amigo Maurício Macri passa apuros na eleição argentina? Que tal dar uma forcinha reformando não a natureza, mas a moeda dos dois países? Mais! De todo o Mercosul. Assim como Emília rebatizou os bichos conforme sua conveniência, Bolsonaro também deu nome à sua moeda sonhada: peso real (que imediatamente virou surreal, porque os memes não perdoam).

Como se dará a sonhada integração monetária? Ele não sabe. Afinal, nosso reformador da natureza não entende de economia, como não se cansa de dizer. Mas acha, sabe-se lá baseado em que, que o peso real pode ser uma couraça para evitar a volta da esquerda aos países que o adotarem. Quase um amuleto.

Dorrit Harazim: Fugir da questão ambiental não é opção

- O Globo

Convém não estragar notícias alvissareiras de outros países com o indigesto noticiário ambiental brasileiro

O sul-africano Kumi Naidoo é formado por Oxford e foi o primeiro diretor-executivo do Greenpeace oriundo do continente negro. Atuou por seis anos na combativa ONG ambiental. Em setembro último, assumiu o cargo de secretário-geral da Anistia Internacional e agora comanda a responsabilidade pela radical guinada da organização. Agraciada com o Nobel da Paz (1977) por defender a dignidade humana contra a tortura, a Anistia de Naidoo decidiu que a questão climática global passaria a nortear sua linha de atuação. “Somos conhecidos por nossa luta contra a tortura e a pena de morte”, explicou dias atrás ao diário francês “Libération”, “mas a mudança climática é potencialmente uma condenação mundial à morte”.
Para a biografia da primeira-ministra britânica, Theresa May, a questão ambiental também adquiriu contornos de guinada. Nas semanas que ainda lhe restam como interina à frente do governo (está oficialmente destituída do cargo desde anteontem, 7 de junho, e um novo premier será escolhido em julho), May quer salvar seu lugar na história como líder do que seria a segunda grande revolução do país — a ambiental.

Pressionado em parte por um inesperado ativismo de rua que se espraiou por cidades e vilarejos britânicos e assustou a classe política, o Parlamento aceitou, no dia 1º de maio passado, relatório elaborado por um órgão independente, a Comissão de Mudança Climática (CCC, em inglês) intitulado “Emissão zero: A contribuição do Reino Unido para parar o aquecimento climático”.

Bernardo Mello Franco: Um livro, um filme, um país

- O Globo

Novo livro da antropóloga Lilia Schwarcz discute as raízes do nosso atraso: mandonismo, desigualdade, confusão entre público e privado

O Brasil tem uma história muito particular. A constatação abre “Sobre o autoritarismo brasileiro”, livro em forma de ensaio da antropóloga Lilia Schwarcz. A autora conduz o leitor por um passado que insiste em se fazer presente. Nele estão as raízes do nosso atraso: o mandonismo, a desigualdade, a confusão entre o público e o privado.

O desprezo pelo ensino superior é uma das chagas mais ancestrais. As primeiras universidades da América Latina datam do século XVI: São Domingos (1538), Lima (1551), Cidade do México (1551). Aqui as elites preferiam mandar seus filhos para a Europa. Só mudaram de ideia no século XIX, depois que Napoleão obrigou a Corte a se refugiar na colônia.

O Brasil foi o último país das Américas a abolira escravidão. Lili a observa que a Lei Áurea libertou, mas não integrou. Depois de 131 anos, a clivagem racial persiste. Os jovens negros têm 2,5 mais vezes de chance de ser assassinados que os brancos .“Criamos uma nação profundamente desiguale racista ”, escreve.

A antropóloga desmonta o discurso de que haveria “coitadismo” ou “mimi-mi” na luta por inclusão. “Faz parte dos discursos conservadores ignorar e desautorizar demandas das minorias”, afirma. “Enquanto persistir o racismo, não poderemos falar em democracia consolidada.”

Ascânio Seleme: Ministros que poderiam ser

- O Globo

Quem teria lugar de honra no governo e seria páreo duro para Damares Alves, Abraham Weintraub e Ernesto Araújo

Para não dizer que apenas Bolsonaro é capaz de chamar ministros esquisitos para o governo, vale lembrar algumas figuras que fizeram História no Brasil e que poderiam muito bem compor a equipe atual. Já houve quase tudo no cenário da política nacional. Teve um ministro que preferia fazer poesias a governar, outro mais belicista do que qualquer membro do ministério atual. Nos primórdios da nova democracia brasileira, um ministro inventou um vernáculo para o idioma pátrio. Mais recentemente, surgiu outro que, embora fosse brasileiro, falava português tão mal quanto o colombiano que foi ministro da Educação. Para não amolar o leitor, vou fazer uma lista breve, apenas com os grandes destaques. Aqueles que teriam lugar de honra no governo e que seriam páreo duro para Damares Alves, Abraham Weintraub e Ernesto Araújo.

O Imexível . O número um, o que não faltará em lista alguma, mesmo daqui a cem anos e 25 novos ministérios, é o saudoso Antônio Rogério Magri, ministro do Trabalho de Fernando Collor de Mello. Magri criou uma nova palavra no idioma nacional ao dizer que era “imexível” no Ministério, quando começaram a surgir as primeiras denúncias contra ele. Um dia, o ministro levou prostitutas para uma reunião da OIT na Suíça e deixou-se fotografar ao lado delas. Mais tarde, explicou assim o fato de ter recebido propina para facilitar liberação de recursos do FGTS: “O dinheiro caiu do céu”. Mas a melhor foi a explicação que deu ao ser flagrado levando seu cachorro ao veterinário num carro de serviço do ministério: “Meu cachorro é um ser humano como outro qualquer”. Magri causaria inveja em Damares.

O ministro bomba . Dentro desse governo que se diz “armamentista”, Roberto Amaral cairia como uma luva. Ele foi ministro de Ciência e Tecnologia do governo Lula. Numa de suas primeiras declarações, logo depois da posse em janeiro de 2003, o ministro disse à BBC que o Brasil deveria dominar a tecnologia da bomba atômica. Imaginem que maravilha, que alegria para Jair Bolsonaro, ter entre os seus um ministro desse calibre. Roberto Amaral vivia mais no mundo da lua do que o ministro astronauta Marcos Pontes. Ele seria um representante brasileiro no exterior à altura do chanceler Araújo, não deixaria uma ponte em pé.

O texano . Muito antes de Ricardo Vélez Rodríguez aportar na Esplanada dos Ministérios falando um português difícil, complicado, houve outro que soava como estrangeiro. Trata-se de Mangabeira Unger, guru de Ciro Gomes, que fala português com sotaque de americano do Texas. Mangabeira disse em 2005 que o governo Lula era o mais corrupto da História do Brasil. Dois anos depois, convidado por Lula, assumiu a Secretaria de Assuntos Estratégicos dizendo que havia no país “uma nova vanguarda vinda debaixo”. Seria sócio fácil da turma atual.

Míriam Leitão: O custo dos erros da Odebrecht

- O Globo

A Odebrecht não é vítima da operação Lava-Jato, a empreiteira verga ao peso dos seus erros de conduta e de gestão

A Odebrecht oscilou como um pêndulo sobre a economia brasileira, nos últimos dias. Seu pedido de recuperação judicial é visto com uma dúvida: o que será o fato detonador? Há anos a empresa que já foi o maior grupo privado do Brasil sangra em praça pública, mas os fatos se precipitaram quando a Atvos anunciou que quebrara e a holandesa LyondellBasell avisou que não quer mais comprar a Braskem, operação que era a tábua de salvação da holding.

Do lado dos credores estão vários bancos privados e públicos. O BNDES tem a receber R$ 4 bilhões, da dívida de R$ 40 bilhões da empresa. Os bancos passaram a semana em reuniões para ver a situação de cada um. A Caixa está com poucas garantias. Mas estão todos eles, em maior ou menor grau, expostos: Banco do Brasil, Itaú, BNDES, Santander, Bradesco e Caixa. Em dezembro, 18 bancos fizeram ampla negociação e as ações da Braskem foram dadas em garantia. Sem o comprador holandês, que passou um ano e meio rondando a companhia, as ações caíram 20% e as garantias perderam valor.

A Petrobras estava com tudo pronto com o grupo holandês de petroquímica. A estatal é sócia da Odebrecht na Braskem, só que em posição desvantajosa, porque a empreiteira tem 38% do capital total da Braskem, e a Petrobras, 36%. Do capital votante a Odebrecht tem 50% mais 1. A empreiteira tem o controle e o mando. A estatal é, além de sócia, fornecedora de matéria-prima. Desde o começo das conversas da Lyondell, a Petrobras foi procurada. Ainda no governo Temer, a holandesa perguntou se a estatal queria ser só uma fornecedora de matéria-prima ou parte de um grupo global. 

Merval Pereira: O papel do advogado

- O Globo

Para Rui Barbosa, é fundamental “não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínios a estes contra aqueles”

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) está lançando Advocacia Hoje, uma revista digital a ser distribuída trimestralmente por e-mail e Whatsapp, que, segundo o presidente-executivo da OAB editora, José Roberto Castro Neves, pretende abrir espaço para uma forma mais direta de comunicação com seus filiados, um universo de aproximadamente 1,3 milhão de advogados e 1 milhão de estudantes de Direito.

A revista homenageará sempre um advogado, a começar por Rui Barbosa, com a imagem modernizada para ressaltar a atualidade de seus pensamentos. Entre os textos estão “Advocacia Hoje”, do Presidente da OAB, Felipe de Santa Cruz, sobre os desafios e conquistas da advocacia; Direito Constitucional; Marcus Vinicius Furtado Coelho; Direito Tributário; Luiz Gustavo Bichara; Direito Comercial/Societário Marcelo Trindade; Direito, Literatura e Filosofia Tércio Sampaio Ferraz Júnior; “Nós, os advogados, por eles, os juízes” Luís Roberto Barroso.

Fui convidado para inaugurar uma seção que terá sempre um profissional de fora da área jurídica falando sobre “o papel do advogado”. Segue a transcrição:

“Assim como a imprensa nasceu para dar voz à sociedade civil para se contrapor à força do Estado absolutista, e legitimar suas reivindicações no campo político, o ordenamento jurídico surgiu da necessidade de organizar as sociedades em torno de decisões pactuadas, e defender os direitos individuais, impondo limites à força dos poderosos.

Elio Gaspari: O Judiciário está vitimizando Lula

- O Globo / Folha de S. Paulo

O bom futebol, assim como a Justiça, não precisa de gols marcados com a mão ou com a ajuda de Deus

Uma banda do PT acreditava que a campanha Lula Livre mobilizaria multidões. Isso não aconteceu e a libertação de "Nosso Guia" depende do Judiciário. Só os magistrados sabem como lidarão com o reconhecimento, pelo Ministério Público, de que ele tem direito ao regime semiaberto. A onipotência da toga está construindo o pedestal da vitimização do ex-presidente.

Deixando-se de lado questões como a propriedade do apartamento de Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP), a cegueira da Justiça varreu para baixo do tapete pelo menos quatro casos em que os juízes, como Maradona, recorreram à "mão de Deus" para ajeitar a bola.

O repórter Wálter Nunes revelou que em 2016 o juiz Sergio Moro mandou interceptar os telefones do escritório dos advogados de Lula e disso resultaram relatórios sobre pelo menos 14 horas de conversas.

Gravar advogados é crime. Moro justificou-se informando que não sabia que o número grampeado era dos advogados, pois supunha que fosse de uma empresa de palestras. Vá lá, mas a Polícia Federal diz que o grampo foi colocado porque suspeitava-se de um dos advogados do escritório, talvez metido com crimes. As duas versões não batem.

Um ano antes, Moro divulgou impropriamente o grampo de uma conversa de Lula com a então presidente Dilma Rousseff. Sua conduta foi condenada pelo ministro Teori Zavascki, do STF, e ele justificou-se com um pedido de "escusas". Acrescentou que "jamais foi a intenção desse julgador (...) provocar polêmicas, conflitos ou provocar constrangimentos". Acreditou quem quis.

No ano passado, no fragor da campanha eleitoral, Moro divulgou um anexo de conteúdo inconclusivo e jamais investigado da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci à Polícia Federal.

A esses momentos em que a "mão de Deus" ajudou Moro, some-se a sentença na qual a juíza Gabriela Hardt condenou Lula no caso do sítio de Atibaia copiando e colando um texto que se referia a um "apartamento". A doutora justificou-se dizendo que a prática é comum. Pode ser, mas quem copia e cola um texto alheio fica na obrigação de lê-lo antes de assiná-lo. Isso ela não fez.

Sempre haverá quem diga que esses cacos são detalhes menos relevantes diante do tamanho do serviço que a Lava Jato prestou ao país. Afinal, minutos depois de marcar 1x0 contra a Inglaterra, Maradona fez um dos maiores gols da história do futebol, atravessando todo o campo dos ingleses. Mesmo assim, o bom futebol não precisa de gols marcados com a mão nem com a ajuda de Deus.

Janio de Freitas: Tabela bolsonara

- Folha de S. Paulo

Câmara e Senado forçaram o governo a mostrar sua índole verdadeira

O fim do compra-e-vende entre a Presidência e congressistas, mais do que chegar ao fim como promessa, o faz sem a menor consideração com os ex-presidentes Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma.

Os R$ 20 milhões para cada deputado e cada senador, acenados pelo governo Bolsonaro em troca de aprovações no Congresso, compõem uma soma humilhante para os antecessores e sem precedentes na corrupção política por governos: R$ 11.800.000.000,00.

Câmara e Senado forçaram o governo, mesmo sem planejar fazê-lo, a mostrar sua índole verdadeira na concepção de política. As reprovações e aprovações de projetos e medidas provisórias têm sido por critérios que independem das pressões do governo. Se é apenas temporário não se sabe, em meio à incerteza generalizada, mas o Congresso está com cara de Congresso.

Bolsonaro, por sua vez, quer a imagem de Collor. Arrancada de Batman em jet-ski, ida a pé ao Congresso, outra ida para entregar o besteirol sobre trânsito, encontro com Neymar para abraçá-lo pelo mais caro vexame: todos os dias, uma demonstração do vazio de suas horas de trabalho e decisão. É a imitação do exibicionismo vulgar de Collor, como meio de deter a ruína no conceito tanto dos aliados ideológicos, como dos apoiadores por ignorância.

Para trabalhar a imagem, porém, em princípio Bolsonaro dispõe de mais tempo do que para outras possibilidades de desastre.

Além da recusa a mais uma tentativa de Flávio Bolsonaro contra as investigações que o afligem, cresceram em número e gravidade as suspeitas e evidências que o circundam. No mesmo sentido, ressurge o tema dos negócios que questionam Paulo Guedes.

Trata-se dos sobrepreços em aquisições por ele conduzidas como gestor, com empresa sua, de investimentos dos fundos de Previdência de funcionários da Caixa, Banco do Brasil, Correios e Petrobras.


Há coisas assombrosas mesmo, para somar R$ 385 milhões pagos a mais, com dinheiro dos fundos. E explicações, quando existiram, que invadem o infantilismo. O Ministério Público do Rio e, no caso de Guedes, o Federal estão merecendo atenções que ainda não lhes foram dadas. Os R$ 385 milhões correspondem a uns 120 apartamentos como o da condenação de Lula.

Vinicius Torres Freire: O ‘peso real’ e as fantasias do Jair

- Folha de S. Paulo

Moeda única seria o ponto final de uma longa e malparada integração econômica

Jair Bolsonaro talvez acredite que, se puder pagar um bife em Buenos Aires com um papel colorido chamado “peso real”, Brasil e Argentina terão uma moeda única. Bastaria imprimir, sei lá, 1 trilhão de papeizinhos com a cara de Pelé de um lado e a de Maradona de outro e chamar isso de moeda única.

Tal como foi proposta, essa ideia é outra das fantasias deste governo que regularmente aparece com um plano infalível, como aqueles de arrumar 1 trilhão (com privatização, petróleo ou mágica bolsonariana). Qual o motivo desses despautérios é uma questão.

Um exemplo prático ajuda a entender o disparate.

Bancos centrais têm a tarefa de manter o poder de compra da moeda. Quando a inflação sobe, aumentam os juros básicos da economia (e vice-versa). Assim, regulam mais ou menos o ritmo da atividade econômica, que em geral deve ser freado caso a inflação suba demais.

Esse é um meio importante pelo qual o poder público pode regular a velocidade da economia, no curto prazo: é a política monetária. Um outro é a política de gastos e impostos do governo (política fiscal).

A política fiscal e a monetária se influenciam; devem ser coordenadas ou equilibradas. Gastar mais e elevar juros, como se fez sob Dilma Rousseff, equivale a comer para emagrecer.

Bruno Boghossian: Bolsonaro estimula uma cultura de desrespeito às leis

- Folha de S. Paulo

Ao dar respostas que não medem consequências, presidente exerce uma má influência

Em fevereiro, um agricultor disparou um tiro por acidente dentro de casa, no interior de São Paulo. Chamada pelos vizinhos, a polícia descobriu que sua carabina não tinha registro. Quando foi ouvido pelo juiz, ele disse que não sabia da necessidade de documentação, “pois o Bolsonaro tinha dito que pessoas de bem poderiam ter uma arma”.

Talvez o homem estivesse só tentando inventar uma boa desculpa para o crime. De todo modo, ele pode até acusar o presidente de fazer propaganda enganosa.

Bolsonaro mantém no governo a retórica de que tudo pode ser resolvido num passe de mágica. Para cada problema que enxerga, oferece uma resposta que não mede detalhes nem consequências. A má influência estimula uma cultura do vale-tudo e de desrespeito às leis.

Aquele agricultor paulista comprou uma carabina do sobrinho 20 dias depois que Bolsonaro assinou seu primeiro decreto para flexibilizar a posse de armas. “Sem muita informação, ele acreditou na TV e achou que, como é uma pessoa de bem, poderia comprar uma arma assim mesmo”, disse o advogado do homem à BBC, que noticiou o caso.

Hélio Schwartsman: Estados nervosos

- Folha de S. Paulo

Por que o ideal iluminista de uma racionalidade universal está fazendo água?

“Tudo o que era sólido desmancha no ar.” A frase, de Karl Marx e Friedrich Engels, publicada no “Manifesto Comunista”, de 1848, referia-se ao impacto da revolução burguesa nas relações sociais. Há motivos, contudo, para acreditar que a dupla foi modesta. O que está se desmanchando no ar é o próprio consenso em torno do que significam fatos, objetividade e verdade.

Essa é, só com um pouco de exagero, a tese de William Davies em “Nervous States” (estados nervosos). Trata-se de um livro engenhoso, no qual o autor percorre 400 anos de história das ideias para tentar mostrar por que o ideal iluminista de uma racionalidade universal, desvinculada de emoções e alcançável através da ciência, está fazendo água.

Ele começa com pensadores como Thomas Hobbes e René Descartes. Visita ciências como a medicina e a estatística, que ensaiava seus primeiros passos. Mostra como foi se construindo uma noção de realidade objetiva que serviu então de base para a política, os negócios e a própria democracia modernos.

Luiz Carlos Azedo: Quem acha vive se perdendo

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O presidente Jair Bolsonaro está dando mais importância ao próprio achismo do que ao planejamento estratégico com base em estudos e pesquisas científicas”

O trocadilho de Noel Rosa em Feitio de Oração — “Quem acha vive se perdendo/ Por isso agora eu vou me defendendo/ Da dor tão cruel desta saudade/ Que por infelicidade/ Meu pobre peito invade” —, como diria o colega Heraldo Pereira, ajuda a encaixar os fatos da conjuntura. O samba não se aprende no colégio, explica a canção antológica: “O samba na realidade não vem do morro/ Nem lá da cidade/ E quem suportar uma paixão/ Sentirá que o samba então/ Nasce do coração”. Entretanto, governar não é só paixão. Também se aprende no colégio.

O Brasil tem excelentes escolas de administração pública e uma alta burocracia muito bem qualificada, a quem cabe zelar pela legitimidade e consistência técnica das decisões. O achismo na gestão pública é uma perdição, ainda mais num país de dimensões continentais como o Brasil. A escritora norte-americana Bárbara Tuchman (1912-1989) escreveu um livro que trata do achismo e mostra a cegueira dos governantes em momentos decisivos da história: “Os seres humanos, especialmente as autoridades, costumam ser acometidos de um estranho paradoxo: tomar atitudes totalmente contrárias aos interesses da coletividade e, em última análise, a si mesmos, ainda que elas possam parecer o contrário”. Chamou o fenômeno de “a marcha da insensatez”, expressão que intitula seu livro.

A história está cheia de exemplos de decisões desastradas de governantes. A soberba dos papas da Renascença levou a Igreja Católica ao grande cisma protestante. O rei inglês Jorge III, ao tomar medidas extremamente impopulares em suas colônias americanas, impeliu-as a declarar a independência e a fundar os Estados Unidos. A ocupação de Moscou fez Napoleão perder a guerra na Rússia. As coletivizações forçadas de Stálin provocaram uma escassez crônica de alimentos na antiga União Soviética. O Grande Salto Pra Frente de Mao Zedong matou de fome milhões de chineses. A intervenção norte-americana no Vietnã levou os Estados Unidos ao seu maior desastre militar. Aqui no Brasil, recentemente, a “nova matriz econômica” da ex-presidente Dilma Rousseff jogou o Brasil na sua maior recessão e provocou seu impeachment.

O presidente Jair Bolsonaro está dando mais importância ao próprio achismo do que ao planejamento estratégico com base em estudos e pesquisas científicas, realizados para elaborar políticas públicas mais eficientes. As mudanças nas leis de trânsito, por exemplo, são eloquentes quanto a isso. A confrontação da legislação com seus resultados, em termos históricos e estatísticos, mostra que a política estava na direção correta ao desestimular o uso do automóvel e retirar das ruas os motoristas infratores contumazes. Não apenas devido aos indicadores de mortes violentas, mas também por causa do impacto físico e econômico dos acidentes de trânsito no sistema de saúde pública.

*Alon Feuerwerker: A crise de Itararé (a que não houve) e a dúvida existencial da oposição

- Blog do Noblat / Veja

Oposição, centrão e governo
Semanas atrás, a agitação em torno da anunciada instabilidade, talvez terminal, do governo Jair Bolsonaro trouxe um ânimo para a oposição. Que andava meio entorpecida (natural, nas circunstâncias) e recebeu uma lufada de ar naquele 15 de maio. Baixada a poeira, a realidade se impôs: tudo continua mais ou menos do jeito que estava.

A oposição tem um longo caminho pela frente, pois a hegemonia da direita leva jeito de ser menos provisória do que poderia parecer no pós-eleição. E os atritos intestinos no governo e no bloco político nascido da longa crise (aí sim, a palavra cabe) de 2013-18 são, como a diz palavra, internos. Os personagens em luta pelo poder são uma turma só.

Algum governista está tão infeliz que apoiaria a volta do PT, ou algum satélite? Se você não vive no mundo da lua, e por isso respondeu negativamente, pode concluir fácil que as melancias estão chacoalhando e se ajeitando na carroceria do caminhão situacionista mas ele não está perto de capotar. E nunca esteve. Mais uma batalha de Itararé.

A raiz da agitação está num fato e numa constatação. O fato: a eleição do ano passado teve um vencedor, o bolsonarismo, um perdedor, o petismo, e os dizimados, o chamado centro liberal e a social-democracia não propriamente de esquerda. A constatação: a relativa instabilidade deve-se a que os dizimados querem mandar nos vencedores.

Não há substituto: Editorial / Folha de S. Paulo

Sistema político flexível acomoda presidentes sem apetite ou força para costura parlamentar

A aprovação da reforma constitucional que obriga o governo a honrar as emendas coletivas dos congressistas não deve ser vista apenas como resposta circunstancial ao presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Inscreve-se num longo processo de ascendência do Legislativo federal em que superpoderes presidenciais vieram sendo mitigados.

Nessa marcha, asfixiou-se a margem para o Executivo negociar liberação de verbas por apoio parlamentar. Limitou-se sua prerrogativa de editar medidas provisórias.

A Lei de Responsabilidade Fiscal minou o arbítrio dos administradores. Regulamentos e movimentações de parlamentares e operadores do direito inibiram o uso de canais extraorçamentários, como a Petrobras e o BNDES, pelo mandonismo do presidente da República.

O sistema resultante parece ter-se tornado plástico o suficiente para lidar com presidentes fracos, como foram Dilma Rousseff (PT) após a reeleição e Michel Temer (MDB) após o escândalo da JBS.

Também mostra flexibilidade para acomodar-se à simbiose entre a maioria do Legislativo e o Executivo —marca da primeira fase da gestão do emedebista— e, agora, à sua antítese.
Bolsonaro, afinal, montou o ministério à revelia do Congresso, onde não faz questão de apoio majoritário regular.

Sem concursos: Editorial / Folha de S. Paulo

Urge revisar a estrutura de carreiras do funcionalismo, que dificulta ou impede o remanejamento de profissionais

O ministro Paulo Guedes, da Economia, anunciou a intenção de reduzir o quadro de servidores federais nos próximos anos. Dado que tais trabalhadores desfrutam de um regime de quase estabilidade no emprego, o objetivo deve ser alcançado com a não reposição dos que vierem a se aposentar.

Segundo o ministro, cerca de 40% do funcionalismo terá direito à aposentadoria nos próximos anos, e os concursos ficarão suspensos até segunda ordem.

Trata-se de estratégia tão simples quanto politicamente engenhosa, por evitar conflitos. Resta saber o essencial —se é adequada ao provimento eficiente de serviços à população. Afinal, nada garante que as aposentadorias se concentrem nos setores porventura inchados.

Infelizmente, aliás, inexistem diagnósticos de conhecimento público acerca de excessos e carências de pessoal na máquina federal.

Sabe-se que o número de servidores no Brasil não configura uma anomalia diante de parâmetros internacionais, à diferença das despesas com a Previdência. Todavia eles dispõem de salários médios bem mais elevados que os da iniciativa privada —e têm conseguido manter sua fatia na renda nacional.

Há cerca de duas décadas o gasto com os funcionários civis ativos da União se mantém quase estável como proporção do Produto Interno Bruto, em torno de 1,9%, ao passo que os militares custam 0,4%. Somando-se os inativos e pensionistas, a conta tem oscilado pouco acima dos 4% do PIB.

Reação oportuna: Editorial / O Estado de S. Paulo

Frente à perda de validade da Medida Provisória (MP) 868/2018, que caducou no dia 3 de junho, o Senado deu uma pronta resposta à imperiosa necessidade de uma nova legislação para o saneamento básico. Em votação simbólica, o plenário da Casa aprovou na quinta-feira passada o Projeto de Lei (PL) 3.261/2019, que trata do Marco Regulatório do Saneamento Básico, cujo objetivo é aperfeiçoar a regulação, a titularidade e a delegação dos serviços de saneamento.

É especialmente meritória a celeridade com que o tema foi tratado no Senado. Isso foi possível, em primeiro lugar, pela agilidade do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que, com a proximidade do prazo final de validade da MP 868/2018, apresentou no dia 30 de maio projeto de lei sobre o assunto. O texto incorporou o conteúdo central da MP redigida pelo governo de Michel Temer, bem como emendas apresentadas durante a tramitação da medida no Congresso. O objetivo do PL 3.261/2019 é prover um marco regulatório que, com segurança jurídica, amplie a competição no setor, atraia investimentos e preserve a saúde financeira das empresas estaduais de saneamento.

O País tem uma estrutura absolutamente deficitária de saneamento básico. Como lembrou o senador Tasso Jereissati na exposição de motivos do projeto, “cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada. Metade da população, em torno de 104 milhões de pessoas, não tem acesso aos serviços de coleta de esgoto. Do esgoto coletado, apenas 42% são tratados. São dados graves, que dificultam a melhoria dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e trazem sérios prejuízos sociais e econômicos a diversos setores produtivos, retardando o desenvolvimento da nação”.

Projeto irresponsável: Editorial / O Estado de S. Paulo

Alguns dos projetos de lei, medidas provisórias e decretos com os quais o presidente Jair Bolsonaro pretende cumprir suas principais promessas de campanha primam pela irresponsabilidade. Já havia sido assim no caso do decreto que ampliou a possibilidade de posse e porte de armas no País, que teve de ser refeito por estar eivado de erros formais e de ilegalidades - e, se as vírgulas fora de lugar foram corrigidas, o mesmo não se pode dizer das ilegalidades, que permaneceram na nova versão. Agora é a vez de um projeto de lei, encaminhado pessoalmente pelo presidente Bolsonaro ao Congresso, para alterar o Código de Trânsito Brasileiro.

As mudanças se prestam basicamente para aliviar as sanções aos infratores de trânsito, tanto as multas como a eventual suspensão da carteira de habilitação. O objetivo, segundo informou o presidente, é um só: acabar com o que ele chama de “indústria da multa”.

Assim, em nome dessa missão, Bolsonaro pretende aumentar de 20 para 40 pontos o limite que determina a suspensão da carteira de motorista. “Por mim eu botaria 60”, disse o presidente Bolsonaro, deixando claro que, por ele, talvez nem pontuação devesse haver.

Na justificativa do projeto, lê-se que “a atual complexidade do trânsito brasileiro cada vez mais gera a possibilidade de o condutor levar uma autuação do trânsito, ainda que não tenha a intenção de cometê-la”, razão pela qual “alcançar os 20 pontos está cada dia mais comum na conjuntura brasileira”. Ora, tal argumento é de uma imprudência gritante: por ignorar a “complexidade” das regras de trânsito, o motorista poderia então cometer irregularidades à vontade, sob a proteção do Estado.

Expansão dos Verdes na Europa é alerta ao Brasil: Editorial / O Globo

Com o crescimento do grupo nas eleições da UE, não é inteligente ir contra políticas preservacionistas

A imagem do governo Bolsonaro nas questões de meio ambiente começou a ser degradada ainda na campanha, quando foram feitas promessas que resultariam em recuos sérios no trabalho de prevenção, principalmente na Amazônia.

Houve alguns recuos, como a preservação do Ministério do Meio Ambiente, sem transformá-lo numa autarquia da pastada Agricultura. Contribuiu para a decisão o alerta feito ao ainda candidato Bolsonaro pelo próprio agronegócio, sobre as sanções que as exportações de carnes e grãos brasileiros enfrentariam— e enfrentarão—caso as áreas de produção sejam consideradas de desmatamento ilegal.

Mas a entregada pastado Meio Ambiente a Ricardo Salles, crítico do preservacionismo, nada ajuda. Para reforçara percepção de que os cuidados com o meio ambiente estão sendo relaxados, dados recentes mostram que o desmatamento na Amazônia tem ganhado velocidade. Segundo o Imazon, a derrubada de árvores, em janeiro, aumentou 54% na região em comparação ao mesmo mês de 2018.

Isso costuma acontecer quando a indústria do desmatamento ilegal detecta recuos na política ambientalista. Ela se antecipa e põe mais motosserras para funcionar.

Assim, foi uma surpresa positiva que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em Paris, no fim de maio, tivesse uma audiência com o colega francês, Jean-Yves Le Drian, e acenasse para ele com o aprofundamento do diálogo entre Brasil e França sobre meio ambiente e direitos humanos, outro tema sensível para os franceses. Araújo propôs, ainda, a visita de especialistas para melhorar a compreensão da França acerca da real postura brasileira sobre os dois assuntos.

Ações confusas minam a confiança do Congresso no governo Bolsonaro: Editorial / O Globo

Episódio da volta do Coaf para o Ministério da Economia é mais um caso de descoordenação política

Os primeiros cinco meses demonstraram que as principais dificuldades do presidente Jair Bolsonaro derivam da sua complicada relação com o Legislativo. O desgate precoce é evidente, consequência de uma inédita situação de declínio da confiança do Congresso num governo que tem apenas 21 semanas.

É notável que esse processo de corrosão de credibilidade tenha raízes na tumultuada base governamental. Curiosamente, até agora não se viu no Congresso um único episódio relevante de embaraço ao governo provocado pela oposição.

Caso exemplar ocorreu na noite da última quarta-feira, quando foram apreciadas duas dezenas de vetos presidenciais, metade do governo Michel Temer. Líderes de Bolsonaro realizaram uma negociação sobre a qual, no final, nem mesmo eles se entenderam. Aceitaram a derrubada de alguns vetos presidenciais sem se ater ao potencial aumento do déficit público, com renúncia de receita, anistias — inclusive a partidos — e concessões de incentivos regionais e setoriais.

A confusão entre os líderes governistas teve como pano de fundo a disputa no partido do presidente, o PSL, pela candidatura à prefeitura de São Paulo na eleição de 2020.

Proposta que ordena prazos de MPs amplia poder de líderes sobre agenda do governo

Painel / Folha de S. Paulo

Ergam-se os muros A proposta que determina prazos para a tramitação de medidas provisórias no Congresso amplia sobremaneira os poderes das cúpulas partidárias –inclusive da oposição. O projeto, já aprovado pela Câmara, diz que MPs devem ser votadas nas comissões especiais em até 40 dias ou caducam. Cabe aos líderes a indicação dos membros desses colegiados e a ordem para eventuais trocas em sua composição. A capacidade de articulação do governo, já em xeque, será posta em dupla prova.

Pedreira Se o projeto for aprovado, o Planalto vai precisar contar com a simpatia dos líderes partidários para garantir que a montagem das comissões não leve suas propostas a um ambiente inóspito.

Espero sentada Com as mudanças, o poder das legendas de esquerda, que têm assento regimental nesses colegiados, também cresceria. Unida e articulada a partidos de centro, a oposição poderia derrubar propostas do governo sem nem sequer levá-las a voto, apenas obstruindo sessões.

Nem tanto ao mar O saldo final do texto aprovado pela Câmararesultou em tamanho poder para as bancadas que parlamentares que não são exatamente simpáticos ao Planalto alertaram senadores, que agora vão analisar o texto, de que talvez seja melhor dar a ele nova calibragem.

Liberais x liberais Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES e egresso da Universidade de Chicago, assim como o ministro Paulo Guedes (Economia), preparou relatório para distribuir na comissão especial da Previdência com duras críticas à proposta do governo.

Liberais x liberais 2 Ele calculou que um trabalhador com carteira assinada que recebe um salário mínimo já paga ao INSS ao longo da vida mais do que recebe. Com as mudanças, diz, o valor da contribuição vai dobrar.

Para todos O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) trabalha para manter estados e municípios na reforma da Previdência. Ele vai coletar assinaturas de parlamentares que apoiam a medida e fazer um manifesto.

Prazo preocupa relator da liberdade econômica

Coluna do Estadão

Devido à amplitude do tema, o relator da MP da Liberdade Econômica, Jerônimo Goergen (PP-RS), se preocupa com o prazo da proposta, que caduca em setembro. Já foram apresentadas 301 emendas, das mais variadas — desde o fim da tabela da frete até a permissão para usinas de biodiesiel funcionarem aos domingos (como o maquinário leva dois dias para desligar, hoje, elas pagam multas). Para evitar que a tramitação se arraste, a intenção dele é apresentar logo um relatório, para ir negociando com os parlamentares já com base no texto.

Obstáculo. Outra dificuldade à vista é o recesso. Apesar de a contagem do prazo ser interrompida no período, os parlamentares se desmobilizam quando ele se aproxima e demoram a engrenar quando voltam.

Jeitinho. Goergen quer usar a amplitude a seu favor. Por tratar de temas que vão do tributário ao trabalhista, ele enxerga “muita margem” para negociar, inclusive com a oposição.

Campo minado. A expectativa de Paulo Gontijo, presidente nacional do Livres, é de que o texto seja “bastante atacado em função da composição da comissão”: muita gente com inclinação para a centro-esquerda.

Confiante. Segundo Paulo Uebel, secretário de Desburocratização do Ministério da Economia, o governo está otimista. “As emendas para ampliar a liberdade econômica são bem vindas. É o processo democrático.”

Critério… Não passou despercebido pelo TCU o veto de Jair Bolsonaro ao projeto de lei que criava concursos de literatura regionais. O texto não indicava como a proposta seria financiada.

…seletivo. A justificativa é correta, mas não foi utilizada na prorrogação de benefícios fiscais da Sudam e Sudene, com impacto de R$ 40 bilhões. Essa sanção é alvo de processo relatado pelo ministro Bruno Dantas.

Pupilo. Deputados se queixam esfíngico relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira. Contam que ele ouve bastante, mas, ao final das reuniões, todos saem sem a menor noção do que ele achou. Aprendeu com Geraldo Alckmin.

Joaquim Cardoso: Aquarela

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela;
Cheiro de chão que amanhece.
Estavas sob a latada
Quando te abri a janela.

Cheiro de jasmim laranja
Pelos jardins anoitece;
Junto a papoulas dobradas,
Num canteiro florescendo,
A tua saia singela.

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...

Não sei se és tu, se eras outra,
Não sei se és esta ou aquela,
A que não quis nem me quer,
Fugindo sob a latada
Nessa tarde de aquarela.

Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...

Antonio Nóbrega: Rasga do Nordeste