- Folha de S. Paulo
Ao dar respostas que não medem consequências, presidente exerce uma má influência
Em fevereiro, um agricultor disparou um tiro por acidente dentro de casa, no interior de São Paulo. Chamada pelos vizinhos, a polícia descobriu que sua carabina não tinha registro. Quando foi ouvido pelo juiz, ele disse que não sabia da necessidade de documentação, “pois o Bolsonaro tinha dito que pessoas de bem poderiam ter uma arma”.
Talvez o homem estivesse só tentando inventar uma boa desculpa para o crime. De todo modo, ele pode até acusar o presidente de fazer propaganda enganosa.
Bolsonaro mantém no governo a retórica de que tudo pode ser resolvido num passe de mágica. Para cada problema que enxerga, oferece uma resposta que não mede detalhes nem consequências. A má influência estimula uma cultura do vale-tudo e de desrespeito às leis.
Aquele agricultor paulista comprou uma carabina do sobrinho 20 dias depois que Bolsonaro assinou seu primeiro decreto para flexibilizar a posse de armas. “Sem muita informação, ele acreditou na TV e achou que, como é uma pessoa de bem, poderia comprar uma arma assim mesmo”, disse o advogado do homem à BBC, que noticiou o caso.
Não se pode culpar Bolsonaro diretamente pelo comportamento de cada brasileiro, é claro, mas sua conduta irresponsável no cargo abre caminho para um mundo simplista.
O próprio presidente incentiva a desobediência. Sua campanha para afrouxar leis de trânsito arrepia até deputados. “Por ser um homem que comanda a nação, a palavra dele tem impacto. Quando ele fala, as pessoas podem compreender que já é lei”, disse à Folha Christiane Yared (PL), que perdeu o filho num acidente.
O discurso impulsiona desde motoristas que aceleram em estradas sem radares até madeireiros que desmatam sob a perspectiva de um novo tempo no meio ambiente.
É difícil acreditar que um presidente que usou a comunicação para se eleger não conheça o peso de suas palavras. É mais provável que Bolsonaro simplesmente não se importe com os efeitos daquilo que diz.
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