- O Globo
Novo livro da antropóloga Lilia Schwarcz discute as raízes do nosso atraso: mandonismo, desigualdade, confusão entre público e privado
O Brasil tem uma história muito particular. A constatação abre “Sobre o autoritarismo brasileiro”, livro em forma de ensaio da antropóloga Lilia Schwarcz. A autora conduz o leitor por um passado que insiste em se fazer presente. Nele estão as raízes do nosso atraso: o mandonismo, a desigualdade, a confusão entre o público e o privado.
O desprezo pelo ensino superior é uma das chagas mais ancestrais. As primeiras universidades da América Latina datam do século XVI: São Domingos (1538), Lima (1551), Cidade do México (1551). Aqui as elites preferiam mandar seus filhos para a Europa. Só mudaram de ideia no século XIX, depois que Napoleão obrigou a Corte a se refugiar na colônia.
O Brasil foi o último país das Américas a abolira escravidão. Lili a observa que a Lei Áurea libertou, mas não integrou. Depois de 131 anos, a clivagem racial persiste. Os jovens negros têm 2,5 mais vezes de chance de ser assassinados que os brancos .“Criamos uma nação profundamente desiguale racista ”, escreve.
A antropóloga desmonta o discurso de que haveria “coitadismo” ou “mimi-mi” na luta por inclusão. “Faz parte dos discursos conservadores ignorar e desautorizar demandas das minorias”, afirma. “Enquanto persistir o racismo, não poderemos falar em democracia consolidada.”
O brasileiro gosta de se ver como “tolerante” e “pacífico”. Essas definições, argumenta a autora, têm pouca conexão coma realidade. “Não sobrevivem a um enfrentamento no campo, a uma batida da polícia nas cidades, a uma discussão entre políticos, a uma briga no trânsito.”
A política, por sinal, ocupa boa parte do livro. Lilia lembra que a captura do Estado por interesses particulares vem de longe. “Por aqui sempre fez falta o interesse pelo coletivo”, observa. “Como nossa República é frágil, ela se torna particularmente vulnerável ao ataque de seus dois principais inimigos: o patrimonialismo e a corrupção.”
Num salto histórico, a antropóloga vê nas manifestações de 2013 a origem de um processo de radicalização que ainda parece longe do fim. Na visão dela, o impeachment de Dilma Rousseff destampou de vez o “caldeirão de ressentimentos”, liberando os discursos de ódio e a polarização. Ambiente ideal para a ascensão de “pretensos outsiders, políticos autoritários, oportunistas e populistas, que se dizem acima e além dos demais”, escreve. Mais uma vez, o passado ajuda a entender o presente.
Estreia dia 19, na Netflix, o documentário “Democracia em vertigem”. O filme de Petra Costa mergulha nos bastidores da queda de Dilma. Numa das melhores cenas, servidores do Palácio da Alvorada carregam retratos, roupas e até o colchão usado pela presidente deposta. O filme mostra como um deputado do baixo clero conseguiu se projetar na onda antipetista. Numa sequência, ele recebe a equipe de filmagem e exibe, orgulhoso, uma galeria de retratos dos presidentes da ditadura. O dono do gabinete era Jair Bolsonaro.
A coluna volta em julho. Até lá.
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