O julgamento começa na quinta-feira da próxima semana, mas antes que os acusados entrem em cena, o Supremo Tribunal Federal (STF) também será cobrado a dar explicações. A questão é simples na aparência: por que o tribunal adotou decisões diferentes ao analisar os processos relativos aos "mensalões" do PT e do PSDB? O fato de ser reapresentada pela terceira vez mostra a extensão de sua complexidade.
O mensalão do PT, cujo julgamento começa em 2 de agosto, tem 38 dos 40 acusados originalmente pelo Ministério Público Federal em março de 2006 (nesse período, um morreu e outro fez acordo para cumprir pena alternativa). Dos 38, são 35 os réus que, em tese, deveriam responder pelas acusações no juízo da primeira instância. Os outros três são deputados federais no exercício do mandato, portanto, com direito a foro privilegiado por prerrogativa de função. Ou seja, serem julgados pelo STF.
O mensalão do PSDB relaciona 14 acusados, inclusive dois senadores. No que parece uma contradição, o Supremo remeteu para a primeira instância os réus sem direito ao foro e manteve no tribunal apenas os dois parlamentares denunciados - o deputado federal Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas, ex-senador e ex-presidente do PSDB, e o atual senador Clésio Andrade (PMDB-MG), à época dos fatos presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes.
Supremo também deve explicação clara e convincente
A primeira menção ao mensalão do PSDB surgiu na mesma CPI que investigou o mensalão do PT. De início um conjunto de papéis denominado de "lista de Furnas" que mais parecia uma montagem. Mas que foi suficiente para dar origem a um inquérito da Polícia Federal. Segundo a PF e o Ministério Público Federal, o mensalão do PSDB - também chamado de "mensalão mineiro" - foi uma espécie de laboratório para o mensalão do PT, um esquema de compra de votos no Congresso, de acordo com a denúncia.
Independentemente da discussão sobre o foro - como diz o próprio nome, um privilégio que não se justifica numa sociedade em que todos deveriam ser iguais perante a lei -, o fato é que o Supremo tratou de maneira diferente os réus de um caso e outro. No mensalão do PT, quem tem e quem não tem direito a fôro privilegiado será julgado pelo tribunal. No caso do mensalão do PSDB, apenas os parlamentares Alguns dos réus, aliás, são os mesmos nos dois processos, como o empresário Marcos Valério.
Condenados, os réus não parlamentares, em princípio, poderiam recorrer a instâncias superiores até chegar ao Supremo. Na situação atual, restaria aos réus do mensalão do PT tentar embargar a decisão. No mesmo tribunal que já os condenou, diga-se. Se a mesma sorte couber aos "civis" do mensalão mineiro, a condenação ainda poderá ser revista por outras instâncias - garantia assegurada a toda pessoa acusada da prática de delito, enquanto sua culpa não é legalmente comprovada.
Pelo menos três advogados dos 38 acusados pretendem levantar essa questão de ordem, antes mesmo de o julgamento começar. O Supremo decidiu em duas ocasiões que os réus devem ser julgados pelo tribunal. A primeira, numa decisão de plenário; a outra, pelo relator, ministro Joaquim Barbosa. O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de defesa dos executivos do Banco Rural, acha que conseguirá apresentar a questão sob uma nova perspectiva
Ocorre que depois da decisão do plenário já houve um outro caso semelhante em que o veredito foi diferente: o "mensalão mineiro". Embora os fatos denunciados tenham ocorrido anteriormente (1998), a denúncia só foi apresentada ao tribunal em 2007, enquanto a denúncia contra os mensaleiros petistas já estava no tribunal desde março de 2006. O relator Joaquim Barbosa, no entanto, considerou que a decisão anterior é que vale, não há mais o que analisar.
Trata-se de uma questão, na realidade, sobre a qual o Supremo Tribunal Federal tem a obrigação de dar uma decisão convincente. Entre os acusados, não são poucos os que esperam por um pretexto para questionar a legitimidade de uma eventual condenação, sob o argumento de que o tribunal não tomou uma decisão técnica, mas política. Não será útil o cenário de o julgamento ganhar a perspectiva da disputa PT x PSDB.
No trâmite do julgamento, a questão de ordem é feita antes de os ministros começarem a discussão do processo. A contradição aparente ainda poderá voltar como uma "preliminar", quando o Supremo já estiver discutindo o que está nos autos: a maioria dos acusados "políticos" duvida que o STF volte atrás na sua decisão de julgar os 38 réus do mensalão do PT, mantendo o discurso de que a denúncia só faz sentido se analisada globalmente.
O processo do mensalão do PT é uma exceção. Até onde a memória alcança, os advogados não lembram de outro julgamento com réus com foro privilegiado dividirem o mesmo processo com acusados que não dispõe da mesma prerrogativa.
Na contagem regressiva para o julgamento, algumas surpresas de última hora chamam a atenção. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, sentiu-se na obrigação de explicar sua decisão de aprovar contratos de publicidade que, segundo a denúncia, teriam servido de canal para irrigar as contas do mensalão com dinheiro público. Em 2005, em uma tomada de contas especial, o tribunal entendeu que poderia haver irregularidade. Agora, o TCU mudou de ideia, por 19 a 0, com base numa lei que foi promulgada em 2010, no governo do ex-presidente Lula.
É uma decisão que pode ter impacto no julgamento, assim como o fato de a Polícia Federal ter emitido um laudo técnico segundo o qual os empréstimos feitos pelo PT no Banco Rural e no BMG não foram uma ficção, existiram na realidade. O PT, nesse período, quitou o que teria tomado emprestado do Banco Rural e pode ser obrigado a ressarcir, por decisão da Justiça Federal pendente de recurso, os empréstimos que o publicitário teria tomado em seu nome.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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