“Referia-se com apreensão ao que poderia caracterizar-se como patrimonialização crescente do Estado brasileiro. Prisioneiro, cada vez em maior medida, de interesses triviais, autorizando gastos a todos os egressos da imensa família rural, o Estado perdia a capacidade de discernir o interesse geral, de atender necessidades estratégicas. Apegados como estavam ao patrimonialismo , os partidos se haviam tornado, como dizia Nabuco, “apenas sociedades cooperativas de emprego ou de seguro contra a miséria”. Corria-se o risco de que, quando finalmente fossem adotados o abolicionismo e as reformas , seu nascimento fosse tardio e não póstumo.
Não é necessário insistir sobre a atualidade de Nabuco, de suas advertências contra a dilapidação do Estado, de seu chamado para a transformação social, de seu apreço pela política de maior alcance, de sua índole democrática. Que melhor tributo prestar-se hoje a esse grande brasileiro senão continuar apostando no método democrático para a superação dos nossos estigmas sociais? Nada se contrapõe mais ao legado de Nabuco do que deixar que a intransigência prevaleça sobre o diálogo e aceitar que as paixões, por legítimas que sejam, sufoquem o respeito à diferença. Tomara saibamos seguir fazendo da reconciliação democrática a melhor arma contra a pobreza, contra a imperdoável indigência material em que continuam vivendo milhões de brasileiros.”
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. In. Pensadores que inventaram o Brasil, p. 41. Companhia das Letras , 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário