As manifestações de rua, de dois meses atrás, detonadas pelas demandas de redução das tarifas de transporte coletivo, ganharam grande amplitude por articularem ingredientes básicos da indignação social. Que podem ser assim resumidos: o paradoxo entre a enorme carga tributária e as limitações e a baixa qualidade dos serviços públicos; a ineficiência e a prática de corrupção por governantes e políticos dos três níveis do Estado brasileiro (o que foi fortemente influenciado pelo processo do mensalão); e efeitos da pressão inflacionária combinados com perspectivas e indicadores negativos do comportamento da economia.
Após o esvaziamento e a suspensão daquelas manifestações (devidos ao preparo da vinda do papa Francisco para a Jornada Mundial da Juventude e à chegada das férias escolares), o espaço e a repercussão delas passaram a ser disputados na capital paulista, primeiro, pelas centrais sindicais, por meio de palavras de ordem que misturavam uma agenda corporativista ao propósito do PT, através da CUT, de defesa do governo federal; e, na sequência, após o fracasso desses objetivos, por grupos partidários estreitos e radicais e por alguns sindicatos ligados a eles, com a realização de atos ainda mais estreitos. Os quais, logo depois de começados, passam a ser conduzidos por mascarados do Black Bloc – e por sua retórica anarquista, “anticapitalista” e as correspondentes diretivas para invasão e depredações de equipamentos públicos e de propriedade privada, com destaque para as agências bancárias, além de incluir agressões a veículos de mídia e a vários de seus profissionais. Tudo isso envolvendo a interdição de rodovias e de corredores de trânsito urbano, contando com a parceria de assaltantes e beneficiando-se da omissão ou da leniência das forças de segurança, quase paralisadas pelo receio de serem acusadas de repressão a protestos populares.
Finalmente e felizmente, a sociedade passou a emitir sinais de clara distinção entre esses atos criminosos e as manifestações de junho, bem como a reclamar das autoridades policiais e do Ministério Público respostas efetivas e duras a tais atos e aos responsáveis por eles. Sinais que estão sendo reforçados por avaliações e cobranças semelhantes feitas por respeitados jornalistas e em editoriais dos grandes veículos da imprensa. Sem que isso iniba – pois ao contrário poderá contribuir para – possível e desejável retomada de manifestações amplas e legítimas, como as de junho.
Seguem-se trechos de um desses editoriais, da Folha de S. Paulo de domingo último, com o título “Direito de todos” e o “olho” “Democracia deve garantir livre manifestação, mas precisa levar autores de atos de violência a responder na justiça”: “As manifestações de junho passado, quando centenas de milhares de brasileiros foram às ruas exerceram efeitos notáveis. Sacudiram o sistema político do torpor em que se encontrava e revelaram saudável inconformismo, expresso no maciço apoio aos protestos. Mas o momento passou: as manifestações arrefeceram. Não existe fórmula que resolva, num passe de mágica, os graves problemas apontados”. “Nesta fase de refluxo, porém, subsiste uma dispersão de grupúsculos empenhados em sustentar a antiga chama. Incapazes de mobilizar multidões, recorrem à violência no afã de multiplicar a repercussão de seus esquálidos protestos”. “É preciso repetir o óbvio. Cabe às autoridades garantir o direito de manifestação pacífica. Mas compete às mesmas autoridades coibir todo ato de violência contra qualquer pessoa ou contra o patrimônio público e privado.” “Pouco importa que os vândalos sejam ideólogos do ressentimento, indivíduos de temperamento exaltado ou meliantes e provocadores infiltrados na confusão. A lei é a mesma para todos. A democracia representativa é o único regime que protege os que pregam sua destruição, concede-lhes uma generosidade que jamais retribuiriam. Impedi-los de impor sua pregação pela força não é um direito do regime democrático mas sua obrigação mais irrecusável”.
Jarbas de Holanda é jornalista
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