É o retrato de uma sociedade cada vez mais voltada para os holofotes - ou das fotografias instantâneas postadas em redes sociais - e do culto à(s) personalidade(s). No filme em cartaz "Bling Ring - A gangue de Hollywood", a diretora Sofia Coppola mostra a história real de um grupo de adolescentes americanos de classe média que, entre 2008 e 2009, despertaram a inveja dos colegas de "high school". Invadiam mansões de artistas ou de socialites, como Paris Hilton - enquanto estes apareciam longe de Los Angeles em eventos divulgados por sites de fofocas ou pelo Facebook. E saíam de lá com caixas de relógios Rolex, bolsas Chanel, vestidos Herve Leger e sapatos Louboutin. Mais do que desfrutar do resultado dos roubos - que totalizaram cerca de US$ 3 milhões - os jovens queriam experimentar o estilo de vida dos famosos nos quais se espelhavam. Quase todos não demonstravam culpa. Um deles pensava que a simples devolução do que havia furtado poderia livrá-lo de punições.
Embora aquém do que a diretora já produziu, "Bling Ring" tem o mérito de refletir o espírito de uma geração. Ou de parte dela. Enquanto há milhares de jovens protestando nas ruas, com ou sem o rosto coberto, aqui, na Europa ou no Oriente Médio, outros tantos, em maior número, tem como modelo o consumismo, o individualismo - e não o ideário anticapitalista ou pró-democratização - entre seus valores fundamentais. Em hipótese alguma querem esconder o rosto. Pelo contrário.
O mundo de "Bling Ring" também é o espírito de uma época. Extrapola os limites de idade. Representa, em um microcosmo extremo, o encantamento com a fama e a performance midiática. Tudo precisa estar na rede. Para ver e ser visto. É um comportamento que, em maior ou menor grau, permeia a ação dos garotos engajados da Mídia Ninja, dos anarquistas encapuzados do Black Blocs até dos vetustos integrantes da mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal (STF).
Relação no Supremo mostra inviabilidade de projeto presidencial
O espetáculo midiático em que se transformaram as sessões do STF parece parte do mesmo fenômeno. Desde 2002, a transmissão dos julgamentos ao vivo pela TV exacerbou o exibicionismo dos ministros e os tornaram celebridades. Não faz muito tempo, os 11 magistrados do Supremo dificilmente seriam reconhecidos em praça pública. Hoje, seu atual presidente, Joaquim Barbosa, em virtude da atuação como relator do processo do mensalão, no ano passado, surge entre os pré-candidatos para a corrida presidencial em 2014.
Barbosa, assim como a garotada da gangue de Hollywood, flerta com o estrelato e o comportamento acima do bem e do mal. Insiste em se envolver em polêmicas que ganham repercussão nacional. A mais nova - e que criou um suspense cinematográfico - teve um capítulo decisivo ontem. Na retomada do julgamento dos embargos do mensalão, Barbosa abriu a sessão e não pediu desculpa ao ministro Ricardo Lewandowski, a quem, na semana passada, acusara de fazer "chicana", em manobra para favorecer os réus.
Joaquim Barbosa não vê erros no que fez. Mas não é o que pensam os outros ministros. Celso de Mello e Marco Aurélio Mello fizeram discursos contundentes de desagravo a Lewandowski. Foi, para usar os termos do juridiquês, um embargo à declaração de Barbosa. Seus pares consideraram infringente a atitude do presidente do STF.
"O Supremo é mais importante que todos e cada um de seus ministros", disse o decano Celso de Mello, numa crítica indireta ao individualismo e sectarismo de Barbosa, que rebateu. "Tenho visão bastante peculiar da presidência [da Corte]. Não a vejo como eco de vontades corporativas", defendeu-se.
A impressão que se tem é que, fosse o Supremo um reality show, Barbosa estaria sendo enviado para o paredão pelos companheiros da Casa. Até que ponto o ministro e seu comportamento temperamental ainda comprazem a audiência e os cidadãos no debate público, é uma questão em aberto. Sua permanência na Corte, no entanto, é garantida por lei até os 70 anos. Até lá, ao que tudo indica, o show deve continuar. Barbosa, que está há dez no tribunal, ainda tem 58 anos.
Lewandowski, desde o ano passado, é seu maior antagonista. O duelo entre os dois no julgamento do mensalão deram ares de "saloon" de Velho Oeste à Suprema Corte do país. Mas o privilégio não se restringe ao revisor da ação penal 470. Há quatro anos, em contenda com o ministro Gilmar Mendes, então na presidência do STF, Barbosa disparou: "Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso".
Com os discursos de ontem, os ministros da Casa ensaiaram impor um limite a Barbosa. Ninguém quer ser coagido. Menções à liberdade de expressão, à aceitação da diferença, ao respeito e à importância dos votos minoritários e vencidos ao longo da história do Supremo foram o recado de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello ao colega.
A dificuldade de se relacionar com os próprios pares é apenas a demonstração mais visível da falta de condições de Barbosa em disputar o Palácio do Planalto - possibilidade que ele mesmo negou sob a justificativa de que o país não está preparado para eleger um negro para a Presidência. O Brasil, no entanto, já escolheu um operário e uma mulher. O problema não é esse. Quem reclama, com razão, do traquejo de Dilma Rousseff - que apesar de não ter exercido cargo eletivo sempre viveu na política - pode imaginar o quão distante está Barbosa dos atributos necessários à missão, a começar pela capacidade de manter laços partidários. Com honestidade, o próprio magistrado mencionou essa carência.
As polêmicas do Supremo, no entanto, não podem ser atribuídas simplesmente às veleidades de Barbosa ou a uma síndrome de egocentrismo dos magistrados. Os conflitos internos se intensificaram na mesma proporção que as disputas externas, no confronto entre os poderes. Há quatro meses, por exemplo, o STF estava no auge da tensão com o Congresso, em meio a acusações recíprocas de interferência no processo decisório alheio. O Parlamento, por outro lado, age cada vez mais de modo autônomo, como agora, ao incluir na pauta a apreciação de vetos presidenciais - o que nunca era feito. Pode ser coincidência ou não, mas, desde que Dilma assumiu, o hiperpresidencialismo saiu de moda. Judiciário e Legislativo também querem a celebridade.
Fonte: Valor Econômico
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