As sangrentas turbulências no Egito contêm lições que vão para além do confronto entre o islamistas e laicos. Têm a ver também com intolerância política, incapacidade de convivência, demonização do outro e a tentação de eliminá-lo ou reduzi-lo pela violência, seja de massas, de grupos ou do estado. Grandes mobilizações de massa, como as de 2011, na Praça Tahrir, ou para nossos efeitos, as nossas de junho passado, no Rio de Janeiro e em São Paulo, não transformam, em si, a realidade: produzem deslocamentos, oportunidades de mudança. Vai depender de desdobramentos múltiplos.
A intolerância, a incapacidade para dialogar e encontrar mediações próprias de uma democracia, o fazer política exclusivamente com energias negativas, a demonização do outro - tudo isso agora potencializado pela redes sociais - transcende o drama egípcio. Encontramos até alguns ingredientes, felizmente ainda diminutos, na nossa própria seara.
As grandes mobilizações de junho refluíram e deram lugar a ações de grupos pequenos, agressivos, trabalhando essencialmente energias negativas: ações que, mesmo quando miram em alvo certo - como o poder das empresas de ônibus ou bancos -, o fazem de uma forma contraproducente. É questionável se defecar no plenário da Câmara, quebrar vitrines de bancos ou queimar lixo na rua é o caminho mais indicado para melhorar os serviços.
Mas o aspecto preocupante e novo não é tanto o radicalismo do discurso, sempre endêmico, mas essa violência que ressurge, persiste e até fascina alguns desavisados.
As franjas violentas que já começam a interferir regularmente no dia a dia da população nada têm de "autorais" ou de "originais". São gangues protopolíticas. A espiral da violência é deletéria da mesma forma com que o negativismo que lhe dá o caldo de cultura. Sabemos como começa, mas não como termina.
Vamos falar claro: nos últimos anos o Rio de Janeiro não piorou, melhorou em diversos aspectos. A violência e o boicote aos eventos programados para a cidade já estão acarretando danos econômicos que não trarão vida melhor para ninguém, tenderão a suprimir empregos, inibir investimentos, provocar regressões. Temos muitos problemas e muitas deficiências nos serviços públicos, nenhum deles solucionável com quebra-quebras. Tivemos avanços importantes na segurança, no recuo imposto ao controle territorial armado do narcovarejo e das suas ditaduras militares locais. Isso é eventualmente reversível. Nossas polícias continuam de má qualidade e suas melhorias foram muito limitadas, embora tenham existido. Nada vai melhorar na segurança se uma parte considerável do efetivo policial doravante tiver que se dedicar diariamente a conter distúrbios por pequenos grupos dedicados a "se colocar" apoiados por alguns tolos que nisso percebem uma nova "estética".
Não há beleza no lixo queimado da rua, no abrigo de ônibus destruído ou num jovenzinho mascarado, visíveis apenas seus olhos esbugalhados, ameaçador, urrando de ódio. Adivinha-se nele, debaixo do capuz, o nariz partido da esfinge do Egito.
Alfredo Sirkis, deputado federal (PV-RJ)
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário