• O Tribunal de Contas da União está prestes a julgar as contas do governo e, pela primeira vez na história, intima a Presidência a dizer se cometeu ilegalidades na gestão do dinheiro público
Ana Clara Costa – Veja
A semana passada foi cruel para a presidente Dilma Rousseff. A tese defendida por seu governo sobre a maioridade penal foi derrotada no Congresso, e ela se viu obrigada a vetar uma mudança nas regras da Previdência que seria vantajosa para quem está em vias de se aposentar, o que a indispôs com sindicatos e setores de seu próprio partido, o PT. O golpe mais duro, no entanto, veio do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisa a cada ano as despesas do governo. A corte intimou a presidente a esclarecer sua responsabilidade em treze manobras fiscais e orçamentárias nas quais se encontraram indícios de irregularidade. Dilma terá trinta dias para se explicar. Seus argumentos serão avaliados pelo tribunal, e, em meados do segundo semestre, as contas de 2014 devem ir a julgamento.
Nunca antes uma ordem semelhante foi imposta a um presidente — e isso indica o tamanho do descrédito que pesa sobre as contas de um governo que, nos quatro primeiros anos de mandato, foi pródigo em "pedaladas", truques contábeis e voluntarismo no uso do dinheiro público. Caso Dilma não convença os ministros do TCU e as contas sejam rejeitadas — o que só aconteceu uma vez na história da República, em 1937, durante o governo de Getúlio Vargas —, as conseqüências podem ser severas. Cabe ao Congresso a palavra final sobre as contas do governo. Mas uma sentença desfavorável do tribunal pode criar as condições políticas, hoje inexistentes, para que Dilma se veja enredada num processo por ato de improbidade administrativa, ou mesmo numa ação de impeachment.
É verdade que a semana poderia ter sido ainda pior. Até terça-feira, o que estava no horizonte era o julgamento sumário das contas pelo TCU. Sabia-se que o ministro-relator, Augusto Nardes, estava inclinado a proferir um voto desfavorável a Dilma, e poderia arrastar consigo uma maioria. Ministros de Estado se sucederam em visitas ao tribunal. Estiveram na corte Joaquim Levy, da Fazenda, Aloizio Mercadante, da Casa Civil, Nelson Barbosa, do Planejamento, Jaques Wagner, da Defesa, e Eduardo Braga, de Minas e Energia. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, manteve-se num frenetico vaivem entre os gabinetes do TCU. Na terça-feira, os nove ministros se reuniram até altas horas para definir o plano de ação. Surgiu daí a decisão de pedir explicações a Dilma. Isso evita que, caso a sentença final seja pela rejeição das contas, o TCU seja acusado de ter cerceado o direito de defesa do governo.
Ao mergulhar na contabilidade da União, o TCU encontrou 31 itens duvidosos, dos quais treze foram claramente tachados de irregularidades. São esses que compõem o questionário enviado a Dilma. Dois atos são destacados pelo tribunal, por levar a assinatura da própria presidente. São de novembro de 2014, quando já estava claro que a meta fiscal estabelecida pela Lei Orçamentária no início do ano não poderia ser alcançada. Naquele momento, embora a obrigação fosse fechar as portas do cofre e contingenciar gastos da ordem de 28,5 bilhões de reais, Dilma fez o contrário: assinou um decreto liberando 10 bilhões de reais em emendas parlamentares e condicionou a liberação dessas emendas à aprovação de uma mudança na lei que a isentava de cumprir a meta fiscal. "Foi um desprestígio para o Congresso e para a sociedade", diz Nardes a VEJA.
Além dessas manobras, estão na mira dos técnicos do TCU as já notórias pedaladas — que constituem a prática de atrasar repasses a órgãos da administração — e a sua versão ilegal, que consiste em deixar que bancos públicos efetuem pagamentos que cabem à União, configurando empréstimo explicitamente vetado pela legislação. O economista José Roberto Afonso, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sancionada em 2000, afirma que as pedaladas são indícios de má gestão, mas não ensejam processo penal. "Quando criamos a lei, não imaginávamos que a prática se tornaria tão corriqueira no Executivo. Diante do que se vê hoje, é imperativo endurecer as regras", diz ele. Autorizar o uso de bancos públicos para efetuar pagamentos em nome da União, contudo, fere diversos artigos da LRF.
Nesta sexta-feira, veio à tona que o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin assinou, em 30 de dezembro de 2014, um documento em que assume responsabilidade por todos os repasses de recursos do Tesouro previstos ou não no Orçamento. A nota técnica certamente será usada por Dilma em sua defesa. Mas não há burocrata que possa servir de anteparo no caso das duas medidas que levam a assinatura da própria presidente. E o conjunto da obra não favorece o governo. A corte considera grave, por exemplo, a aprovação de investimentos fora do escopo orçamentário dada a empresas estatais, que não precisam prestar contas do que foi investido. Diz Nardes: "Diante de tudo o que se vê na Petrobras, não podemos admitir isso. Temos de dar um basta".
13 explicações que Dilma precisa dar
1 A presidente ocultou dividas do governo com o Banco do Brasil, o BNDES e o FGTS?
2 A presidente permitiu que despesas da União com programas sociais e benefícios trabalhistas fossem pagas pela Caixa Econômica Federal?
3 A presidente consentiu que o FGTS bancasse, em nome da União, despesas do Minha Casa, Minha Vida?
4 A presidente deixou que o BNDES cobrisse despesas da União com o Programa de Sustentação do Investimento?
5 A presidente ignorou as prioridades e as metas do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014?
6 A presidente deu aval ao FGTS para que ele honrasse gastos do Minha Casa, Minha Vida em nome da União?
7 A presidente autorizou o repasse de recursos não previstos no Orçamento a estatais?
8 A presidente usou recursos não previstos no Orçamento para investir em estatais?
9 A presidente se furtou a cortar despesas, deixando 28,5 bilhões de reais a descoberto no Orçamento, mesmo sabendo que a arrecadação estava em queda?
10 A presidente condicionou a liberação de recursos para emendas parlamentares à aprovação da lei que isentou o governo da obrigação de cumprir a meta fiscal?
11 presidente inscreveu de forma irregular na rubrica Restos a Pagar do Orçamento a quantia de 1,37 bilhão de reais, referente ao Minha Casa, Minha Vida?
12 A presidente omitiu do relatório fiscal de 2014 despesas da União pagas pelo Banco do Brasil, pelo BNDES e pelo FGTS?
13 A presidente chancelou manobras contábeis que tiraram a credibilidade das informações do Plano Pluríanual 2012-2015?
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