domingo, 21 de junho de 2015

Ministro rebate juiz e defende participação de empresas investigadas em licitações

• Impedi-las seria, para José Eduardo Cardozo, ‘ilegal, inconstitucional e abuso de poder’

Jailton de Carvalho – O Globo

BRASÍLIA — O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, contestou neste sábado o que o juiz Sérgio Moro escreveu ao decretar a prisão de executivos de Odebrecht e Andrade Gutierrez e afirmou que não há nada que impeça a participação de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato em licitações de obras públicas federais, inclusive nas concorrências relacionadas à segunda etapa do Plano de Investimento em Logística (PIL 2), lançado pelo governo em 9 de junho.

Sem citar o nome de Moro, Cardozo disse que as empresas poderão participar das licitações porque, embora investigadas, ainda não foram condenadas. Para ele, a exclusão das empresas antes da conclusão de processos judiciais ou administrativos seria ilegal e inconstitucional.

— Qualquer decisão governamental ou administrativa de não participação de quaisquer empresas investigadas sem que se instaure, ou que se tenha concluído, um processo que assegure o princípio do contraditório e da ampla defesa é inconstitucional e ilegal — disse Cardozo, que completou: — Pode até ser classificado como abuso de poder.

No despacho em que fundamenta a prisão de executivos das duas maiores empreiteiras brasileiras, na sexta-feira, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba alertou para o risco de repetição de “práticas corruptas” e levantou a hipótese de que os empresários poderiam repetir os crimes no novo plano de concessões, orçado em R$ 198,4 bilhões. Este seria, para Moro, um dos motivos pelos quais estes executivos não poderiam permanecer em liberdade.

“As empreiteiras não foram proibidas de contratar com outras entidades da administração pública direta ou indireta e, mesmo em relação ao recente programa de concessão lançado pelo governo federal, agentes do Poder Executivo afirmaram publicamente que elas poderão dele participar, gerando risco de reiteração das práticas corruptas, ainda que em outro âmbito”, escreveu Moro em seu despacho.

Com entendimento diferente ao do governo, a Petrobras suspendeu em dezembro do ano passado a participação de 23 empreiteiras citadas na Lava-Jato, incluindo Odebrecht e Andrade Gutierrez, em suas licitações até o fim do processo.

Cardozo evitou fazer comentários sobre o fundamento das prisões, mas disse considerar inaceitável qualquer suspeita sobre o programa:

— Não podemos aceitar, nem admitir em hipótese nenhuma, que se lance uma suspeição sobre esse plano, nem que se invoque esse plano para tomada de qualquer decisão nos dias de hoje acerca da aplicação de medidas sancionatórias ou cautelares de qualquer natureza. O plano de concessões sequer teve o edital publicado.

Dilma não está preocupada, diz ministro
Cardozo negou também que a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenham alguma preocupação com a prisão de Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht, maior empreiteira do país, e Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez. Cardozo afirmou que Dilma e Lula não cometeram qualquer ato de improbidade e que, por isso, não há motivo para receio:

— Conhecendo a presidente Dilma Rousseff como eu conheço, é uma pessoa que, mesmo para adversários, é reconhecidamente uma pessoa honesta, que sempre esteve distante de qualquer ato de improbidade. As investigações nunca causarão nenhuma preocupação.

O ministro usou o mesmo raciocínio para defender o ex-presidente Lula de qualquer responsabilidade na conduta dos executivos investigados na Lava-Jato. Cardozo argumentou que, pelo que tem visto no noticiário, as empreiteiras sob investigação manteriam laços com políticos de partidos de oposição e não só os da base. Então, não seria correto incriminar governistas e poupar oposicionistas.

— Tenho ouvido muitas especulações em diversas linhas, não só de que pessoas presas na Lava-Jato tinham ligações políticas com pessoas governistas, mas também com líderes da oposição. E nisso estamos no plano das especulações. Temos que investigar e dizer que a lei vale para todos. Vale para governistas e vale para oposicionistas. Vale para pessoas que têm poder econômico e para quem não tem — concluiu.

O governo tem manifestado a preocupação de que o envolvimento das principais construtoras, responsáveis por algumas das principais obras públicas, prejudique mais a economia. No Rio, Odebrecht e Andrade Gutierrez participam de projetos considerados estratégicos para os Jogos Olímpicos, tanto para a realização do evento quanto para o legado de infraestrutura. As duas empresas têm, por exemplo, participação de 66,6% no Consórcio Rio Mais, responsável pelas obras de urbanização e de parte da infraestrutura do futuro Parque Olímpico (centros de transmissões) que está sendo erguido na área do antigo Autódromo de Jacarepaguá.

Para Cardozo, a exclusão de empresas de licitações públicas antes da conclusão de processos legais violaria as garantias estabelecidas na Constituição e a Lei 8.666, que disciplina as licitações. Empresas só poderiam ser impedidas de concorrer em disputas públicas se previamente condenadas em processos legais.

— Não tem cabimento o governo dizer quem participa e quem não participa de uma licitação. Obedece-se à lei e a Constituição é clara.

Neste sábado, a Odebrecht afirmou que o executivo João Bernardi Filho não faz parte do quadro de funcionários da empresa há mais de uma década e que Christina Maria da Silva Jorge nunca fez parte do quadro de integrantes. Esclareceu ainda que não tem qualquer vínculo com a empresa Hayley S.A. e a Hayley do Brasil. A Andrade Gutierrez informou que Paulo Roberto Dalmazzo, Antonio Pedro Campelo de Souza, Cesar Ramos Rocha e Flávio Lúcio Magalhães não são seus executivos. Os dois primeiros são ex-funcionários da empresa, de onde saíram, respectivamente, em 2013 e 2011. A construtora lembrou também que a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, não é obra sua.

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