- O Globo / Segundo Caderno
• É uma estupidez política ironizar a opinião da maioria do país que os rejeita
Estava na Lagoa da Confusão, na cidade do mesmo nome, em Tocantins. José Dirceu foi preso. A televisão do quarto na pousada era cheia de chuviscos, ruídos e fantasmas. Sobretudo fantasmas. Em aparelhos ainda do século passado, acompanho no interior as operações da Lava-Jato. A julgar apenas pelo que vejo nas telas sempre divido o número de presos por dois. José Dirceu preso. Ou foi irmão preso? Ou ambos?
Vejo esses programas, às vezes, ao lado de cozinheiras, porteiros noturnos, costumo ouvir essa frase: “eles roubaram demais”. É uma expressão comum entre o povo e pressupõe que exista um nível tradicional, moderado e regular de roubo com o que Brasil conviveu.
Vejo aí uma das razões do fracasso do PT ao se defender dizendo que não inventou a corrupção pois ela sempre existiu na política brasileira. Isso é uma espécie de senso comum. O que as pessoas acham é que o PT e aliados ultrapassaram todos os níveis anteriores, fizeram da corrupção uma política de governo, arruinando, simultaneamente, a credibilidade do sistema político e empresas estatais.
Saí da Lagoa em busca de melhor contato com as notícias. Em Palmas, descubro, diante de uma tela bem definida, que desemboquei num mar de confusão. Está tudo desmoronando. Temer acha que o Brasil precisa de alguém que o lidere na crise. Mas e a presidente para quem ele pediu voto? Ele queria dizer que Dilma já era.
De Brasília, recebo mensagem de um deputado: PTB e PDT saem do bloco, governo entrou em fase agônica. É a crônica dessa agonia que começo a escrever ao som das panelas.
No seu patético programa, o PT nos tratou como os portugueses trataram os índios. Estão unidos pela fé na imagem. Os portugueses deram espelhos para os índios maravilhados. O PT nos ofereceu um espelho mágico: as pessoas batem panelas vazias nas ruas, a superfície da tela reflete panelas cheias de alimentos coloridos.
É uma estupidez política ironizar a opinião da maioria do país que os rejeita. Marcham para um processo pessoal doloroso. Outro dia, o senador Delcídio do Amaral foi vaiado numa casa noturna de Fomentera.
Não conheço o lugar, sei apenas, através da canção de Gil, que Fomentera é uma ilha aonde se chega de barco, mãe. Delcídio foi celebrar num lugar onde havia brasileiros. Isso no auge do escândalo na Petrobras. Gritaram “ladrão” e sacaram os celulares.
Ainda é uma sorte frequentar lugares em que, ao grito de ladrão, as pessoas sacam os smartphones. Em outros, sacam objetos mais contundentes.
O juiz Sérgio Moro bloqueou R$ 20 milhões de José Dirceu. Alô, alô, velho guerreiro. Mais grana do que qualquer marechal.
Se roubassem por uma causa e adotassem o estilo de vida de José Mujica, o ex-presidente do Uruguai, já seria condenável, pois seria uma opção autoritária, ilegal e secreta.
Mas para desfrutar o estilo de vida da elite que tanto condenam é uma opção de vida que merece um cerco de vários anéis, grades cada vez mais próximas.
A vaia que Lula e seus amigos levaram no Copacabana Palace é um momento cinematográfico. Escolheram os melhores quartos, mas não puderam ocupá-los depois de ouvir os gritos na pérgola.
Não conseguem perceber os anéis do cerco. José Dirceu os viveu nos extremos: preso em casa, terminou na cadeia.
Quando é que o PT vai fazer uma delação premiada? Mercadante desceu um degrau na autoestima e reconheceu que o governo teve erros, como todos os outros. É um pouco como dizer “errar é humano”. E para o Mercadante admitir que é humano foi preciso a maior crise dos últimos 20 anos. Se as coisas se agravarem, acabará admitindo que também é mortal.
Tudo bem, diria a cozinheira na Lagoa da Confusão: “Mas vocês erraram demais, roubaram demais. Quando vão reconhecer isso, assumir as consequências?”
No dia 16 de agosto, o PT verá que o espelho não funcionou. Não há marketing para a desgraça de um projeto político. Na minha experiência de queda em trilhas e barrancos, ao senti-la inevitável, o melhor é cair com jeito. Dói menos.
O PT aprendeu a derrubar, em 1989, precisa agora aprender a cair. A melhor saída é a renúncia de Dilma, a menos traumática. É inacreditável que, num momento agônico, ela ainda pense em governar por três anos. Não há espaço para uma rainha da Inglaterra com o peso de tanta rejeição, cortando fitas simbólicas ao som de panelaços.
O PT usou o programa de televisão pedindo juízo aos opositores. Nesse mar de confusão, o que se espera é que o PT tenha juízo.
Mais uma vez as coisas podem não acontecer como espero. De qualquer forma, continuo cantando na estrada: Cai, cai, balão. Eu não vou te segurar. Cai, cai Dilma. Cai, cai Cunha. Cai, cai Renan, eu não vou te segurar.
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