O destino do governo venezuelano está nas mãos dos militares, aos quais o autodeclarado presidente, Juan Guaidó, tenta convencer a abandonar de vez o ditador Nicolás Maduro e abrir um período de transição democrática, com eleições limpas. Ao posar ao lado de outro líder da oposição, Leopoldo López, do Vontade Popular, detido em prisão domiciliar, em uma base aérea em Caracas, Juan Guaidó iniciou na terça-feira sua ação mais aberta e direta pela derrubada de Maduro. A operação continua envolta em mistério, mas seu resultado imediato não foi o que os opositores esperavam. Por outro lado, ela mostrou à luz do dia, com mais clareza do que antes, frestas no aparato militar. No jogo mútuo de desgastes, Maduro, que comanda um desastre econômico e social sem precedentes na história do país, é quem mais tem a perder. Ao mesmo tempo, sua permanência no Palácio de Miraflores tende a enfraquecer a estratégia de mobilizações permanentes de Guaidó.
A mais contundente ação de Guaidó contra Maduro foi uma surpresa, apesar de os entendimentos clandestinos que a deslancharam serem conhecidos. Aparentemente, a oposição tinha sinais de que parte da cúpula militar teria decidido deixar Maduro à própria sorte e que isto afloraria em alguns dias. Em algum momento ficou claro que o "convencimento" não deu certo e que Guaidó seria preso. Ele resolveu apressar seus passos. De concreto, houve a libertação de López, sob a guarda do Serviço Bolivariano de Inteligência, e a carta de demissão de seu comandante, general Manuel Figuera, na qual menciona a enorme corrupção no governo.
Guaidó utilizou a imagem de alguns militares a seu lado para proclamar que o dia da libertação havia chegado, insinuando que o monolito das forças armadas em torno do governo havia sido quebrado, o que não ocorreu. López refugiou-se na embaixada do Chile, depois na da Espanha, e o aparato de Maduro mostrou-se eficaz na repressão violenta às manifestações contra o regime.
Ontem Maduro participou de caminhada com militares, emitiu a catilinária usual contra o imperialismo, mas revelou ter sentido o golpe, ao dizer que chegara a hora do combate e que as forças armadas precisariam demonstrar-se "leais, coesas e unidas como nunca antes". Juan Guaidó, por seu lado, não falou mais sobre insubordinação militar e pregou paralisações "escalonadas" até atingir a "greve geral".
O governo americano sabia das articulações da oposição. Guaidó chegou a considerar pedir apoio de uma intervenção armada dos EUA na Venezuela, mas desistiu dela - mesmo quem não apoia Maduro não tende a ver com bons olhos a instalação de um governo imposto pelos americanos. Os radicais de direita do governo Trump envolvidos no assunto, além de evitarem por necessidade a negociação direta, carecem de confiabilidade para negociar com os militares as contrapartidas necessárias para uma transição democrática.
Não se sabe ainda se e quem traiu quem, mas a versão divulgada pelo governo americano é veneno puro despejado no centro de poder bolivariano. Segundo John Bolton, conselheiro de Segurança da Casa Branca, o ministro da Defesa, Vladimir López, o general Iván Daila, chefe da guarda presidencial, e o presidente da Suprema Corte, Maikal Moreno, concordaram em retirar apoio ao presidente e teriam voltado atrás. O enviado dos EUA à Venezuela, Elliott Abrams, que se envolveu no escândalo de ajuda à oposição ao governo sandinista na Nicarágua, durante o governo de Ronald Reagan, disse que o Alto Comando Militar de Maduro "não é totalmente leal" e que "quase todo mundo" estaria envolvido na tarefa de destituí-lo. O fato é que eles continuam ao lado de Maduro, que tem motivos de sobra agora para desconfiar de tudo e todos.
As mobilizações de rua se enfraqueceram pela repressão. Sem defecções no comando do aparato militar do governo não há como Guaidó ser bem-sucedido. Já Maduro aparenta certeza de que pode controlar manifestações de rua com o uso da força e que essa é uma forma politicamente mais eficaz de acabar com o prestígio de Guaidó do que prendê-lo - o que não está descartado.
Não há como Maduro recuperar a iniciativa e reconquistar apoio popular diante da ruína econômica que preside. Ele demonstrou que não tem nenhuma ideia para retirar o país do caos em que se encontra e que ele ajudou a criar. A oposição não tem força militar para mudar a situação. O impasse é total.
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