sexta-feira, 3 de maio de 2019

Rogério Furquim Werneck: Jair e Carlos

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Não há esperança de que os filhos de Bolsonaro parem de se imiscuir no governo

Sobressaltado com a forma inusitada com que os filhos do presidente têm interferido no governo, o país acalenta a esperança de que, mais dia, menos dia, Jair Bolsonaro consiga pôr fim a tais interferências. Mas, quando se tem em mente a real natureza da complexa relação do presidente com os filhos, sobram razões para temer que tal esperança seja infundada.

Em artigo aqui publicado em 2/11 do ano passado, logo após o segundo turno, chamei atenção para quão insólito fora o desfecho da disputa presidencial. “Levará algum tempo até que o país possa ter um entendimento mais claro e completo da eleição de Jair Bolsonaro. Entre muitos aspectos notáveis, chama a atenção que, numa democracia tão grande e complexa, meia dúzia de pessoas —sem financiamento, com poucos segundos de acesso à propaganda eleitoral na televisão, sem apoio da mídia e em confronto aberto com o establishment político do país — tenham logrado levar à frente, com tamanho sucesso, um projeto de conquista da presidência da República.”

Na verdade, nem o próprio Bolsonaro, ao se lançar informalmente candidato, anos antes, esperava que o projeto fosse coroado de tanto sucesso. Mas, hoje, ao largo de toda a complexidade dos fatores que contribuíram para sua vitória, o presidente está convicto de que seu sucesso teve uma explicação muito simples: o uso extremamente eficaz das redes sociais, concebido e posto em prática por seu filho Carlos.

Não vem ao caso se concordamos ou não com essa explicação tão simples para um fenômeno tão complexo. Para efeito do argumento que aqui se desenvolve, o que importa é que o presidente parece não ter sombra de dúvida quanto a isso. Ainda na semana passada, em entrevista coletiva no Planalto, voltou a ressaltar sua convicção aos jornalistas presentes: “... não foram vocês que me colocaram aqui, foi ele” (O GLOBO, 26/4).

Convencido de que quem conseguiu catapultá-lo do baixo clero da Câmara ao Palácio do Planalto foi seu segundo filho, Bolsonaro se enxerga na presidência como uma criatura de Carlos. E, de seu lado, claro, Carlos está mais do que convencido de que foi ele, de fato, o criador. Graças a ele, o pai viu-se transformado em presidente.

É natural, que numa relação entre pai e filho, estejamos propensos a enxergar o pai como criador. Nesse caso tão peculiar, contudo, por mais esdrúxulo que possa parecer, é fundamental perceber que não é bem assim. Da perspectiva do projeto de conquista da Presidência da República levado adiante com tanto sucesso pela família Bolsonaro, o filho é o criador. E o pai, a criatura. Pelo menos é assim que pai e filho claramente se enxergam.

Percebido este dado crucial de realidade —que, uma vez notado, salta aos olhos —, as peças se encaixam, e o quadro fica muito mais claro. É o que basta para entender quão infundada é a esperança de que, mais dia, menos dia, os filhos de Bolsonaro deixarão de se imiscuir no governo.

Convicto de que o pai lhe deve a conquista da presidência, Carlos continuará pronto a reapresentar essa conta a Jair sempre que necessário. É o poderoso trunfo com que contará para continuar a interferir, a seu bel-prazer, nas decisões do governo. Muitas vezes, com apoio tácito do pai.

Coadjuvado por seus irmãos, por Olavo de Carvalho e amplo séquito de prepostos, Carlos continuará a exercer cerrado patrulhamento do governo, com vigilância de cada ato, para que não haja violação dos cânones apregoados na campanha eleitoral e para proteger o presidente contra a deslealdade de seus supostos aliados.

Para os que vêm tentando imprimir racionalidade ao governo, em meio ao grave quadro econômico e social que atravessa o país, é uma perspectiva desalentadora. Deixa entrever, até onde a vista alcança, persistência de cizânia, dissipação de energia, perda de foco e dificuldades redobradas para formar e manter uma coalizão eficaz de apoio ao Planalto no Congresso.

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