- O Globo
Luiz Davidovich sustenta que as Ciências Humanas ensinam a pensar, condição para a construção de uma sociedade ilustrada, democrática e produtiva
A atualidade dos pensadores, brasileiros e estrangeiros, diante de nossa realidade política e social demonstra que os problemas que enfrentamos no momento são questões há muito debatidas. E que retrocedemos nesse debate, que pareciam estar superados pelos avanços de nossa sociedade.
O presidente da Academia Brasileira de Ciências, professor Luis Davidovicht, enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Educação Abraham Weintraub, protestando contra a decisão anunciada de reduzir as verbas públicas para o ensino de Humanas, tendo sido citadas especialmente a Sociologia e a Filosofia.
Davidovich começa lembrando, em contraposição à afirmação do ministro de que o Estado só deve financiar profissões que gerem retorno de fato, como veterinária, engenharia, medicina, que é preciso “formar profissionais preparados para os desafios de um mundo em que as profissões tradicionais têm dado lugar a outras inexistentes no século passado”.
Esse rápido desenvolvimento exigiria “conhecimento amplo não só de seus campos estritamente profissionais, mas também do país e da sociedade onde atuarão”. Davidovicht lembrou então que Benjamim Constant, um dos fundadores da República brasileira, já no século XIX tinha a percepção da importância das humanidades e das ciências sociais na formação profissional: incluiu a sociologia no curso da Escola Militar.
Muito além de um retorno imediato, elas ensinam a pensar, condição necessária para a construção de uma sociedade ilustrada, democrática e produtiva, ressalta o presidente da Academia Brasileira de Ciências na carta ao presidente.
Recentemente, em palestra na Academia Brasileira de Letras, da qual é membro, sobre a presença fundamental de Ruy Barbosa na vida brasileira, o ex-ministro Celso Lafer lembrou que ele exprimiu na trajetória da sua vida e obra a trama dos problemas políticos da sociedade brasileira, “não só do seu tempo, mas as dos nossos dias, com destaque para os desafios da consolidação e vigência das instituições democráticas”.
Lafer citou alguns exemplos bem atuais. Sobre as relações do Brasil com os EUA, Ruy Barbosa, na Conferência "A Imprensa e o dever da verdade": escreveu “Não quero, nem quererá nenhum de vós, que o Brasil viesse a ser o símio, o servo ou a sombra dos Estados Unidos. Não acho que devemos nos entregar de olhos fechados à sua política internacional, se bem haja entre ela e a nossa, interesses comuns bastante graves e legítimos, para nos ligarem na mais inalterável amizade, e nos juntarem intimamente em uma colaboração leal na política do mundo. Tal é o meu sentir de ontem, e amanhã.”
Celso Lafer destacou também que Ruy Barbosa promoveu, desde o governo provisório (Decreto nº 119-A, de 7/01 de 1890) a separação da Igreja e do Estado, e a laicidade do Estado, consagrada na Constituição de 1891 e nas constituições subsequentes.
Implantou-se deste modo, ressaltou Lafer, uma nítida distinção entre, de um lado, instituições, motivações e autoridades religiosas e, de outro, instituições estatais e autoridades políticas, “de tal forma que não haja predomínio de religião sobre a política”.
A laicidade significa que “o Estado se dessolidariza e se afasta de toda e qualquer religião, em função de um muro de separação entre Estado e Igreja, na linha da primeira emenda da Constituição norte-americana”.
Em um Estado laico como Ruy Barbosa institucionalizou no Brasil, esclareceu Lafer, “as normas religiosas das diversas confissões são conselhos e orientações dirigidas aos fiéis, e não comandos para toda a sociedade’.
Esta contribuição de Ruy para a consolidação e vigência do espaço público e das instituições democráticas em nosso país é da maior atualidade, lembrou Celso Lafer, pois “contém o muito presente risco do indevido transbordamento da religião para o espaço público”.
O filósofo britânico Berrando Russell, na História da Filosofia Ocidental, trata de um tema muito atual no Brasil: a influência dos filósofos, relativizando-a: “Quando vêem algum partido político dizer-se inspirado pelos ensinamentos de Fulano de Tal, pensam que as ações desse partido são atribuíveis a esse fulano de tal, enquanto não raro o filósofo só é aclamado porque recomenda o que o partido teria feito de qualquer modo”.
Dou um descanso aos leitores e retomo a coluna no dia 14.
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