Luta contra covid-19 segue, sem e apesar de Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico
Bolsonaro projetou-se, em um mundo que tinha até ontem mais de 41 mil mortos, como um dos líderes mais irresponsáveis do planeta
O presidente Jair Bolsonaro não foi infectado pelo coronavírus, mas o comportamento de parlamentares, governadores e ministros é o de como se ele tivesse sido - um prudente afastamento. O presidente está sendo isolado e em breve estará falando sozinho nos corredores do poder, à espera de que sua turma nas redes sociais ainda o escute com atenção.
O afastamento, como no caso do coronavírus, é uma estratégia de defesa. O ministro da Saúde, Luiz Mandetta, segue em frente com a única estratégia sensata e científica disponível para o país - que não possui insumos suficientes para testes em massa.
O ministro Paulo Guedes acordou para a necessidade de criar uma rede de proteção social à altura da devastação econômica que a covid-19 provocará e o Congresso acelerou e aperfeiçoou as medidas que estão prestes a ser executadas. Diques de defesa na saúde e na economia estão sendo levantados em uma união de esforços. Só o presidente da República age como se tudo isso fosse bobagem.
Bolsonaro se elegeu por um partido inexistente, que se tornou o segundo maior da Câmara, mas brigou com ele. Só entrou na discussão da reforma da Previdência para aprovar benefícios a militares e policiais. Sentou em cima da importante PEC emergencial, que, como o nome diz, era urgente e prioritária.
Brigou com os presidentes da Câmara e do Senado, e participou de manifestação contra o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal já com o Brasil hospedando o coronavírus e contra recomendação do ministro da Saúde.
O presidente reuniu ministros no Planalto, no sábado, para unificar o discurso de enfrentamento da pandemia. No dia seguinte, foi passear pelo comércio das cidades satélites de Brasília e usar sua ignorância como arma de propaganda.
A todo momento, Bolsonaro ameaça assinar um decreto para acabar com o confinamento e colocar todos de volta ao trabalho, em plena curva ascendente da covid-19 no país.
Anteontem, enquadrou as entrevistas conduzidas por Mandetta e seus técnicos sobre o andamento das ações contra o vírus. Cercou o ministro da Saúde com militares de seu ministério (com exceção de Ônyx Lorenzoni) e pôs Mandetta para falar por último. O ministro Braga Netto (Casa Civil) apropriou-se da resposta a uma pergunta sobre a demissão de Mandetta e disse que o governo não cogitava dela “no momento”. Da entrevista, soube-se menos sobre a luta contra o coronavírus e mais sobre a guerra intestina no governo promovida pelo presidente.
Com isso, mais gente sai de perto de Bolsonaro. O ministro Sergio Moro, na ponta dos pés, começou a distanciar-se de Bolsonaro e Bolsonaro a reclamar dele por não defendê-lo. Paulo Guedes disse que, “como pessoa” preferia ficar em casa - presume-se que a pessoa do ministro também. Os líderes do governo na Câmara, Eduardo Gomes (MDB-TO) e no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), se uniram para defender em nota o distanciamento social no combate à pandemia. O presidente do STF, Dias Toffoli, fez o mesmo.
Diante de uma devastadora crise, o presidente resolveu desacreditar o que seu próprio governo faz, assediar o ministro da Saúde e entrar em guerra com quem não compartilha sua visão tacanha do mundo e da política. Para deter o controle que lhe escapa, Bolsonaro, via Casa Civil, ordenou que todas as notas sobre a pandemia saídas dos ministérios terão de obter aval do Planalto. As entrevistas de ministros sobre o assunto terão de ser feitas no Planalto, em coordenação com a Secom, dirigida pelo infectado pelo coronavírus Fábio Wajngarten. Teme-se agora pela qualidade das informações públicas.
Em nenhum momento até agora o presidente da República demonstrou a menor preocupação com a saúde alheia, porque ele acha que não existe ameaça. Mandatários de outros países estão ganhando popularidade pela determinação de combater a pandemia e diminuir o quanto for possível o número de mortes.
Bolsonaro projetou-se, em um mundo que tinha até ontem mais de 41 mil mortos, como um dos líderes mais irresponsáveis do planeta.
Bolsonaro acha que com atitudes deploráveis como as que toma se sairá bem de um jeito ou de outro. Se a pandemia for domada, e com poucos mortos, seu governo levaria a fama. Se o caos se instalar após ou durante a quarentena, aparecerá como o único isento de responsabilidade por ter se insurgido antes. Corre o risco de ter impedido o salvamento de milhares de vidas e ser culpado pelo desastre que pode se seguir.
Ciência versus achismo – Editorial | O Estado de S. Paulo
Quando ataca a imprensa, a ciência e as autoridades sanitárias, o presidente Jair Bolsonaro confunde os cidadãos e atrasa as medidas necessárias para evitar mortes
Uma sociedade bem informada, com acesso amplo a dados científicos e opiniões de especialistas reconhecidos, é capaz de entender a dimensão de crises como a da pandemia de covid-19 e, assim, colaborar ativa e prontamente para que seus efeitos sejam mitigados. Para isso, é preciso que a sociedade confie tanto na ciência e nas autoridades sanitárias como na imprensa.
Quando joga todo o peso institucional e político de seu cargo em ataques sistemáticos à imprensa, à ciência e às autoridades sanitárias estaduais e mesmo as de seu próprio governo, o presidente Jair Bolsonaro confunde os cidadãos sobre o que fazer diante da pandemia e, assim, atrasa as medidas necessárias para contê-la e para evitar mortes.
Como todo movimento autoritário, o bolsonarismo hostiliza a ciência, pois esta revela as imperfeições do mundo real, contradizendo os devaneios fabulosos de seu líder messiânico e demonstrando os limites de seu poder. Não à toa, Bolsonaro vive a repetir, inclusive em rede nacional, que a covid-19 é uma “gripezinha”, ignorando amplas evidências científicas em contrário. Com isso, o presidente estimula os cidadãos em geral a não acreditar nos cientistas, que estariam a serviço de gente interessada em minar seu governo.
Bolsonaro quer fazer crer que a pandemia nada mais é que uma invenção de seus inimigos para destruir a economia e, assim, derrubá-lo. E tal versão ganha contornos quase criminosos quando Bolsonaro desdenha das mortes causadas pela pandemia, pois o que interessa, diz ele, é manter empregos – estes que seu governo, por sua lentidão e incompetência, não havia sido capaz de manter e criar nem mesmo antes do coronavírus.
Para sustentar essa opinião, Bolsonaro, catedrático em fake news, tratou de espalhar que o próprio diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, defendeu num pronunciamento o retorno ao trabalho. Trata-se de distorção grosseira do que disse o diretor da OMS, o que mostra até onde vai a falta de escrúpulos do presidente.
É com esse ânimo que Bolsonaro redobra seus ataques à imprensa, cujo trabalho profissional é justamente o de expor para a sociedade a real dimensão do problema que o presidente e seus fanáticos devotos teimam em minimizar. A imprensa, já disse Bolsonaro, é a responsável pelo que ele chamou de “histeria” em torno da pandemia. Na mais recente investida, ontem, estimulou seus apoiadores a hostilizar os jornalistas que o questionavam sobre sua decisão de desrespeitar as orientações de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, acerca dos cuidados para evitar a propagação do coronavírus. Diante da agressão, os jornalistas deixaram o local, momento em que Bolsonaro – repita-se, o presidente da República – gritou: “Vai embora? Vai abandonar o povo? A imprensa que não gosta do povo”.
Felizmente, mais e mais vozes da sociedade têm se levantado contra esse assalto de Bolsonaro à inteligência. Governadores garantem que manterão as medidas de isolamento social, à revelia do presidente – o paulista João Doria informou que entrará na Justiça caso o presidente decrete a reabertura do comércio, como ameaçou fazer. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, defendeu o isolamento social, dizendo que “não dá para ser contra os fatos” e que não se combate a pandemia com “achismos”. O Senado, por sua vez, divulgou um manifesto, chancelado inclusive pelo líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), em defesa do isolamento social.
Mesmo alguns dos ministros mais importantes do governo deixam claro que o melhor para o País, hoje, é levar a sério a ciência e não o presidente. Além do ministro Mandetta, que continua a defender “grau máximo de isolamento” para conter a pandemia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, “como economista, gostaria que pudéssemos manter a produção, voltar o mais rápido possível”, mas, “como cidadão, seguindo o conhecimento do pessoal da Saúde, ao contrário, quero ficar em casa e fazer o isolamento”. E o ministro da Justiça, Sérgio Moro, compartilhou em suas redes sociais um “excelente artigo” – palavras dele –, segundo o qual “é hora de ouvir a ciência”.
A pandemia invade as contas públicas – Editorial | O Estado de S. Paulo
Diante da pandemia, governo tem licença para gastar e romper o limite do déficit
Empenhado em gastar para conter os efeitos do coronavírus, o governo federal já admite fechar o ano com um rombo de pelo menos R$ 350 bilhões em suas contas primárias, calculadas sem os juros. A pandemia tirou de cena os R$ 124,1 bilhões previstos no Orçamento como limite para o déficit primário do governo central. O saldo em vermelho será algo próximo do triplo desse valor. Corresponderá, portanto, a uns 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativa do Ministério da Economia. Sacrificam-se as contas públicas, em 2020, para tentar frear o contágio, impedir o colapso do sistema de saúde e dar algum apoio aos trabalhadores de baixa renda, incluídos os informais.
Com a calamidade pública reconhecida pelo Congresso, o Executivo fica dispensado, neste ano, do rigor da Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo deve dar prioridade à preservação da vida e, tanto quanto possível, atenuar os danos econômicos da pandemia. Mas terá de voltar à disciplina em 2021, submetendo-se aos limites de gastos e, de modo geral, aos padrões legais do Orçamento.
Mas os problemas do poder central compõem apenas uma parte dos desafios. A crise atinge também as finanças de Estados, municípios e estatais. Somados todos os danos fiscais, o déficit primário do setor público poderá chegar a uns R$ 400 bilhões, superando 5% do PIB. Em 2019 esse déficit ficou em R$ 61 bilhões, ou 0,9% do PIB.
Os danos ocasionados pela pandemia ainda são pouco visíveis nos últimos dados fiscais, mas os números de fevereiro são preocupantes. O déficit mensal do setor público, nas contas primárias, chegou a R$ 20,90 bilhões, o pior valor para um mês de fevereiro desde 2017, quando atingiu R$ 23,47 bilhões. Esse conjunto inclui os três níveis de governo e um grupo de estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. Os números globais do setor público são calculados pelo BC e os saldos correspondem às necessidades de financiamento.
No primeiro bimestre o resultado foi um superávit de R$ 35,37 bilhões, refletindo o saldo positivo de janeiro. Em 12 meses, no entanto, o resultado primário foi negativo em R$ 58,46 bilhões. Ainda sem os efeitos do coronavírus, os números comprovam, mais uma vez, o peso dos gastos previdenciários.
O déficit acumulado em 12 meses pelo INSS, de R$ 217,96 bilhões, engoliu o superávit de R$ 133,45 bilhões contabilizado pelo Tesouro Nacional. Mais uma vez o buraco nas contas federais, de R$ 85,32 bilhões, foi o maior componente do déficit primário. A pandemia ofuscou parcialmente, nas últimas semanas, o problema das crescentes despesas obrigatórias, incluídos os gastos previdenciários. Estes gastos poderão subir mais devagar nos próximos anos, quando os efeitos da reforma aprovada em 2019 forem mais sensíveis. Mas ainda faltará muito trabalho para desengessar as contas públicas.
Quando se acrescentam os juros, chega-se ao chamado resultado nominal, um déficit de R$ 440,42 bilhões em 12 meses. Esse valor corresponde a 6% do PIB. Para cobrir esse enorme buraco o setor público tem de se endividar, pagando juros maiores que aqueles cobrados na maior parte das grandes economias. Apesar disso, tem havido notícias positivas. O custo financeiro do governo tem evoluído mais suavemente, graças à redução dos juros básicos pelo BC. Boa parte da dívida é remunerada com base nesses juros.
Como a inflação deve continuar baixa, por causa da perda de renda dos trabalhadores e do freio na demanda, o BC poderá evitar aumento de juros nos próximos meses. Talvez possa realizar novo corte. Segundo projeção do mercado, a taxa básica poderá cair de 3,75% para 3,50% no fim do ano.
Juros contidos ajudarão a limitar a expansão da dívida pública. O endividamento aumentará, de toda forma, para cobrir o déficit crescente. Em fevereiro, a dívida bruta do governo geral (três níveis) atingiu R$ 5,61 trilhões e passou de 76,1% para 76,5% do PIB. Membros da equipe econômica falavam em mantê-la abaixo de 80% do PIB, mas isso será difícil neste ano. A esperança é retomar esse trabalho em 2021.
Um único inimigo – Editorial | O Estado de S. Paulo
É hora de pôr o conflito armado em confinamento e lutar por nossa vida, diz o secretário-geral da ONU
Há cem anos da 1.ª Guerra Mundial – “a guerra para acabar com todas as guerras” –, 80 anos do início da 2.ª Guerra e 30 anos do fim da guerra fria, as nações foram novamente precipitadas numa guerra mundial, mas agora contra um único inimigo. Para dar a todo o mundo uma ideia da ferocidade desse combate, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, fez um apelo de cessar-fogo “em todos os cantos do mundo”.
“É hora de pôr o conflito armado em confinamento e focar juntos na verdadeira luta por nossas vidas”, disse Guterres. “O vírus não se importa com nacionalidade ou etnia, facção ou fé.” Em entrevista à CNN, Guterres lembrou o óbvio: “Uma guerra em dois fronts é terrível”. O apelo ecoou no Vaticano: “Parem todas as formas de hostilidade belicosa em favor da criação de corredores para ajuda humanitária, esforços diplomáticos e atenção a quem se encontra em grande vulnerabilidade”, suplicou o papa.
Há precedentes para uma esperança realista. Em 2004, um tsunami no Pacífico encerrou três décadas de guerra na Indonésia. Em 1995, os EUA negociaram seis meses de paz no Sudão para erradicar um surto do verme-da-guiné. Nos últimos anos, o Médicos Sem Fronteiras pôde atuar sob cessar-fogos curtos em Serra Leoa, no Congo e na África Central.
O apelo de Guterres não caiu no vazio. Apesar da guerra civil no Iêmen ser considerada pela ONU a maior crise humanitária global, com mais de 12 mil civis mortos durante os combates e 230 mil em consequência deles, o governo e a milícia Houthi acabam de pactuar o primeiro cessar-fogo desde 2016. Nas Filipinas, o presidente Rodrigo Duterte e as guerrilhas comunistas suspenderam as hostilidades da mais longa das rebeliões asiáticas. A milícia separatista de Camarões também declarou cessar-fogo. A cooperação entre as autoridades israelenses e palestinas para permitir o envio de profissionais de saúde, suprimentos e equipamentos para a Faixa de Gaza e para a Cisjordânia foi classificada pela ONU como “excelente”.
Por outro lado, a guerra civil na Líbia recrudesceu. Uma trégua humanitária curta chegou a ser negociada, mas durou menos de 24 horas. No dia seguinte, Tripoli sofreu um dos piores bombardeios deste ano. Tudo indica que as partes em conflito creem que a distração global causada pela pandemia é uma oportunidade não para negociar com seus adversários, mas para eliminá-los. Na Síria, ainda que um cessar-fogo em Idlib tenha sido pactuado no início de março e as milícias curdas tenham prometido “evitar ações militares”, os sistemas de saúde devastados pela guerra devem ser brutalmente bombardeados pelo vírus.
A ONU lançou um plano de US$ 2 bilhões para mitigar a pandemia em campos de refugiados e fez um apelo a que as sanções impostas a países como Irã, Cuba, Congo, Venezuela e Zimbábue sejam suspensas ou flexibilizadas, sobretudo para permitir o acesso a suprimentos e equipamentos médicos.
“Lutem como o diabo”, disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, aos líderes do G-20, entre eles Donald Trump e Xi Jinping. “Lutem como se suas vidas dependessem disso – porque dependem.” A cooperação entre China e EUA foi decisiva na crise financeira de 2008 e no surto de ebola em 2014, e é crucial para conter a pandemia e promover a recuperação econômica global. Mas, ao invés de suspender a sua “guerra fria” comercial, os dois países vinham trocando hostilidades. Felizmente, nos últimos dias os dois presidentes parecem ter pactuado um “cessar-fogo”.
A ONU pede um pacote de US$ 2,5 trilhões para socorrer os países em desenvolvimento. “Creio que o interesse próprio esclarecido prevalecerá”, disse Guterres. “Se o vírus não for suprimido no mundo em desenvolvimento, se alastrará como fogo em mato seco. Com milhões de transmissões, ele pode sofrer mutações e contra-atacar o mundo desenvolvido.” É uma constatação irrefutavelmente lúcida, assim como esta: “A fúria do vírus ilustra a loucura da guerra”. Ambas impõem a missão de lutar “como o diabo” para que a solidariedade na pandemia ilustre a sanidade da paz.
Medidas de emergência exigem pressa – Editorial | O Globo
Há consenso em torno das propostas, mas a burocracia não está sendo superada
Medidas de urgência precisam ser formuladas e executadas com rapidez, por suposto. Se não, teriam outro nome. Esta lógica cartesiana está sendo contrariada pelo governo federal. Porque uma série de ações corretas tomadas pelo Planalto para começar a minimizar os danos causados na economia e na vida das pessoas, principalmente as mais pobres, pela pandemia deste coronavírus, tramita em Brasília no conhecido ritmo lento da máquina burocrática oficial.
A surrada imagem de um tsunami é adequada para simbolizar o que aconteceu, acontece e ainda acontecerá. A paralisação de linhas de suprimento de componentes de uma série de indústrias abastecidas por fábricas chinesas disparou um choque. A queda de faturamento e a redução no volume de negócios foram agravados pela necessidade do isolamento social, como na China, para retardar a disseminação do vírus e permitir que os serviços de saúde dos países possam atender à demanda.
A queda do consumo é vertical. O dinheiro deixa de circular e atinge instantaneamente uma preocupante parcela da população em um país no qual prestadores informais de serviços têm grande participação na força de trabalho. Somando-se quem não tem carteira assinada a um grande contingente de pessoas que trabalham por conta própria, chega-se a 46,8 milhões de pessoas. Por um critério mais restritivo, os informais seriam 38 milhões. Muita gente, de qualquer forma. De um dia para o outro, um número expressivo de trabalhadores passou a enfrentar dificuldades para se alimentar, e adquirir outros bens de primeira necessidade.
O governo propôs uma necessária transferência mensal de renda do Tesouro para esta parcela da população. Inicialmente, R$ 200 por três meses. Rodrigo Maia, na Câmara, propôs aumentar para R$ 500, e Bolsonaro sugeriu R$ 600. A ideia, apresentada na quarta-feira 18, passou pela Câmara e foi aprovada no Senado na segunda, 30. E ontem ainda faltava um decreto presidencial para que os recursos sejam liberados. Vencida esta etapa, será necessário definir como estas três transferências serão feitas, considerando-se que os beneficiários não têm conta em banco. O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, prevê que apenas na terça ou quarta que vem essas respostas serão dadas. Caso sejam, terão passado três semanas desde o anúncio da criação da transferência. E ainda faltará a operacionalização do sistema.
Em uma entrevista na sexta-feira da semana passada, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, anunciou a criação de uma linha de crédito de R$ 40 bilhões, dinheiro subsidiado pelo Tesouro e bancos privados, para pequenas e médias empresas. Que precisam pagar a folha de salários nos próximos dias. Por ser início de mês, as famílias também estarão pressionadas.
Esta e outras ações são necessárias. Mas a dificuldade de o Estado executá-las em velocidade precisa ser superada. Afinal, há uma emergência.
É preciso buscar soluções para suprir escassez de equipamentos – Editorial | O Globo
Não é admissível que faltem respiradores e material para proteção dos profissionais
À medida que a epidemia do novo coronavírus acelera, levando cada vez mais gente às unidades de saúde públicas e privadas, crescem os relatos de profissionais sobre falta de equipamentos de proteção individual, insumos básicos e aparelhos como respiradores, fundamentais nos casos graves da doença, em que os pacientes necessitam ficar internados em UTIs. Como mostrou ontem o “Jornal Nacional”, da Rede Globo, o aumento da demanda e a escalada dos preços têm levado à escassez desses materiais.
Não há que tergiversar sobre o assunto. Equipamentos de proteção, como as máscaras N95, luvas etc. são fundamentais para proteger os profissionais de saúde. É inadmissível que aqueles que estão no front contra o novo coronavírus se exponham por falta de insumos. É preciso resolver essa questão, e já. Da mesma forma, é urgente providenciar respiradores, pois eles serão necessários em dezenas de hospitais de campanha que estão sendo montados país afora e em unidades de saúde já existentes que não dispõem desses equipamentos em número suficiente.
Entende-se a dificuldade de adquirir materiais num momento que todo o mundo enfrenta o mesmo problema, e não há estoque para uma demanda planetária. Mas existem saídas. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump usou lei dos tempos da Guerra da Coreia para acelerar a conversão industrial — por exemplo, obrigando montadoras a fabricarem respiradores.
No Brasil, há lições. Durante a Segunda Guerra, uma força-tarefa do governo com a indústria paulista garantiu o abastecimento interno de produtos essenciais. O esforço de mobilização sobreviveu ao fim do conflito e, décadas mais tarde, resultaria em empreendimentos importantes, como o polo aeroespacial de São José dos Campos.
Na pandemia, já surgem iniciativas auspiciosas, que precisam ser replicadas. Os laboratórios químicos das Forças Armadas estão ampliando a produção de cloroquina, que vem sendo testada no tratamento da Covid-19 e sumiu das farmácias, o que prejudica pacientes que usam o medicamento para outras doenças, como malária e lúpus.
O Brasil dispõe de universidades e institutos capazes de atuar nesse processo em parceria com as indústrias, visando a aumentar a produção de equipamentos fundamentais no combate ao novo coronavírus. Talvez falte alguém para coordenar a iniciativa, já que o presidente Jair Bolsonaro parece mais interessado em questionar as medidas de contenção recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por seu próprio ministro, Luiz Henrique Mandetta.
Estamos em meio a uma guerra, contra um inimigo tão minúsculo quanto mortal. Portanto, para combatê-lo, é essencial adotar estratégias de guerra.
R$ 600 com urgência – Editorial | Folha de S. Paulo
Bem concebido, amparo a vulneráveis exigirá agilidade inaudita do Executivo
Além de ambicioso, é no geral bem desenhado o programa emergencial de atendimento a famílias de baixa renda recém-aprovado pelo Congresso, cuja sanção já foi anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro. O principal desafio, contudo, reside em executar o plano a tempo.
O texto acerta ao focalizar os beneficiários —maiores de 18 anos, sem emprego formal ativo (incluindo intermitentes parados), que exerçam atividade de microempreendedor individual, autônomo ou assalariado sem carteira assinada inscrito no cadastro que serve de base para os programas sociais.
Ficam de fora os já atendidos pelas políticas assistenciais, com exceção do Bolsa Família, aqueles com renda familiar superior a três salários mínimos (ou meio salário mínimo per capita) e os que receberam rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018 (e, portanto, tiveram de preencher declaração de Imposto de Renda).
Esta última condição é a única claramente questionável, uma vez que pode excluir pessoas que tenham perdido renda desde o ano retrasado. Parlamentares já se mobilizam para alterar esse trecho.
Estima-se que, assim, mais de 30 milhões de brasileiros façam jus a pagamentos mensais de R$ 600 ao longo de três meses. Mães de família monoparentais receberão R$ 1.200; até duas pessoas por família podem se qualificar ao auxílio; clientes do Bolsa Família podem migrar para o novo benefício.
Trata-se, na prática, de mais que duplicar o alcance do Bolsa Família, que hoje atende a cerca de 13 milhões, além de elevar valores. Nos cálculos da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado Federal, os desembolsos chegarão à casa dos R$ 60 bilhões.
A despesa mostra-se plenamente justificável diante da perspectiva de queda brutal da atividade econômica nas próximas semanas ou meses de combate ao coronavírus. Se há problemas formais para a liberação dos recursos, que sejam removidos. A grande dificuldade, porém, estará em fazer o dinheiro chegar a todos os necessitados.
Conhecem-se hoje os beneficiários do Bolsa Família e um número semelhante de outros inscritos no cadastro oficial. São identificáveis também os microempreendedores individuais e os autônomos que contribuem para a Previdência. Muito mais complexo será encontrar os novos pobres e trabalhadores informais não cadastrados.
Estes, até onde se sabe, terão de fazer autodeclarações em uma página oficial na internet ainda em desenvolvimento. A via é sem dúvida precária, mas não parece simples imaginar alternativas.
O Executivo, que andou a reboque do Congresso nessa medida essencial, precisa agora mostrar capacidade de articulação. O Brasil felizmente dispõe de um aparato de proteção social espalhado por todo o seu território. Urge mobilizar todos os meios disponíveis.
Competição no 5G – Editorial | Folha de S. Paulo
Sinal verde para chineses como fornecedores sugere ambiente de mais concorrência
Na batalha entre Estados Unidos e China pelo protagonismo no 5G, o próximo degrau da revolução digital no campo da troca de dados, o Brasil sofre, como outros países, as pressões de Washington e Pequim visando favorecer seus lados.
Os americanos têm sido mais agressivos, ante ofertas chinesas de melhor custo-benefício. Afirmam que a Huawei, gigante rival, oferece soluções de rede que embutem mecanismos de espionagem.
Com isso, conseguiram que diversos aliados excluíssem a empresa asiática de fornecimento para operadoras que disputam leilões de frequências do 5G —a tecnologia sustenta a velocidade da chamada internet das coisas, que integrará de geladeiras a sistemas militares.
No Brasil, o alinhamento do governo Jair Bolsonaro à administração Donald Trump sugeria um favorecimento aos EUA. Com efeito, alguns acordos estabelecidos entre os países e a posição anti-China do filho presidencial Eduardo pareciam selar o curso do debate.
Entretanto a crise diplomática criada pelo mesmo Eduardo Bolsonaro, ao endossar acusações à ditadura chinesa pela pandemia do coronavírus, parece ter ajudado a reverter o quadro.
Bolsonaro teve de apaziguar Xi Jinping, o líder chinês, na semana passada. Três dias depois do telefonema, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) decidiu não impor vetos a fornecedores de 5G ao instruir normas para o leilão que deverá acontecer no fim do ano.
A Huawei e americanas como a Qualcomm não participam do certame, mas são fornecedoras de infraestrutura das operadoras.
O GSI poderia impor restrições se considerasse, seguindo a tese dos EUA, que equipamentos chineses representam risco para dados sigilosos e à soberania nacional. Preferiu listar salvaguardas de segurança e também pulverizar a operação, obrigando que operadoras numa mesma região tenham fornecedores distintos.
Tudo isso contribui para um ambiente concorrencial mais saudável, embora a convergência inerente ao setor sugira limites às intenções de governos —como demonstra a tentativa de criar um ecossistema de empresas telefônicas regionais nos anos 1990.
Além disso, nunca é bom subestimar a influência dos Estados Unidos sobre o governo Bolsonaro.
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