- Valor Econômico
Congresso e Estados constroem saídas para a crise
A política, tão difamada pelo presidente Jair Bolsonaro, tem a grande oportunidade de refazer sua imagem perante a população. Diante da demora do Executivo em adotar as medidas necessárias para combater os efeitos socioeconômicos da pandemia provocada pelo novo coronavírus, foi a política quem tirou o Estado da inércia.
Parlamentares e governadores tomaram a dianteira na construção de saídas para a crise, enquanto o poder central claudicava, mostrando a importância do sistema de pesos e contrapesos em uma República. O risco que se coloca, porém, é o governo Bolsonaro também ajudar a reabilitar os aspectos mais nefastos da chamada política tradicional.
Os primeiros casos de covid-19 surgiram na China no fim do ano passado, mas neste primeiro momento apenas as autoridades de saúde entraram em alerta. Aos poucos, mais áreas do governo passaram a monitorar o avanço da doença. A cúpula do Executivo só caiu em si quando a Itália sucumbiu.
Diante da insistência do presidente da República em relativizar o problema, os congressistas demandaram que Bolsonaro assumisse o protagonismo que o sistema presidencialista pressupõe. Ele atendeu o pleito, mas não exatamente como queriam os parlamentares. Como de costume, preferiu partir para o ataque contra o próprio Congresso e os governadores que adotaram medidas mais restritivas para tentar conter o avanço do vírus.
A cúpula do Congresso e os partidos políticos decidiram, então, não ficar apenas aguardando. Optaram por adiar temporariamente a agenda de reformas que eles mesmos haviam construído e montar uma pauta emergencial. A iniciativa uniu partidos de esquerda, de centro e de direita, os mais intervencionistas e os mais ortodoxos: concluiu-se que será preciso usar todo o instrumental disponível para salvar empresas, manter empregos e preservar vidas.
A política foi se recolocando no jogo e marcou novos pontos, ao conseguir que a proposta de ajuda emergencial do governo à população mais vulnerável subisse de R$ 200 para R$ 600.
Entre uma sessão remota e outra no Congresso, intensificaram-se as articulações partidárias. Em menos de um mês, Bolsonaro conseguiu fazer o que todos à esquerda consideravam improvável. Depois de um racha nas eleições de 2018, o qual vinha sendo mantido sem trégua pública desde então, os principais pré-candidatos a presidente dos partidos de esquerda subscreveram um manifesto conjunto para criticar a postura do chefe de governo.
Ainda é cedo para prever se essa unidade será preservada em novas ações de oposição, se sobreviverão às disputas municipais previstas para este ano ou ao período de construção de coligações para as eleições de 2022. Mesmo assim, é inegável que hoje há um ambiente melhor entre os partidos de esquerda e seus principais líderes em comparação com o que era observado até pouco tempo atrás.
É possível dizer o mesmo a respeito da relação desses partidos com as siglas de centro e de centro-direita.
Destacadas lideranças do PT têm procurado integrantes dessas siglas, para tentar construir alianças táticas. Querem recompor canais de diálogo que foram obstruídos durante os governos do PT e, principalmente, em meio à disputa política que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
O recado desses petistas é que não veem problemas em fazer alianças com a centro-direita se for para enfrentar o que chamam de “bolsonarismo”, embora destaquem que é preciso ter clareza de que esse movimento não significa o abandono do programa petista e da tentativa de se construir uma frente de esquerda.
Essa aproximação já resultou, por exemplo, na soma de esforços para alterar a reforma da Previdência, na desidratação do pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e na obstrução, no Congresso, às iniciativas relacionadas ao movimento “Escola Sem Partido”. Não sem motivo, diversos líderes do Centrão defenderam a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No entanto, existe uma grande diferença entre acordos táticos e a possibilidade de se chegar a uma aliança estratégica visando 2022. Isso porque, para os partidos de centro-direita, o PT deixou de ser a opção de alternância de poder na visão da maioria do eleitorado.
Primeiro porque colocou as contas públicas em uma situação de fragilidade extrema, o que acabou resultando no impeachment da ex-presidente Dilma. Depois, por também apostar na radicalização.
Estas movimentações partidárias começaram antes do início da crise provocada pelo coronavírus. Tendem a se intensificar daqui em diante, embora novamente não seja possível prever, ainda, o quanto irão prosperar.
O que já é possível observar é que, enquanto o presidente Jair Bolsonaro continua a negar a política, o Congresso e os partidos vão apresentando resultados. A grande maioria dos governadores vai se consolidando como parte da solução, um espaço que agora os prefeitos querem ocupar também.
No fim de semana, aliás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez duas reuniões virtuais com representantes dos prefeitos. Ao reconhecer a falta de abrangência do Cadastro Único, pediu aos gestores municipais que cedessem seus cadastros para que o governo federal pudesse repassar rapidamente a ajuda emergencial à população carente. Disse que as pessoas indicadas pelos prefeitos receberiam o dinheiro automaticamente, mesmo que não constassem das listas de possíveis beneficiários mantidas em Brasília. É tudo o que deseja um prefeito em busca da reeleição.
Mesmo sem querer, mais uma vez o governo Bolsonaro pode acabar ajudando a classe política a se reerguer. Inclusive dando ferramentas para que o clientelismo, uma das práticas mais condenáveis da política, ganhe força nas próximas campanhas eleitorais.
*Fernando Exman é chefe da redação, em Brasília
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