quarta-feira, 1 de abril de 2020

Bernardo Mello Franco - Um engavetador na defesa do capitão

- O Globo

Na pandemia, o procurador Augusto Aras insiste em blindar Bolsonaro. Ele já engavetou duas representações contra a atuação temerária do presidente

O procurador Augusto Aras diz que é “extremamente injusto” chamá-lo de omisso. Impossível discordar. De acordo com os dicionários, omisso é quem não age e não se manifesta. Aras faz as duas coisas, mas sempre em defesa do governo.

Prestes a completar seis meses no cargo, o procurador tem se empenhado para blindar Jair Bolsonaro no Supremo. Sua atuação lembra o inesquecível Geraldo Brindeiro, que ganhou o apelido de engavetador-geral da República na era FH.

Em entrevista ao GLOBO, Aras fez malabarismo para não melindrar quem o indicou. Questionado sobre o “corona tour” em plena pandemia, disse que a mobilidade “está no campo de uma certa vontade de cada um”. “O presidente tem a sua forma de pensar e não me cabe criticá-lo”, desconversou.

Na semana passada, o chefe do Ministério Público Federal arquivou duas representações de colegas contra os desmandos do capitão. Os procuradores queriam que Aras pressionasse o presidente a respeitar as autoridades sanitárias na pandemia do coronavírus.

Ele alegou a existência de “incertezas científicas” e despachou os dois ofícios para a gaveta. Aproveitou para anotar que, na sua opinião, não há nenhum indício “de eventual prática de ilícito de natureza criminal por parte do presidente”.

Há quem discorde. Para um grupo crescente de juristas, Bolsonaro deveria responder criminalmente pelas ameaças à saúde pública. O passeio de domingo teria violado o artigo 268 do Código Penal: “Infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

Enquanto Aras cruza os braços, procuradores de primeira instância, partidos políticos e entidades civis recorrem à Justiça para impedir Bolsonaro de sabotar a quarentena. Ontem a OAB foi ao Supremo contra o que chamou de atuação “temerária e irresponsável”, que “coloca em risco a vida de milhares de brasileiros”. A ação pede que o presidente deixe de afrontar as orientações sanitárias, zere a fila do Bolsa Família e pague imediatamente o auxílio de R$ 600 aprovado no Congresso.

Novo tom de Bolsonaro parece pegadinha de 1º de Abril
É sempre arriscado apostar na moderação de Jair Bolsonaro.

No pronunciamento de ontem, o presidente ensaiou uma mudança de tom sobre o coronavírus. Depois de chamar a epidemia de "gripezinha" e "resfriadinho", disse que o combate a ela será o "maior desafio da nossa geração".

Bolsonaro também pediu a "união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade".

Essa bandeira branca durou poucas horas. Hoje cedo, o presidente postou nas redes sociais um vídeo em que um homem diz que os governadores "querem ganhar nome e projeção política à custa do sofrimento da população".

No vídeo, o homem exalta Bolsonaro relata uma situação de desabastecimento na Ceasa de Belo Horizonte. Agora há pouco, o repórter da CBN Pedro Bohnenberger esteve lá e mostrou que não há desabastecimento. Pelo contrário: os feirantes disseram que as vendas aumentaram durante a pandemia. Ou seja, o presidente voltou a divulgar fake news para fazer luta política.

Ao que tudo indica, o novo tom de Bolsonaro na TV foi uma pegadinha antecipada de Primeiro de Abril, o Dia da Mentira.

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