terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Míriam Leitão - O medo contamina mercados globais

- O Globo

Na economia, o medo do desconhecido se reflete nas cotações e foi isso que aconteceu ontem como efeito do coronavírus

Ações, moedas, petróleo, em todos os mercados do mundo ontem foi um dia difícil. O pior em meses. Por onde se olha na economia pode haver impacto se o coronavírus se espalhar mais. Ainda que o risco seja contido, já está afetando. A China é um país que quase não tem férias, e os poucos dias de folga são os da comemoração do Ano Novo Lunar. Desta vez, não houve festas, as ruas ficaram vazias e trabalhadores estrangeiros que viajaram não estão voltando. As viagens em geral estão restritas, centros industriais estão dando férias coletivas. O país que puxa a economia mundial e que nunca para está parando e vai consumir menos. É isso que os mercados refletiam ontem.

O Ibovespa caiu 3,29%, a maior queda desde março, o dólar subiu para R$ 4,21, a Petrobras recuou 4,3% e a Vale, 6,1%. O Brasil é grande fornecedor de commodities para a China. O índice composto das bolsas europeias caiu 2,3%. Nos EUA, houve queda nos três principais índices. Dow Jones zerou os ganhos do ano. Montadoras internacionais como a Nissan, PSA e Renault anunciaram que estavam tirando seus empregados estrangeiros das plantas em áreas da China que foram atingidas pelo vírus, segundo o “Financial Times”. Os trabalhadores do centro industrial de Suzhou, com 11 milhões de habitantes, onde estão essas montadoras e fornecedores da iPhone como a Foxconn, tiveram sua volta ao trabalho adiada por mais de uma semana. Os bancos que se expandiram muito pelo interior da China estão mantendo longe os seus funcionários. Xangai, com 21 milhões de habitantes, determinou que todos os negócios parem até o dia 9 de fevereiro. Há inúmeras decisões que vão afetar a atividade no curto prazo.

Os investidores estão reagindo ao desconhecido. Ninguém sabe dimensionar os efeitos sobre a economia do coronavírus. Os receios são de que a economia chinesa, que cresceu 6,1% no ano passado, a menor taxa em quase 30 anos, tenha desaceleração mais brusca em 2020. O consumo do país pode ser afetado, assim como o turismo, as companhias aéreas, e até mesmo os investimentos. O índice de volatilidade VIX disparou 30% ontem e atingiu o maior patamar desde setembro. O petróleo do tipo brent caiu para US$ 58, no menor patamar do ano. Se no início de janeiro o medo era de disparada da cotação por um conflito entre EUA e Irã, agora o movimento é oposto, de queda das commodities. O preço cai porque os investidores temem o encolhimento do consumo chinês.

O anúncio da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que estava corrigindo a classificação de risco de vírus de moderado para alto, o aumento do número de mortes e infectados, tudo tem sido motivo para aumento do medo. Na economia ele se expressa nas cotações.

Especialistas e infectologistas têm dúvidas se ampliar feriados é a melhor estratégia para lidar com o surto porque as autoridades podem ter mais dificuldade pra localizar, tratar e isolar os infectados. A restrição às viagens pode ter acontecido tarde demais, depois de o vírus já ter se espalhado. O “NYT” chamou atenção para o aumento de postagens com críticas ao governo, desafiando a censura e o controle que a ditadura chinesa impõe sobre as redes sociais.

A volatilidade tem dominado os mercados nos últimos tempos. Uma notícia mais tranquilizadora pode reverter tudo o que aconteceu ontem, mas esse surto, e a evolução imprevisível do vírus, acontece num momento em que já há muito pessimismo. A PwC divulgou pesquisa que faz todo ano com os maiores CEOs do mundo. Em 2018, os presidentes das empresas estavam no pico de otimismo, agora estão no ponto mais baixo recente de pessimismo quando fazem previsões sobre a economia global. Eles apontam vários riscos: incerteza, mudança climática, conflito comercial, desafios cibernéticos. Tudo isso elevando o temor de desaceleração global. Nesse ambiente já instável bate o temor do avanço de um vírus perigoso.

A economia do Brasil começa a se recuperar agora, depois da recessão e da estagnação que consumiu os últimos cinco anos. Do nosso ponto de vista, é um péssimo momento para algo tão tenebroso acontecer. A China é nosso maior parceiro comercial. Mas o risco é muito maior do que vender menos. O que mais assusta é a incerteza sobre o que vai acontecer com a saúde no mundo se não conseguirem conter esse vírus.

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