- Valor Econômico
Se aceitarmos as projeções da Focus, a economia poderá estar crescendo algo perto de 3% ao ano ainda em 2020
Fazer projeções sobre economia, como se sabe, é sempre arriscado, mas nosso estimado ministro da Economia aposta numa trajetória de crescimento que parte de 1% em 2019, fica entre 2 e 2,5% em 2020, e chega a 3% em 2021 e 4% em 2022. Como avaliar isto: pessimista ou otimista?
Creio que é pessimista no curto prazo, pois não leva em conta que a medida normalmente utilizada da taxa de crescimento anual do PIB pode às vezes ser uma indicação bastante imprecisa da evolução do nível de atividade.
Permitam-me um exemplo bobo. Suponha que um indivíduo preocupado em controlar seu peso faz uma pesagem ao final de cada trimestre e nota que ao longo do ano de 2018 manteve sempre a marca de 60 kg. Em 2019, porém, começa a ganhar peso chegando a 66 kg no último trimestre. Suponha que o peso médio nos quatro trimestres de 2019 tenha ficado em 63 kg. Pergunta: qual foi o ganho de peso entre 2019 e 2018? Foi de 5%, dividindo 63 por 60, ou de 10%, dividindo 66 por 60? É claro que, se estou interessado em avaliar quanto efetivamente engordei em 2019, é a segunda percentagem que me interessa.
No caso do crescimento do PIB ocorre algo semelhante. O IBGE produz um indicador do PIB real a cada trimestre e podemos comparar a média de 2019 com a média de 2018, mas isto não é uma medida adequada para o crescimento efetivo em 2019. O correto é comparar o indicador do último trimestre de 2019 com o do último trimestre de 2018. Podemos denominar a primeira medida de taxa média de crescimento e a segunda de taxa de crescimento em quatro trimestres ou, abreviando, taxa 4T.
Naturalmente temos uma taxa de crescimento 4T para cada trimestre do ano. Por exemplo, para 2019 o IBGE já divulgou as taxas 4T de 0,59% no primeiro trimestre, de 1,08% no segundo e de 1,19% no terceiro. Também é importante notar que a taxa de crescimento média do ano é aproximadamente igual à média simples das taxas 4T dos quatro trimestres. Então se a taxa média de 2019 for realmente de 1,17% como projetado no último relatório Focus do Banco Central, a taxa 4T ainda não divulgada para o último trimestre será igual a 1,17 vezes 4 menos 0,59 menos 1,08 e menos 1,19. Ou seja, a taxa de crescimento 4T para 2019 será de 1,82%. Portanto se os números do Focus estiverem corretos a economia brasileira já cresceu a um ritmo próximo a 2% em 2019.
E o que dizer sobre 2021? O relatório Focus está projetando uma taxa média de crescimento de 2,3%, mas o que se pode dizer sobre a taxa 4T? Como já vimos o Focus implicitamente projeta uma taxa 4T de 1,82% para o último trimestre de 2019 e podemos supor que algo semelhante se repita no primeiro semestre de 2021. Então para que a taxa média do ano fique em 2,3% teremos que ter taxas 4T próximas a 2,8% no segundo semestre (pois 2,3 é o ponto intermediário entre 1,8 e 2,8). Pode parecer surpreendente, mas é uma possibilidade real. Se aceitarmos as projeções atuais da Focus, a economia brasileira poderá estar crescendo algo próximo a 3% ao ano ainda em 2020.
E o que dizer da projeção de crescimento de 4% para 2022? Creio que aí temos um excesso de otimismo do ministro. É verdade que já tivemos períodos longos de crescimento com esse ritmo, por exemplo, entre final de 2003 e final de 2011. Nesses oito anos, que correspondem aos sete finais de Lula e ao primeiro de Dilma, a média das taxas 4T foi 4,3% (ou de 4,4% quando usamos taxas médias de crescimento). Portanto o Brasil é capaz de produzir este ritmo de crescimento, mas podemos identificar alguns fatores naquele período que parecem menos viáveis agora.
Por exemplo, a construção civil (que tem ponderação de uns 7% no PIB Total) registrou crescimento médio no conceito 4T de 6,3%, com taxas próximas ou superiores a 8% nos anos de 2004, 2007, 2009, 2010 e 2011, sendo que em 2009 chegou a surpreendentes 16%.
O crescimento da indústria de transformação, de apenas 2,1%, foi compensado pelo crescimento de 4,2% no PIB Serviços, mas este ritmo não é registrado neste último setor desde 2012 (quando aliás houve uma mudança de metodologia). Dentro dos serviços surpreende o desempenho das instituições financeiras (que tem também ponderação próxima a 7% no PIB Total) com ritmo médio de 7,8% no conceito 4T. Este setor desde 2012 praticamente só apresenta taxas de crescimento negativas, o que talvez resulte da esquisitice de medir o seu PIB pelo spread entre taxas de captação e empréstimo. Será que podemos concluir que uma redução na taxa Selic e nos spreads bancários têm impacto negativo sobre o PIB do setor financeiro?
Também é importante examinar a contribuição direta do setor público, que pode ser medida pelo PIB administração, saúde e educação pública, com ponderação da ordem de quase 20% no PIB Total. Este componente do PIB cresceu em média 2,6% nos oito anos do período 2003-10 (governo Lula), mas com alguns anos de desempenho igual ou superior a 4%, como em 2003, 2006 e 2009.
Pode parecer surpreendente que na metodologia do PIB quando o governo aumenta mais rapidamente os gastos públicos e a folha de pagamentos do funcionalismo ocorre um impacto positivo no crescimento mesmo que piore a situação fiscal. Isto agora será limitado pelo teto dos gastos que deve reduzir essa taxa de crescimento para um número próximo a zero ou mesmo negativo, como já ocorreu em 2016 e 2018. Mas note-se que crescimento nulo neste setor terá impacto negativo da ordem de meio ponto percentual no crescimento do PIB Total.
A doutrina econômica da escola de Chicago sempre foi que com reformas e a redução da participação do setor público na economia ocorre o milagre do “descongestionamento”, ou seja, a iniciativa privada imediatamente se apresenta para preencher a perda de crescimento com o afastamento do governo. Nosso ministro está nos propiciando um belo experimento natural desta tese. Estamos torcendo para que realmente funcione, mas talvez fosse o caso de dar uma olhada cuidadosa nessa arcana prática de cálculo do PIB pelo IBGE.
*Francisco Lafaiete Lopes, PhD por Harvard, é sócio da consultoria Macrométrica e ex-presidente do Banco Central
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