A
nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal
deverá ser a consequência política mais séria do arquivamento, considerado
certo diante da negativa de Bolsonaro de depor, do inquérito que apura uma
suposta intervenção do presidente da República na Polícia Federal.
Era
justamente essa nomeação, barrada pelo ministro Alexandre Moraes do Supremo
Tribunal Federal em abril deste ano, que confirmaria a intenção de Bolsonaro de
intervir na PF, segundo denúncia do ministro da Justiça e Segurança Pública
demissionário na época, Sérgio Moro.
Com base nessa explicação para sua decisão de se demitir, o ministro do Supremo Celso de Mello autorizou a Procuradoria-Geral da República a abrir um inquérito para apurar os fatos. O ministro Alexandre de Moraes assumiu o inquérito com a aposentadoria de Celso de Mello, e ontem consultou formalmente a Procuradoria-Geral da República sobre a decisão do presidente Bolsonaro de não depor no inquérito que apura uma suposta intervenção dele na Polícia Federal.
Ninguém
espera que o procurador Augusto Aras tenha uma posição independente nos casos
que envolvem o presidente da República, destoando da atuação do Ministério
Público nos anos recentes, depois do “engavetador-geral” Geraldo Brindeiro. Nesse
caso, mesmo que ele lamentasse a decisão do presidente, não haveria o que
fazer.
Não
existe mais a condução coercitiva desde junho de 2018, quando o Supremo
Tribunal Federal (STF), por 6 a 5, proibiu-a por considerá-la uma
espetacularização da Justiça e ofensiva à Constituição, segundo a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), pois feriria o direito da pessoa de não se
incriminar. Provavelmente por isso o ministro Celso de Mello, ao determinar o
depoimento presencial do presidente da República, fez a observação de que ele
tinha o direito, como qualquer cidadão, de ficar em silêncio no depoimento, ou
simplesmente se recusar a depor.
A
decisão de Bolsonaro, tomada sem esperar que o plenário do Supremo decida se
ele tem o direito de fazer o depoimento por escrito, como requerera
inicialmente, demonstra que ele não se sente confortável para contrapor sua
versão às provas levantadas na investigação. Mais ainda, a certeza de que o
inquérito será arquivado, pois se fosse outra pessoa não arriscaria a ser
condenado sem ter o direito de defesa.
Arquivado
o inquérito, por decisão do Procurador-Geral Augusto Aras, não haverá mais como
definir como “desvio de finalidade” sua nomeação, alegação que o ministro
Alexandre de Moraes usou na ocasião para impedir a nomeação de Ramagem, que
poderia sugerir a não observância da regra constitucional de “impessoalidade”
no serviço público.
Ramagem
conheceu a família Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018, quando
foi encarregado da segurança do candidato depois da facada que Bolsonaro
recebeu em Juiz de Fora. Se o inquérito aberto para investigar a denunciada
interferência for arquivado por falta de provas, só um fato novo poderá impedir
a nomeação de Ramagem, que, depois de ter sido barrado pela Justiça, voltou a
chefiar a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), com acesso irrestrito ao
Palácio do Planalto.
O atual diretor-geral da Polícia Federal, delegado Rolando Alexandre de Souza, provavelmente será nomeado para um cargo no exterior. Ao tomar conhecimento da decisão de Alexandre de Moraes em abril, o presidente Bolsonaro decidiu não recorrer da decisão, e recuou momentaneamente. Mas disse a assessores que continuava decidido a ter Ramagem na Polícia Federal. Viveremos uma situação esdrúxula de ter a comprovação de que o interesse do presidente Bolsonaro sempre foi o de nomear uma pessoa de confiança como seu amigo Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, para controlar as informações, e não ter meios legais para impedir que isso aconteça
Nenhum comentário:
Postar um comentário