sábado, 28 de novembro de 2020

Hélio Schwartsman - Jabuticaba eleitoral

- Folha de S. Paulo

Obrigatoriedade do voto inclui paternalismo arrogante

Sei que escrevo contra a obrigatoriedade do voto com uma frequência maior do que a recomendável, mas não tem jeito, essa é uma das jabuticabas brasileiras que mais me incomodam.

O incômodo é sobretudo filosófico, já que, na prática, eu dificilmente deixaria de votar caso a obrigatoriedade fosse eliminada. Aliás, resolver as pendências burocráticas por não ter visitado a urna, seja justificando-se, seja pagando a multa, que não excede R$ 4, é quase tão simples quanto votar, de onde concluo que, na vida real, não é o medo das sanções que faz as pessoas aparecerem para digitar os números de seus políticos favoritos.

Se a obrigatoriedade é quase inócua, por que então insurgir-se contra ela? Como antecipei, a questão é filosófica. Para os que, como eu, defendem que votar seja opcional, o instituto é um direito. Já para os apoiadores do voto compulsório, ele é um dever.

Só que eu não vejo como sustentar que seja um dever. O sujeito que não vai votar, afinal, não causa nenhum tipo de dano a ninguém nem a nenhuma instituição. Uma eleição a que tenham comparecido 40% dos eleitores vale exatamente o mesmo que uma a que tenham acorrido 90%. O número de mandatos resultantes é o mesmo, assim como são os mesmos o poder e a legitimidade dos eleitos.

Há um paternalismo arrogante por trás da defesa da obrigatoriedade: precisamos assegurar que todas as classes sociais participem do processo eleitoral, mesmo que não o desejem. Penso um pouco diferente. Precisamos assegurar que ninguém seja impedido de participar do processo, mas sem jamais forçar uma pessoa a fazer o que não quer quando a inação não gera dano.

Trocando em miúdos, se levamos a sério a ideia de democracia, não podemos aceitar uma regra que afirma que cabe ao cidadão decidir quem serão os dirigentes e legisladores, mas que o impede de decidir soberanamente se vai ou não comparecer à sua seção eleitoral.

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