A
tentação de resolver desafios sem incorrer no ônus de onerar o consumo privado
é sempre grande
“Anos Dourados”, a ótima coluna de Mario
Mesquita aqui publicada quinta passada, traz duas importantes mensagens sobre
nossa dificuldade de crescer a um ritmo satisfatório desde os anos 1980. Uma,
que essa dificuldade resulta, em parte, da herança deixada pelo modelo
econômico desses anos: economia fechada, focada demais no Estado empresário e
de menos na educação básica, e incapaz “de resolver problemas macroeconômicos
de curto prazo, como controlar a inflação”, que comprometem o desempenho de
longo prazo. Outra, que não reconhecer essa herança ruim leva a um saudosismo
imerecido desse modelo, dificultando a adoção de políticas mais favoráveis ao
crescimento.
A coluna me deixou pensando sobre um dos acontecimentos mais interessantes de nossa história: a decisão do governo Geisel, que tomou posse em março de 1974, de ir contra a tendência mundial de se ajustar ao primeiro choque do petróleo desacelerando o crescimento. Em vez disso, dobrou a aposta em políticas expansionistas. O discurso à época é que o Brasil seria uma ilha de prosperidade em um mundo revolto.
O
Brasil era muito dependente das importações de petróleo e outros produtos que
também subiram de preço nessa hora, fazendo com que experimentássemos uma queda
de 17% em nossos termos de troca em 1974. Isso ajudou a catapultar nosso
déficit em conta corrente, de 2,5% para 6,8% do PIB, e a mais que dobrar a
inflação ao consumidor, de 13% para 28%.
E
não era só o choque externo que sugeria uma desaceleração: o governo anterior
terminara com a economia muito aquecida, política econômica muito
expansionista, baixa capacidade ociosa e crescimento acima do potencial (alta
do PIB de 14% em 1973).
Por
que, então, o novo governo não focou em primeiro estabilizar a economia e
depois retomar o crescimento? Por que, ao contrário, partiu logo para um
ambicioso programa de novas rodadas de substituição de importações e grandes
investimentos em infraestrutura, que nesse período registraram os níveis mais
altos de nossa história?
A
explicação mais conhecida é a de que isso era necessário para viabilizar o
processo de abertura política “gradual, lenta e segura” que Geisel implementou.
Isso pois os segmentos mais radicais das Forças Armadas se opunham a ela e, no
tabuleiro político de então, seria um risco associar abertura política a perda
de dinamismo econômico. Sobre isso, vale ler o artigo de Bolivar Lamounier e
Alkimar Moura, Economic Policy and Political Opening in Brazil (bit.ly/3duI7Fs).
As
explicações não são, porém, só políticas. No seu excelente “O Último Trem para
Paris” (Ed. Nova Fronteira, 1986), o saudoso João Paulo dos Reis Velloso,
ministro do Planejamento tanto de Médici como de Geisel, defende a opção de
manter o crescimento acelerado e aprofundar o processo de mudança estrutural
com dois argumentos principais.
Primeiro,
o custo social de uma desaceleração do crescimento teria sido grande: “[n]o
aspecto social, (...) o Governo estava certo, em 1974, na sua rejeição da
recessão, que, após 81, mostrou ser tão terrível quanto se temia”. Mas, como o
próprio autor observa, a falta de ajuste foi além de evitar uma recessão: “o
endividamento (externo) ocorreu para que as duas coisas se equilibrassem. Ou,
dito de outra forma, para que o esforço de investimentos se verificasse sem a
queda do consumo privado - ao contrário, com sua elevação”.
Segundo,
que, em que pese a forte escalada da dívida externa e a alta da inflação, a
estratégia adotada teria levado ao ajuste da economia, não fossem a seca de
1978, o segundo choque do petróleo e a escalada dos juros pelo Fed, o banco
central americano, a partir de 1979. E esses acontecimentos eram imprevisíveis.
Assim, para Reis Velloso, “[p]odemos até aceitar que, à luz do que veio depois,
teria sido bom pagar o preço de ter tido um ajustamento mais forte nos preços
relativos. Todavia, isso já é o mundo da ‘sabedoria após os fatos’”.
O
fato é que a opção por pisar no acelerador deixou o Brasil muito vulnerável aos
choques do final dos anos 1970 e explica muito da crise da dívida externa e da
hiperinflação que vieram depois. Até acho que os ganhos com a abertura política
podem justificar essa escolha, mas de um ponto de vista puramente econômico foi
uma aposta que deu errado.
Apostas
desse tipo, ainda que em geral de menor grau, são recorrentes na nossa
história. A tentação de resolver os desafios sem precisar incorrer no ônus
político de onerar o consumo privado e focar nos desequilíbrios macroeconômicos
é sempre grande. Porém, a história ensina que os países se desenvolvem, não
porque vivem ciclos curtos de rápido crescimento, mas porque são capazes de
crescer bem durante muitas décadas. E, para isso, é preciso cuidar dos
desequilíbrios macroeconômicos de curto prazo.
O
Brasil de hoje sofre com esses desequilíbrios, tanto no fiscal como na
inflação, e, mesmo com o desafio adicional da pandemia, é preciso enfrentá-los.
Apostar que os problemas se resolvem sozinhos, apenas com retórica forte, é
tentador, mas muito arriscado. É um caminho que pode levar a crises sérias ali
na frente.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
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