O
que são R$ 2 bilhões para se garantir a paz em 2022?
Confesso
que este é um texto requentado. No caderno em que anoto ideias para minhas colunas
futuras do Valor,
o tema apareceu em vários momentos nos últimos meses - embora minha opinião
fosse mudando ao longo do tempo.
A
primeira vez que pensei em escrever a respeito foi há pouco mais de um ano,
quando o presidente da República, naquela famosa viagem a Miami em que quase
toda a comitiva voltou infectada pelo coronavírus, declarou: “Eu acredito,
pelas provas que eu tenho nas minhas mãos, que vou mostrar brevemente, [que] eu
fui eleito em primeiro turno”.
Na época pensei em fazer um texto desafiando a afirmação de Jair Bolsonaro, argumentando que, apesar dos questionamentos, nunca ficou demonstrado que as urnas eletrônicas brasileiras, que começaram a ser implantadas em 1996 e foram universalizadas em 2002, foram “hackeadas” ou fraudadas. Cheguei até a compilar dados do International Institute for Democracy and Electoral Assistance, uma organização intergovernamental da qual o Brasil é um dos países-membros, mostrando que 41 nações - entre elas Estados Unidos, Canadá, Austrália, França e Coreia do Sul - já adotam sistemas de votação eletrônica em nível local ou nacional.
Como
naquele momento o Brasil estava mergulhando no buraco sem fim da covid, pensei
que havia assuntos mais importantes a tratar e deixei pra lá. Mas com as
eleições americanas, o tema ressurgiu.
Além
de ter sido um dos poucos governantes que endossaram publicamente a tese de
Donald Trump de que teria havido manipulação na apuração nos EUA, após a
invasão do Capitólio Bolsonaro voltou a alegar que foi prejudicado em 2018:
“Tenho indício de fraude na minha eleição. [...] Ninguém reclamou que foi votar
no ‘13’ e a maquininha não respondia, mas o contrário: quem ia votar ‘17’ ou
não respondia, ou apertava o ‘1’ e já aprecia o ‘13’”, afirmou o presidente,
novamente sem apresentar as tais provas.
A
invasão do Congresso americano por manifestantes insuflados pelo ex-presidente
Donald Trump me levou a rever minha posição, até então contrária à adoção de
mecanismos que permitam aos cidadãos auditarem o resultado das urnas. E isso
não se deveu a desconfianças em relação à integridade do sistema de votação
eletrônico brasileiro - até que me convençam tecnicamente do contrário,
continuo acreditando na posição do Tribunal Superior Eleitoral de que o
processo é seguro. Minha questão é outra.
Desde
o início da pandemia, quando sua incapacidade de governar o país ficou
evidente, Bolsonaro eleva o tom e arregimenta apoios para permanecer no poder a
qualquer custo. Nesse período, participou de várias manifestações
antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, vem bajulando cada vez mais
suboficiais e policiais militares, interveio no comando da Petrobras em favor
de caminhoneiros e ampliou de maneira considerável o acesso a armas e munições
a militares, “caçadores”, praticantes de tiro e colecionadores. Na semana
passada, teria exigido alinhamento político incondicional do comando das Forças
Armadas - o que precipitou mais uma crise política com desdobramentos incertos
no futuro.
Sistemas
de gestão de riscos trabalham com duas variáveis-chave: probabilidade de
ocorrência e tamanho esperado do impacto do sinistro. A partir do seu
dimensionamento, definem-se estratégias para se evitar ou minimizar danos.
No
caso das eleições de 2022, Bolsonaro dá sinais cada vez mais evidentes de que
não se conformará facilmente com o resultado do pleito caso seja derrotado. E o
efeito de uma ação violenta coordenada por seus seguidores mais fanáticos pode
ser considerável.
Logo
após a invasão do Congresso nos EUA, seu filho Eduardo Bolsonaro criticou a
ação, não pela ameaça à democracia, mas pelo método como foi conduzida: “Se
fosse organizada, teriam tomado o Capitólio e feito reivindicações que já
estariam previamente estabelecidas pelo grupo invasor. Eles teriam um poder
bélico mínimo para não morrer ninguém, matar todos os policiais lá dentro ou os
congressistas que eles tanto odeiam”.
É
hora, portanto, de agir preventivamente. Diante desse cenário, mudei de opinião
quanto à impressão do voto: quanto menos margem de dúvidas houver sobre o
resultado das eleições no ano que vem, maiores as garantias de que não
viveremos um período turbulento de violência e desordem social.
Dúvidas
em relação à segurança do sistema de votação eletrônica não nasceram com a
recusa de Aécio Neves em aceitar a derrota em 2014, tampouco são exclusividade
dos bolsonaristas atuais. Pesquisando na base de dados da Câmara dos Deputados,
é possível resgatar diversos projetos de lei com o propósito de lidar com esse
problema desde 2000.
De
Pompeo de Mattos (PDT-RS) ao próprio Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), passando por
Carlos Gaguim (DEM-TO) e pela ex-deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), vários
parlamentares tentaram inserir algum tipo de “backup” impresso para dirimir
eventuais dúvidas quanto ao registro dos votos.
Até
que, em 2015, o Congresso inseriu na lei eleitoral um dispositivo estabelecendo
que “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada
voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor,
em local previamente lacrado”. A presidente Dilma Rousseff vetou a alteração,
alegando o alto custo da medida (R$ 1,8 bilhão à época); o Congresso, porém,
derrubou o veto. Questionado pela Procuradoria-Geral da República, o STF
declarou que a impressão poderia ferir o princípio do sigilo do voto, e por
isso declarou a impressão inconstitucional.
Diante
de tantas sinalizações dadas por Bolsonaro, o sistema político e a cúpula do
Judiciário deveriam começar a pensar em ações para evitar o caos no país
durante e após as eleições de 2022. Admitir a impressão do voto pode funcionar
como um seguro contra ameaças democráticas. Para se ter paz em 2022, R$ 2
bilhões sairia até barato.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
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