Num
cenário marcado por uma situação fiscal complicada, a atual solidez das contas
externas ajuda a evitar um quadro pior
Num
momento em que as contas públicas causam incerteza e preocupação, as contas
externas mostram uma situação extremamente sólida. O Brasil caminha neste ano
para o maior superávit comercial da história, o que deve levar o resultado em
conta corrente ao primeiro saldo positivo desde 2007. A disparada das
commodities, o câmbio desvalorizado e a fraqueza da demanda interna explicam as
projeções otimistas para a balança em 2021. Com a alta das taxas de retorno dos
títulos do Tesouro americano, contas externas robustas são um trunfo para o
Brasil sofrer menos caso haja um aumento mais forte da aversão global ao risco,
afetando os países emergentes.
As incertezas fiscais têm contribuído para enfraquecer o real. A dívida bruta está na casa de 90% do PIB e não está claro quando o indicador vai começar a se estabilizar. Para complicar, a aprovação de um orçamento irrealista para 2021 mostrou a resistência do governo e do Congresso em tomar decisões difíceis em relação às contas públicas, num quadro em que deputados e senadores agem para engordar ao máximo os recursos para emendas parlamentares.
Há negociações para mudar a peça orçamentária, mas ficaram mais do que evidentes os obstáculos no sistema político para conter gastos. Em vez de buscar soluções que conciliem medidas necessárias como a volta do auxílio emergencial e de programas de ajuda às empresas com o equilíbrio fiscal, o Congresso aprovou cortes nas despesas obrigatórias. Essa confusão fiscal faz com que o real fique muito mais desvalorizado do que sugerem fundamentos como a situação das contas externas, colaborando para a alta da inflação. Na sexta-feira, a moeda fechou acima de R$ 5,70.
As
estimativas apontam para um superávit comercial expressivo neste ano. O
Bradesco prevê um saldo de US$ 67 bilhões, e diz que o número pode chegar a US$
82 bilhões, a depender da evolução das commodities e do câmbio. Os preços dos
principais produtos de exportação estão em níveis recordes, destaca o banco,
observando que a economia global deverá ter um forte crescimento em 2021 -
China e EUA vão avançar a um ritmo expressivo. Em 2020, o saldo ficou em US$
50,9 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
“Projetamos
que as exportações alcancem US$ 246 bilhões neste ano, representando uma alta
de 17% em relação a 2020”, dizem os economistas Felipe Wajskop França e Myriã
Bast. Já a recuperação doméstica ainda gradual e o câmbio desvalorizado seguram
a expansão das importações, que devem aumentar 6,7%, para US$ 179 bilhões,
segundo eles. Na visão do Bradesco, as cotações do minério de ferro devem ter
alta de 22% em relação a 2020, enquanto as da soja tendem a subir 35% e as do
milho, 39%, num cenário que pressupõe algum recuo durante o ano. Na média, os
preços das exportações totais deverão aumentar 11%. Além disso, o avanço de
6,2% da economia global em 2021 levará o volume exportado pelo Brasil a subir
7%, estima o banco.
O
Bradesco faz uma simulação para mostrar que, a preços de hoje, o superávit pode
alcançar US$ 82 bilhões em 2021. “Em um cenário alternativo em que as
commodities mantivessem os preços atuais durante todo o ano e o câmbio ficasse
estável em R$ 5,75 até dezembro, nossas exportações poderiam chegar a US$ 263
bilhões, enquanto as importações somariam US$ 181 bilhões.” No cenário-base do
banco, o dólar cairá um pouco neste ano, terminando 2021 em R$ 5,60.
Um
saldo de US$ 67 bilhões fará o país registrar o primeiro superávit em conta
corrente desde 2007, de US$ 3,4 bilhões, ou 0,2% do PIB, segundo o Bradesco. Se
as exportações superaram as importações em US$ 82 bilhões, a conta corrente,
que mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior,
pode ficar positiva em US$ 18,5 bilhões, ou 1,2% do PIB. Nos 12 meses até março
de 2020, havia um rombo de 3,1% do PIB.
No
relatório, os analistas também fazem um exercício para avaliar como o
desempenho das exportações pode afetar o fluxo de capital externo. Segundo
eles, um modelo que leva em conta os juros internos, a desvalorização do real e
o risco país explica 80% da diferença entre o fluxo cambial contratado e a
balança comercial. “Como reflexo da queda estrutural dos juros domésticos nos
últimos cinco anos, tornou-se menos atrativo aos exportadores internalizar
integralmente os recursos resultantes das suas vendas no exterior. Mais
recentemente, o agravamento da situação fiscal elevou o risco percebido pelos
investidores internacionais, ampliando a diferença entre o fluxo contratado e o
saldo da balança física”, afirmam França e Myriã, para quem essa diferença já
supera US$ 35 bilhões. “Isso significa que os exportadores vêm internalizando
apenas um terço do valor das suas vendas no exterior. Mantida essa proporção, o
influxo de divisas resultante da nossa expectativa para as exportações seria de
US$ 22,5 bilhões neste ano”, estimam eles. Outro ponto é que, com o ciclo de
alta dos juros iniciado pelo BC e a forte desvalorização do real desde janeiro,
fica mais atraente para os exportadores trazerem uma parcela maior dos recursos
que ficam fora do país. “Assim, levando em conta nossa projeção de Selic de
5,25% para o fim do ano, o câmbio médio de R$ 5,60 e mantendo o CDS [medida de
risco país] constante em 200 pontos, esse fluxo de entrada pode dobrar, somando
US$ 45 bilhões até dezembro.”
Com
isso, essa entrada de dinheiro no país pode pelo menos conter a forte
depreciação do real, avaliam os analistas do Bradesco. “É verdade que as
incertezas sobre as contas públicas e o cumprimento do teto de gastos irão
persistir até o fim do ano, mantendo o câmbio pressionado. Porém, os demais
fundamentos, como a normalização dos juros domésticos e as condições externas
favoráveis, deverão contrabalançar essa equação.”
Para um país como o Brasil, que poupa pouco, algum déficit em conta corrente (equivalente à poupança externa) é desejável para ajudar a financiar o investimento, desde que não seja um rombo exagerado. Num cenário marcado por uma situação fiscal complicada, porém, a atual força das contas externas ajuda a evitar um quadro pior. Desde o fim do ano passado, o rendimento dos títulos de 10 anos do Tesouro americano aumentou de 0,93% para 1,72% ao ano, por causa da avaliação crescente de que o forte crescimento da economia vai elevar a inflação, fazendo o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) aumentar os juros mais cedo do que se espera. Uma alta mais acentuada das taxas dos títulos americanos pode colocar mais pressão sobre os emergentes. A solidez das contas externas - o país conta ainda com reservas de US$ 347 bilhões - pelo menos atenua esse efeito negativo.
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