Garrincha
nunca disse a famosa frase - mas, certo dia, ela foi mesmo dita por alguém
"Não
adianta, Ruy. A gente escreve, mas ninguém toma providências". Era o que
me dizia, entre sério e rindo, Carlos
Heitor Cony. Referia-se às lendas que se tornam fato e, mesmo que os
historiadores as desmintam, elas voltam à tona e à circulação. Uma delas,
aquela sobre Garrincha e os russos.
A
poucos minutos do jogo Brasil x URSS pela Copa de 1958, o treinador Vicente
Feola deu as últimas instruções: "Garrincha, você recebe a bola e dribla o
lateral russo. O quarto-zagueiro virá na cobertura e você o dribla também. Já
na linha de fundo, cruze para a área onde Vavá estará livre, porque o zagueiro
central terá saído para cobrir o quarto-zagueiro". Garrincha ouviu e
disse: "Tá bem, seu Feola. Mas o senhor combinou com os russos?"
Em meu livro "Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha", de 1995, ignorei de propósito essa história. Tinha boas razões para isso. Perguntara ao preparador físico da seleção, Paulo Amaral, e aos jogadores Gilmar, Bellini, Orlando, Didi e Nilton Santos. Todas estavam naquela preleção. E nenhum escutou o diálogo.
Mas
acabo de saber agora que, um dia, ele aconteceu. Só que não com Garrincha. E
sim com Pipi, ponta-esquerda do Corinthians, em 1946. A cena é a mesma. Antes
de um jogo, o treinador José Foquer instruiu-o: "Pipi, ao receber a bola
caia para a direita e desloque seu marcador. O zagueiro virá em cima de você.
Ou você o dribla e chuta a gol, ou passa ao melhor colocado". E por aí foi
até que Pipi, considerado craque e grande gozador, perguntou-lhe: "Foquer,
você conversou com eles pra me deixarem fazer isso?".
A fonte dessa versão foi Domingos da Guia, glória do futebol e companheiro de Pipi no Corinthians naquele ano. Ele a contou numa crônica para a Última Hora, de 2 de julho de 1957, que Marcelo Dunlop, implacável historiador do Flamengo e do futebol, descobriu e, sem combinar com os russos, me enviou.
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