- O Estado de S. Paulo
Vício de nossa cultura política, a falta de
visão de longo prazo merece especial reflexão
Um vídeo de 14 minutos com o título “O
Brasil conseguirá sobreviver a Bolsonaro?” teve, ao longo da semana, cerca de
500 mil visualizações no YouTube. Ele é parte de uma
reportagem especial sobre o Brasil publicada pela The Economist, a revista mais
influente do mundo. Num
dos textos do pacote, traduzido para o português pelo Estadão, a The Economist sugere que os
brasileiros usem o voto para se livrar do presidente Jair Bolsonaro, caso queiram sair
da crise múltipla que aflige nosso país há quase dez anos.
Perspectivas externas sobre o Brasil
costumam ser úteis, ainda mais quando elaboradas com o rigor e a profundidade
do jornalismo da The
Economist. A revista britânica, de tendência liberal, vai muito
além da crítica ao presidente. Ela aponta características negativas de nossa
cultura política, e mostra como elas nos levaram à situação atual. Um vício que
merece especial reflexão é a falta de visão de longo prazo.
Não parece difícil traçar uma agenda para o Brasil, dado que nossos problemas são grandes e evidentes. Há uma quase unanimidade sobre eles, à direita e à esquerda. O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, escreveu um ensaio a respeito. Os cientistas políticos Marcus Melo e Carlos Pereira – este último colunista do Estadão – publicaram, com os economistas Lee Alston e Bernardo Mueller, um livro sobre o assunto, Brazil in Transition. As conclusões coincidem.
Num país com níveis inaceitáveis de pobreza
e desigualdade, o principal desafio é a inclusão social. O segundo, que decorre
do primeiro, é gerar e alocar recursos de forma que as políticas sociais sejam
eficientes e não quebrem o país. Os autores de Brazil in Transition chamam isso
de “inclusão social responsável”.
Existe toda uma agenda de reformas
destinadas a cumprir esses dois objetivos, mas o debate sobre elas caminha a
passo de jabuti. Por que isso acontece? Marcus Melo tece algumas explicações no
minipodcast da semana. “No Brasil, são poucos os incentivos para um
comportamento de longo prazo por parte dos políticos”, diz ele.
Uma das razões é a falta de partidos
fortes. Individualmente, políticos têm um horizonte de curto prazo – a
reeleição. Para consegui-la, é mais eficiente investir em obras locais que
batalhar por grandes ideias. Já os partidos, quando consolidados, têm uma
reputação a zelar e um histórico de luta por determinadas causas. Partidos
fortes seriam fundamentais para um debate de alto nível sobre projetos de país.
Outro problema é a ausência de elites
capazes de conduzir o processo político. Já as tivemos, mas muitos dos líderes
com visão mais madura parecem querer distância da vida partidária. Isso é ruim.
“Dá margem ao surgimento de atores arrivistas, de comportamento predatório. São
pessoas que nunca se prepararam para estar no poder”, diz Marcus.
A reportagem da The Economist cobra nossos líderes – “Os políticos precisam lidar com as reformas econômicas atrasadas” – e cidadãos: “Empresas, ONGs e brasileiros comuns devem protestar em favor da Amazônia e da Constituição”. A reportagem mostra que nossos problemas não começaram com Jair Bolsonaro – entramos em recessão profunda durante o governo Dilma Rousseff –, mas defende que ele não é o líder certo para restituir ao País uma visão de longo prazo. Isso fica claro no vídeo de meio milhão de acessos e também no título do texto dedicado ao presidente: “É hora de ir embora”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário