sábado, 12 de junho de 2021

João Gabriel de Lima - Líderes com visão e atores arrivistas

- O Estado de S. Paulo

Vício de nossa cultura política, a falta de visão de longo prazo merece especial reflexão

Um vídeo de 14 minutos com o título “O Brasil conseguirá sobreviver a Bolsonaro?” teve, ao longo da semana, cerca de 500 mil visualizações no YouTube. Ele é parte de uma reportagem especial sobre o Brasil publicada pela The Economist, a revista mais influente do mundo. Num dos textos do pacote, traduzido para o português pelo Estadão, a The Economist sugere que os brasileiros usem o voto para se livrar do presidente Jair Bolsonaro, caso queiram sair da crise múltipla que aflige nosso país há quase dez anos.

Perspectivas externas sobre o Brasil costumam ser úteis, ainda mais quando elaboradas com o rigor e a profundidade do jornalismo da The Economist. A revista britânica, de tendência liberal, vai muito além da crítica ao presidente. Ela aponta características negativas de nossa cultura política, e mostra como elas nos levaram à situação atual. Um vício que merece especial reflexão é a falta de visão de longo prazo.

Não parece difícil traçar uma agenda para o Brasil, dado que nossos problemas são grandes e evidentes. Há uma quase unanimidade sobre eles, à direita e à esquerda. O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, escreveu um ensaio a respeito. Os cientistas políticos Marcus Melo e Carlos Pereira – este último colunista do Estadão – publicaram, com os economistas Lee Alston e Bernardo Mueller, um livro sobre o assunto, Brazil in Transition. As conclusões coincidem.

Num país com níveis inaceitáveis de pobreza e desigualdade, o principal desafio é a inclusão social. O segundo, que decorre do primeiro, é gerar e alocar recursos de forma que as políticas sociais sejam eficientes e não quebrem o país. Os autores de Brazil in Transition chamam isso de “inclusão social responsável”. 

Existe toda uma agenda de reformas destinadas a cumprir esses dois objetivos, mas o debate sobre elas caminha a passo de jabuti. Por que isso acontece? Marcus Melo tece algumas explicações no minipodcast da semana. “No Brasil, são poucos os incentivos para um comportamento de longo prazo por parte dos políticos”, diz ele. 

Uma das razões é a falta de partidos fortes. Individualmente, políticos têm um horizonte de curto prazo – a reeleição. Para consegui-la, é mais eficiente investir em obras locais que batalhar por grandes ideias. Já os partidos, quando consolidados, têm uma reputação a zelar e um histórico de luta por determinadas causas. Partidos fortes seriam fundamentais para um debate de alto nível sobre projetos de país.

Outro problema é a ausência de elites capazes de conduzir o processo político. Já as tivemos, mas muitos dos líderes com visão mais madura parecem querer distância da vida partidária. Isso é ruim. “Dá margem ao surgimento de atores arrivistas, de comportamento predatório. São pessoas que nunca se prepararam para estar no poder”, diz Marcus. 

A reportagem da The Economist cobra nossos líderes – “Os políticos precisam lidar com as reformas econômicas atrasadas” – e cidadãos: “Empresas, ONGs e brasileiros comuns devem protestar em favor da Amazônia e da Constituição”. A reportagem mostra que nossos problemas não começaram com Jair Bolsonaro – entramos em recessão profunda durante o governo Dilma Rousseff –, mas defende que ele não é o líder certo para restituir ao País uma visão de longo prazo. Isso fica claro no vídeo de meio milhão de acessos e também no título do texto dedicado ao presidente: “É hora de ir embora”.

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