sábado, 12 de junho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Indiferença com o futuro do País

O Estado de S. Paulo

De forma escancarada, Jair Bolsonaro tem mostrado que, em suas decisões, o médio e o longo prazos não têm nenhum peso. O que importa é ser reeleito

Sem nenhum pudor, o governo Bolsonaro é cada vez mais uma administração orientada exclusivamente ao circunstancial, ao imediato. Não se vê mais sequer a pretensão de manifestar alguma preocupação com o futuro. De forma escancarada, Jair Bolsonaro tem mostrado que, em suas decisões, o médio e o longo prazos não têm nenhum peso.

Em primeiro lugar, chama a atenção que, em todas as negociações com o Poder Legislativo, o Executivo federal não apresenta nenhuma preocupação com uma agenda estrutural para o País.

É de fato estranho. Um governo que foi eleito prometendo revolucionar o cenário econômico e o ambiente de negócios e promover uma nova forma de fazer política faz agora inúmeras concessões ao Centrão sem pedir nada em troca. Não almeja nenhuma reforma. Contenta-se com que o Centrão lhe conceda sobrevivência política.

Além de não trabalhar pelas reformas, o governo Bolsonaro ainda dificulta as que poderiam ser aprovadas. O caso da reforma tributária é acintoso. O Congresso tinha a possibilidade, como há muito tempo não se via, de aprovar um novo marco tributário, a partir das propostas da Câmara (formuladas pelo economista Bernard Appy) e do Senado (de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly).

No entanto, o governo de Jair Bolsonaro não apoiou nenhum dos dois projetos, tampouco trabalhou por eventual melhoria dos textos. Seu interesse tem se resumido a criar um novo imposto a partir da união do PIS/Cofins e a falar de uma nova CPMF. Haja estreiteza de horizontes.

A indiferença com o futuro do País é também constatada pelo desmonte que o governo federal vem realizando em áreas que incidem diretamente sobre as novas gerações, em especial, educação, ciência e meio ambiente.

Esse assunto é especialmente triste, pois não se trata apenas de não avançar – o que, por si só, já é grave, tendo em vista as difíceis condições atuais. O governo de Jair Bolsonaro tem promovido o retrocesso por vários meios: desorganização de políticas públicas, perseguição a funcionários públicos e professores, aparelhamento ideológico de órgãos públicos, corte de verbas em áreas essenciais para o País e um contínuo desmonte dos órgãos e mecanismos de controle, especialmente na área ambiental.

Em abril, por exemplo, uma instrução normativa conjunta do Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio passou a exigir autorização de um superior do agente de fiscalização para a aplicação de multa. Sem constar do sistema de consolidação das multas, a nova instância de avaliação dos processos levou à paralisação das emissões de multas do Ibama e do ICMBio.

Já preocupante, o quadro piora cada vez mais. No mês seguinte, foi deflagrada operação que investiga o próprio ministro do Meio Ambiente por suspeita de colaborar com o desmatamento ilegal. Como se não bastasse, logo após a divulgação da investigação, o presidente Jair Bolsonaro reiterou sua concordância com a gestão da pasta ambiental. Num governo assim, não há espaço para preocupação com o futuro comum da população.

É de notar também que, mais recentemente, o descompromisso com o futuro adquiriu um novo patamar de descaramento. Em diversos meios, membros do governo e parlamentares governistas têm afirmado que o presidente Jair Bolsonaro não deve se preocupar com o “mau momento” do País (em especial, pandemia, desemprego e inflação) e a piora de seus índices de aprovação, pois até 2022 a economia vai melhorar e, de acordo com esses apoiadores do governo, isso será suficiente para a reeleição de Jair Bolsonaro.

Ainda que seja bastante frágil – é um conjunto de meros prognósticos –, o argumento expõe a face brutal do governo Bolsonaro. Não há nenhuma aspiração em prover condições para um futuro melhor para o País. Não há nenhuma pretensão de realizar um governo responsável. A exclusiva preocupação são as eleições de 2022.

É o descaramento total. Com todas as letras, o governo diz que o único que importa é Jair Bolsonaro ser reeleito. O restante é mero detalhe, que não merece nenhuma atenção, nenhum cuidado.

A escolha do ministro da Saúde

O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro não gosta de ser contraditado com fatos e declarações que inviabilizem a sustentação das mentiras que propaga a torto e a direito para servir a seus interesses particulares. Se o mundo real não dá respaldo à “narrativa política” do presidente da República, paciência, tanto pior para a realidade.

Não foi surpresa, portanto, o constrangimento a que Bolsonaro submeteu o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante cerimônia no Palácio do Planalto no dia 10 passado. “Acabei de conversar com um tal de Queiroga, não sei se vocês sabem quem é. Ele vai ultimar um parecer para desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados (pelo coronavírus), para tirar essa… esse símbolo (mostrando uma máscara)”, disse o presidente para a plateia de aduladores que aplaudiram a temeridade.

Dois dias antes, Queiroga voltara a prestar esclarecimentos à CPI da Pandemia e cometera a imprudência de contradizer o presidente. Na ocasião, o ministro da Saúde afirmou aos senadores que “não há comprovação científica” de que medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina, algumas das drogas que compõem o famigerado “kit covid”, têm eficácia contra o coronavírus. A declaração do ministro da Saúde vai na contramão do que Bolsonaro vem defendendo, irresponsavelmente, desde o início da pandemia. A CPI, aliás, foi instalada justamente para apurar as responsabilidades de todos os que contribuíram para transformar o que seria uma grave crise sanitária em uma tragédia de quase meio milhão de mortos.

Ao desafiar publicamente o médico que chefia a pasta da Saúde a se posicionar sobre a flexibilização do uso de máscara quando a pandemia dá sinais de recrudescimento e uma terceira onda da doença está à espreita – um despautério que dispensa considerações –, Bolsonaro quis mostrar que ele, e mais ninguém, manda na condução da política sanitária e não admite ser contrariado. Os dois ex-ministros da Saúde que ousaram não lhe prestar obediência cega, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, perderam o cargo. Eduardo Pazuello, que se submeteu à humilhação, saiu do Ministério premiado.

Queiroga parece inclinado a empatar o placar e seguir na trilha da subserviência. Em vídeo publicado no mesmo dia em que foi compelido por Bolsonaro a dizer se, afinal, está do lado da ciência ou do presidente, o ministro afirmou que vai “atender à demanda” de Bolsonaro e mobilizará a estrutura do Ministério da Saúde para realizar o tal estudo sobre a liberação do uso de máscara. Sendo ele um médico, a ideia deveria ter sido prontamente repelida, sem tibieza.

A esta altura, é sabido que as pessoas que já adquiriram anticorpos contra o coronavírus ainda podem transmitir o patógeno para outras que ainda não desenvolveram a proteção. Ademais, o ritmo de vacinação no País está aquém da velocidade de transmissão do vírus. Propor a abolição do uso de máscara neste momento é ideia de quem só pode estar interessado em aumentar o número de casos de covid-19 e tolera o risco de provocar ainda mais mortes.

Em depoimento à CPI da Pandemia na sexta-feira passada, a microbiologista Natália Pasternak e o médico sanitarista Cláudio Maierovitch foram enfáticos na defesa do uso de máscara e de outras medidas de proteção individual e coletiva. Alinharam-se ao que já havia sido sustentado, no mesmo plenário, pela infectologista Luana Araújo, ouvida na semana anterior.

É deste lado que o ministro da Saúde deve estar. Marcelo Queiroga parece genuinamente empenhado em ampliar o número de brasileiros vacinados contra a covid-19. Defendeu publicamente o uso de máscara e o distanciamento social. Mas isto não basta. Em se tratando de um governo disfuncional como o de Bolsonaro, servidores sérios e comprometidos com o interesse público não devem estimular as sandices do presidente. Acima de seus caprichos está o interesse da Nação.

A seca e o desperdício de água

O Estado de S. Paulo

A crise hídrica por que passa o País, que exigirá medidas excepcionais para evitar o racionamento de energia elétrica e de água, torna mais dramático um problema crônico dos sistemas públicos de abastecimento de água. Trata-se das perdas excessivas de água potável. Elas chegam perto de 40% do total de todo o volume captado.

Algum grau de perda na rede de distribuição é praticamente inevitável do ponto de vista técnico. Mas o que se observa no Brasil é o aumento contínuo dos índices de desperdício nos últimos anos, o que denota envelhecimento e ineficiência do sistema e, mais do que isso, o descaso das autoridades responsáveis pela construção, operação e manutenção das redes que levam água às residências dos brasileiros.

Estudo do Instituto Trata Brasil em parceria com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento (Asfamas), e executado pela consultoria GO Associados com base em dados de 2019, constatou que 39,2% de toda a água potável captada no território nacional não chega às residências.

Embora já alto para os padrões mundiais, o índice de perdas de 2015, de 36,7%, era bem menor do que o de quatro anos depois. É a prova de que não só nada de efetivo se fez no período, como, provavelmente, o desleixo na manutenção da rede e no combate ao desperdício e às fraudes se acentuou.

Para dar ideia da perda estimada para 2019, o estudo observa que o volume corresponde a 7,5 mil piscinas olímpicas de água tratada desperdiçadas diariamente. Equivale também a sete vezes o volume produzido pelo Sistema Cantareira, o principal conjunto de captação e tratamento de água que abastece a Grande São Paulo.

Outra comparação mostra como poderia ser melhor o quadro do saneamento básico se o sistema público fosse mais eficiente. As perdas físicas, por causa de vazamentos, representam 60% do volume total desperdiçado e seriam suficientes para abastecer cerca de 63 milhões de brasileiros (cerca de 30% da população) por um ano. É, como lembra o estudo, água mais do que suficiente para abastecer os 35 milhões de brasileiros que não dispõem de água corrente nem para lavar as mãos, como recomenda o protocolo de cuidados contra a covid-19.

É claro que o atendimento da população que ainda não dispõe de água tratada depende não apenas da disponibilidade do produto, mas de muitas outras providências, como a definição de regras e de operadoras responsáveis pelos serviços e a realização de obras. Mas o desperdício, além de mostrar o grau de ineficiência dos sistemas de distribuição, impõe custo para operadoras desses sistemas, que perdem parte de sua receita e, sobretudo, para os consumidores, onerados pela parte restante do desperdício.

Para comparação internacional, o estudo calculou também o Índice de Perdas de Faturamento Total das operadoras, que dá uma visão financeira das perdas em relação ao volume produzido. Por esse índice, no Brasil a perda é de 41%. Países como Estados Unidos e Austrália e metrópoles como Nova York, Toronto, Tóquio e Copenhague registram índices menores do que 15%.

Além de melhorar o desempenho financeiro das operadoras e desonerar os consumidores, o combate eficaz aos desperdícios reduziria a demanda da água da natureza, o que, lembra o estudo, “ajudaria a manter mais cheios os rios e reservatórios espalhados pelo País”.

Neste momento, seria um fato altamente positivo do ponto de vista ambiental e econômico. O País vive uma grande carência de chuvas, pois os índices de precipitação estimados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para este ano são os menores dos últimos 91 anos. Afinal, por não atacar os desperdícios, “as empresas operadoras precisam buscar mais água na natureza, não para atender mais pessoas, mas para compensar a ineficiência”, observa o presidente executivo do Trata Brasil, Édison Carlos. “Em momento de pandemia e pouca chuva, isso cobra um preço altíssimo da sociedade.”

Dispensar o uso de máscaras no atual cenário é pura insensatez

O Globo

Em mais uma bravata, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na quinta-feira que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, está “ultimando um parecer” para desobrigar de usar máscaras quem já tomou vacina ou foi infectado pelo novo coronavírus. No atual cenário, dispensar o uso de máscaras, mesmo para vacinados, seria pura insanidade.

É inegável que a população está ávida para se livrar de máscaras, quarentenas e restrições. Sentimento aguçado ao perceber que, nos Estados Unidos, as máscaras não são mais exigidas de vacinados com as duas doses, desde que fora de hospitais e transporte público. Foi uma decisão imprudente do presidente Joe Biden, tomada quando apenas 46% haviam sido imunizados com a primeira dose, porque os números de mortes e infeções estavam em queda. No Brasil, a situação é bem pior. O contágio ainda está em alta, e os índices de vacinação são tímidos — pouco mais de 11% tomaram as duas doses.

As vacinas são importantes para prevenir mortes e hospitalizações, mas não impedem necessariamente que o imunizado contraia ou transmita o vírus. O mesmo vale para quem já foi infectado, tamanha a profusão de mutações e novas variantes, algumas capazes de driblar a imunidade.

Como as vacinas, as máscaras existem não apenas para proteção individual. O uso traz um benefício coletivo. É importante entender que você deve usá-las não apenas para se proteger, mas, acima de tudo, para proteger os outros, pois não sabe se carrega o vírus de forma assintomática. Com 60% de adoção, máscaras apenas 60% eficazes já são suficientes para reduzir o contágio a patamares que levam os focos naturalmente à extinção, segundo estudos do início da pandemia. As variantes mais contagiosas podem ter elevado esse percentual, daí ser recomendado o uso de proteções mais eficazes (como máscaras PFF2, que filtram 95% das partículas microscópicas). Mas qualquer máscara já ajuda.

A pesquisadora britânica Trisha Greenhalgh comparou dois países que adotaram medidas de distanciamento social no mesmo dia: República Tcheca e Áustria. O primeiro impôs também o uso de máscaras. O número de novas infecções caiu mais rápido na República Tcheca. Só baixou na Áustria depois que elas se tornaram obrigatórias.

Para o epidemiologista Wanderson Oliveira, liberar a população para não usar máscaras exigiria quatro condições: 70% de vacinados na população adulta; incidência de casos inferior a 25 por cem mil habitantes; ociosidade nos leitos exclusivos para pacientes com Covid-19; positividade menor que 4% em testes, como na Europa. O Brasil não atende a nenhuma delas.

Independentemente da decisão que o Ministério da Saúde tome sobre as máscaras, o objetivo de Bolsonaro é minar a confiança numa das medidas mais eficazes para conter o vírus. Ele não pode ter êxito em mais uma de suas contribuições inestimáveis à pandemia. Mesmo vacinado, mesmo que já tenha pegado a doença, continue a usar máscara em espaços públicos.

Polícia do Rio tem de rever suas ‘regras de engajamento’

O Globo

A morte da gestante Kathlen Romeu, de 24 anos, atingida na terça-feira por um tiro de fuzil no Complexo do Lins, na Zona Norte do Rio, acrescenta mais um nome a uma estatística que não para de crescer. Não é a primeira, nem a segunda, nem sequer a terceira neste ano. Infelizmente não será a última, como admitiu o pai, Luciano Gonçalves, no enterro da filha: “A gente quer justiça. O nosso povo, o povo pobre, está cansado de dizer. Só mudou o personagem. Eu cansei de ver isso. As frases são todas tabuladas, e a violência está cada vez pior”.

Kathlen, que trabalhava com design de interiores, estava com 14 semanas de gestação. Foi baleada quando se dirigia com a avó à casa da mãe. A família acusa PMs da UPP pelo disparo. Eles negam. Alegam que trocaram tiros com bandidos depois de ser atacados quando faziam patrulhamento de rotina. As versões são conflitantes. A avó afirma que não havia confronto no momento e, por isso, se sentiu segura para seguir com a neta por um acesso à comunidade. Kathlen se mudara do local em fins de abril, por temer a violência.

Um dos aspectos mais cruéis da tragédia é saber que em breve o caso será suplantado por outras histórias tão trágicas quanto. Levantamento do aplicativo Fogo Cruzado revela que, desde 2017, 715 mulheres foram baleadas no estado. Quinze estavam grávidas. Oito morreram, e só um bebê foi salvo. Num dos episódios mais chocantes, em 30 de junho de 2017, um bebê foi atingido por uma bala perdida dentro da barriga da mãe, numa comunidade de Duque de Caxias. O projetil perfurou o tórax, o pulmão e a coluna do bebê, que entrou para as estatísticas de violência antes mesmo de nascer. Ele morreu um mês depois, no Hospital de Saracuruna.

O que mudou após tal crime? Nada. Balas perdidas continuam a voar pelos céus do Rio — não importa se vêm da polícia ou de bandidos, são igualmente mortais. Apenas um dia após a morte de Kathlen, um adolescente de 16 anos foi baleado de raspão na cabeça quando ia ao supermercado comprar sorvete no Morro São João, comunidade da Zona Norte não muito distante do local onde ela fora atingida.

As armas dos PMs que atuaram no Lins — 12 fuzis e nove pistolas — foram recolhidas para perícia, como convém. Doze agentes foram afastados e estão sendo ouvidos pela Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. A PM também apurará as circunstâncias da morte por meio de um procedimento independente.

Investigar a barbaridade, identificar seus autores e puni-los na forma da lei é essencial. Porém apenas isso não interromperá a frenética produção de balas perdidas. É fundamental que a polícia reveja seus protocolos. É preciso que fiquem claras as “regras de engajamento” que regem a ação policial, uma espécie de contrato da polícia com a sociedade que determina de modo preciso, por escrito e com valor jurídico, quando, em que condições e circunstâncias um policial pode entrar numa moradia, sacar ou disparar uma arma.

Não é possível que se assista a uma tragédia atrás da outra como se isso fosse natural. É inadmissível que a desastrosa operação no Jacarezinho, a mais letal da história do Rio, com 28 mortos, tenha sido considerada exitosa pela polícia. Passou da hora de o governo fluminense ter uma política de segurança que reduza os tiroteios e preserve a vida dos cidadãos. A que está aí obviamente não funciona. O que se está esperando para mudá-la? Novas vítimas?

Ajuda espúria

Folha de S. Paulo

Além de crescimento econômico, inflação melhora perspectiva para contas públicas

Mesmo com os desafios ainda presentes, a começar pela morosidade da vacinação, as notícias para a economia têm sido melhores nas últimas semanas. O impacto da segunda onda da pandemia na atividade foi menor que o temido e os indicadores mais recentes mostram aceleração de vendas e produção.

As projeções para o ano sugerem alta do Produto Interno Bruto de até 5%, ante números próximos a 3% até recentemente. O drama social não é aliviado na mesma proporção, certamente, mas há consequências importantes.

Uma delas é a redução dos riscos mais imediatos para as contas públicas, pois o crescimento maior impulsiona a arrecadação. Na última revisão da programação orçamentária, o governo federal elevou a expectativa de receita com impostos para este ano em R$ 88 bilhões, para R$ 1,43 trilhão.

Com as despesas limitadas pelo teto de gastos, mesmo considerando as exceções aprovadas para o combate à pandemia, deve haver redução maior que a estimada do déficit primário (o saldo entre receitas e despesas, excluídos juros).

O perfil da retomada, mais ancorado em setores pagadores de tributos, como a indústria, também sugere maior impacto na arrecadação do que o padrão histórico, ao menos por algum tempo.

Outro fator importante é a inflação, que amplia a base de incidência dos impostos sobre o faturamento, como o PIS e a Cofins, e também atua para reduzir a relação dívida pública/PIB, em razão do maior denominador.

Se no final do ano passado havia a expectativa de que a dívida bruta consolidada do governo atingiria 95% do PIB em 2021, um salto próximo a 20 pontos percentuais em relação ao patamar vigente antes da pandemia, agora já se vislumbram números bem melhores, abaixo de 85% do produto.

Se confirmada essa nova perspectiva, o país terá passado a pandemia com metade do aumento esperado no endividamento. Em face da maior percepção sobre esses números, as condições financeiras começaram a melhorar, com alguma valorização do real e redução incipiente nos juros de longo prazo.

O alívio é frágil, porém, e pode se mostrar perigoso se despertar no governo e no Congresso a impressão de que é conveniente afrouxar as restrições orçamentárias.

O efeito da inflação é apenas transitório, além da óbvia faceta negativa de obrigar o Banco Central a subir os juros e encarecer a rolagem da dívida. Também não é claro o quanto a recuperação da economia será sustentada.

Na realidade, a pressão inflacionária que corrói a renda do trabalhador foi ampliada desde 2020 justamente pela percepção de que o governo perderia o controle de suas contas. Qualquer deslize nessa frente trará ainda mais problemas.

Carandiru sem fim

Folha de S. Paulo

STJ restabelece penas de envolvidos no massacre, mas desfecho ainda é incerto

Quase 30 anos e inúmeras reviravoltas processuais depois, o julgamento dos policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru parece finalmente encaminhar-se para um desfecho.

Parece, sublinhe-se, pois nem isso é garantido num caso em que a absurda e imperdoável lentidão do Judiciário redundou, até os dias de hoje, somente em impunidade.

A primeira condenação pelo morticínio de 111 presos da antiga Casa de Detenção de São Paulo, ocorrido em 2 de outubro de 1992, só veio em 2001, quando o comandante da operação, Ubiratan Guimarães, foi sentenciado a 632 anos. A decisão, contudo, seria revertida em 2006.

De 2013 a 2014 realizaram-se cinco júris sobre a conduta dos agentes envolvidos na ação; 74 deles terminaram condenados, com penas de 48 a 624 anos de detenção.

Não bastassem o transcurso de duas décadas e o fato de os policiais terem podido recorrer das sentenças em liberdade, o TJ-SP decidiu, em 2016, pela anulação de todos os júris. Dois anos depois, o mesmo tribunal voltou a analisar o caso, mantendo o veredito e determinando novo julgamento.

Contra esta última decisão manifestou-se, nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça. O ministro Joel Paciornik considerou inválida a tese de que as condutas dos agentes não foram individualizadas o bastante. Restabeleceram-se, assim, as sentenças originais.

A decisão, contudo, pode não significar o fim do processo. Para o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, os desembargadores poderiam, agora, tentar anular os julgamentos a partir de outros aspectos do recurso apresentado pela defesa.

Não há dúvida das complexidades que o caso encerra. Agindo sob extrema pressão, em uma penitenciária superlotada e sem iluminação, os policiais não possuíam conhecimento sobre o eventual poder de fogo dos detentos.

Entretanto tão caótica quanto tenha sido a investida, por despreparo ou imprudência, o excesso de violência resta mais do que óbvio. Basta dizer que nenhum PM saiu baleado, ao passo que, em um dos pavimentos, 90% dos mortos receberam tiros na cabeça.

Incapaz, passado tanto tempo, de oferecer uma resposta satisfatória à barbárie, o Judiciário transmite a noção desumana de que certas vidas nada valem —vidas que cabia ao Estado proteger.

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