- O Globo
Chamou a atenção o forte aplauso da plateia
quando o presidente Bolsonaro disse que o “tal de Queiroga” estava preparando
um parecer para dispensar o uso da máscara para vacinados e pessoas que já
tiveram a Covid-19.
O aplauso denunciou o que o presidente e
sua turma pensam da máscara: um símbolo de fraqueza, frouxidão e oposição a seu
governo. Por pouco, Bolsonaro não atirou no chão a máscara que não usava.
Radicalizou de novo. Ciência deixada de
lado — o que não é novidade —, a situação se encaminha para um conflito social
e nas ruas: bolsonaristas não usam máscara; quem usar, pois, é inimigo.
Exagero?
Seguramente não. O presidente
ostensivamente aglomera sem máscara. E reclama quando encontra algum seguidor
com a máscara.
Comete crime duas vezes. Primeiro, porque ele mesmo pode infectar os que estão por perto. Já se sabe que as pessoas podem pegar a doença mais de uma vez. O fato de Bolsonaro já ter adoecido não o torna imune. E, segundo, porque incita as pessoas a saírem por aí infectando outras. Também se sabe que vacinados podem pegar formas leves da Covid-19, tornando-se, nesse momento, fonte de transmissão do vírus.
Também nesta semana ficamos sabendo de
outra grave irregularidade cometida pelo presidente. Documentos obtidos pela
CPI mostram que Bolsonaro telefonou ao premiê da Índia, Narendra Modi, para
solicitar a liberação de cargas de insumos de cloroquina para duas empresas,
EMS e Apsen.
Não sei se é crime, os juristas dirão, mas
o presidente não pode usar de seu cargo para atender a interesses particulares
de empresas. Tem mais: o presidente de uma das empresas, Renato Spallicci, da
Apsen, é seguidor de Bolsonaro desde antes de 2018.
Tudo errado. Inclusive a primeira
declaração da Apsen, feita na quinta-feira, quando a história foi divulgada na
CPI. Em nota, a empresa jurou que não tinha nada a ver com o presidente, que
atuava no mercado e coisa e tal.
Já contei aqui aquele ensinamento da
psicanálise. Quando alguém, sem ser questionado, nega veementemente ter feito algo,
pode cravar: é falso.
Mais ainda: o presidente está em campanha
direto. Aliás, parece que não gosta muito de trabalhar, não parece? Viaja toda
hora. Está inaugurando até bica d’água, como se diz na velha política.
Verdade que às vezes dá azar: sem ter nada
a fazer ali, resolveu entrar num avião da Azul que estava estacionado no
aeroporto de Vitória. Pretendia apenas cumprimentar os passageiros. Tomou vaia.
A questão é: quem vai colocar o guizo no
gato?
Como o presidente aparelhou órgãos
policiais e de investigação — estão sendo processados os investigadores —,
sobra a CPI. E esta vai bem.
Na semana que se encerra, a comissão passou
dos depoimentos midiáticos — mas com alguns bem reveladores — para a fase de
análise dos documentos sigilosos, já devidamente vazados.
Também determinou a quebra do sigilo
telefônico e telemático de diversas autoridades, membros e ex-membros do
governo Bolsonaro. Por essa via, se verá como foram tomadas as decisões de
atrasar a compra das vacinas, de inventar o tratamento precoce, de tentar a
imunidade de rebanho. Terá sido um programa organizado?
É muito provável que, nessas quebras de
sigilo, apareçam diálogos com o presidente. E se ele, em público, fala o que
fala, imaginem em privado. Lembram-se daquela reunião ministerial que era para
ficar em segredo?
Tudo considerado, parece que já temos
crimes bem definidos. O que falta à CPI, seu próximo trabalho, é ouvir os
juristas para saber como tipificar os delitos. Isso vai para o relatório final,
daí para as autoridades que podem agir, legalmente, bem entendido, contra o
presidente.
O clima político vai esquentar. A
recuperação desigual da economia pode amortecer alguma coisa, mas não tudo isso
que vai aparecendo.
A ver.
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