- O Globo / O Estado de S. Paulo
Há muitos fatores a considerar nos próximos
meses. Como evoluirão a pandemia, a crise hídrica e o clima de alta incerteza
política?
É natural que as boas notícias sobre a
evolução do PIB no primeiro trimestre tenham dado lugar a grande otimismo sobre
as perspectivas de recuperação da economia. Ainda é cedo, contudo, para
entrever, com base nos dados divulgados na semana passada pelo IBGE, uma
recuperação do nível de atividade, em 2021, tão forte como a que agora vem
sendo apregoada.
A sustentação da retomada exigirá a
superação de dificuldades nada triviais que, desde já, deveriam merecer
cuidadose atenção. Há dúvidas cruciais sobre o que, de fato, terá de ser
enfrentado pela economia no futuro próximo.
Como evoluirá a pandemia? O quadro já não
parece tão alarmante como em abril. Mas o país ainda permanece num patamar
médio de 1.700 mortes por dia, que continua a afastar ilusões sobre a
proximidade do fim da pandemia. Os especialistas mais respeitados ainda não
parecem convencidos de que o risco de uma terceira onda possa ser descartado.
E, sem que a pandemia seja efetivamente
debelada, é difícil que parte importante do setor de serviços possa sair do
marasmo em que se encontra.
Surpreendidos com uma taxa de crescimento
no primeiro trimestre bem superior à que vinha sendo consensual no mercado,
analistas vêm saudando em prosa e verso a suposta resiliência da economia à
segunda onda da pandemia e aos lockdowns impostos
pelos governos subnacionais.
A contrapartida da comemoração dessa resiliência, contudo, deveria ser apreensão com os efeitos que o desdém generalizado pelo distanciamento social poderá vir a ter sobre a evolução da pandemia.
Há ainda muita incerteza acerca das
possibilidades de avanço da vacinação e do grau de imunização que tal avanço
poderá assegurar ao país. Salta aos olhos quão atrasado está o Brasil no front da aplicação da vacina.
E, quanto ao que esperar da vacinação, temos que ter em conta — por enquanto,
pelo menos —, não o que ocorreu nos Estados Unidos, mas a experiência bem menos
auspiciosa do Chile, onde 80% dos imunizados vêm sendo vacinados com CoronaVac.
Outra dúvida crucial está relacionada à
possibilidade de que a retomada seja abortada por insuficiência de oferta de
energia elétrica. E, nesse aspecto, o governo se defronta com um dilema similar
ao que enfrentou, de forma desastrosa, quando se deparou com a eclosão da
pandemia, em março do ano passado.
Os especialistas são unânimes em assegurar
que, se nada for feito em contrário, há alta probabilidade de que o país marche
para uma crise hídrica aguda, até o final da estação seca, em novembro. Para
não deixar que a situação chegue a tal ponto, é fundamental que o governo tome
medidas preventivas claras, mobilizando o país com a necessidade de evitar uma
crise energética mais séria.
O problema é que o governo teme que muito
empenho e transparência, na adoção das medidas de precaução que se fazem necessárias,
deem força a expectativas pessimistas que possam pôr a perder o delicado
processo de retomada que está em curso. Qualquer semelhança com a postura do
governo no início da pandemia não é mera coincidência.
O desastroso negacionismo inicial de
Bolsonaro não adveio de convicções baseadas em análises epidemiológicas
equivocadas e, sim, do pavor de que ações mais sérias de combate à pandemia,
com adoção de medidas de separação social, viessem a arruinar a recuperação da
economia em que apostava o presidente no seu segundo ano de mandato.
Finalmente, há que se ter em conta os
efeitos paralisantes da rápida exacerbação da incerteza política sob a qual vem
operando a economia. Incerteza essa que, por razões óbvias, se entrelaça com
sérias apreensões com a possibilidade de agravamento do quadro fiscal, na
esteira de uma mobilização antecipada e destrambelhada do presidente com a
difícil campanha eleitoral que terá pela frente, em 2022.
É cedo ainda para vislumbrar com clareza em
que medida a conjunção dessas dificuldades tão sérias poderá vir a comprometer
uma retomada mais vigorosa da economia. O certo é que a sustentação da retomada
não promete ser fácil.
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