EDITORIAIS
As manifestações contra Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Foram muito significativas as manifestações do sábado passado contra o presidente Jair Bolsonaro, não somente em razão da dimensão – houve passeatas em quase todas as capitais e no Distrito Federal, além de cidades menores – e da numerosa participação, mas principalmente pela realização, em si mesma, do protesto.
Afinal, não é trivial ir às ruas para
expressar descontentamento com o governo em meio a uma pandemia, que dá todos
os sinais de um novo recrudescimento. Até agora, as ruas eram uma espécie de
monopólio da militância radical bolsonarista, desde sempre à vontade para
desafiar as orientações sanitárias para demonstrar seu apreço por Bolsonaro e
sua hostilidade às instituições democráticas.
Já a oposição ao presidente, com a fundada
preocupação de que aglomerações poderiam contribuir para a disseminação ainda
maior do vírus, demorou a mobilizar os muitos descontentes com Bolsonaro;
afinal, não era uma decisão fácil ir às ruas depois de passar meses criticando
os bolsonaristas e o presidente por incentivarem ajuntamentos irresponsáveis.
Como resultado dessa hesitação, os bolsonaristas investiram na narrativa
segundo a qual as manifestações promovidas por eles – sem nenhuma resposta da oposição,
salvo inócuos panelaços – provavam que o “povo” estava com o presidente.
Mas isso agora mudou. A detalhada exposição
pública, na CPI da Pandemia, da irresponsabilidade do governo Bolsonaro na
condução da crise certamente encheu muitos brasileiros de vergonha. Ao mesmo
tempo, o presidente mais uma vez causou indignação ao participar ativamente de
um comício no Rio de Janeiro em que a pandemia foi ignorada, coadjuvado pelo
sorridente ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, símbolo da desídia na administração
da pandemia.
Essa caracterização explícita do desprezo bolsonarista pelos brasileiros em geral parece ter sido a gota d’água que levou parte dos grupos de oposição a Bolsonaro a deixar de lado a prudência e convocar manifestações de rua.
Muito se dirá sobre os organizadores desses
atos e suas motivações. Não se pode ignorar que o protesto do sábado passado
serviu para dar força à campanha de Lula da Silva à Presidência, tão antecipada
e fora de hora quanto a de Bolsonaro. Embora o chefão petista tenha silenciado
a respeito da manifestação, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, deu o ar da
graça, bem como dirigentes de partidos que orbitam o lulopetismo. Ademais, a
maioria absoluta dos organizadores era de partidos e movimentos de esquerda, o
que tende a reduzir a representatividade do protesto.
Mas seria um erro entender, a partir disso,
que o antibolsonarismo seja uma exclusividade da esquerda. As pesquisas de
opinião mostram que parte significativa da população rejeita Bolsonaro, e é
lícito supor que, se não fossem as reticências sanitárias motivadas pela
pandemia, muito mais cidadãos, de diversos credos políticos, poderiam se animar
a participar de manifestações contra o presidente.
O mais importante, contudo, é constatar que
os protestos da oposição tendem a marcar uma inflexão na atmosfera política.
Para muita gente, o risco da continuidade do governo de Bolsonaro é maior do
que o perigo representado pelo coronavírus, razão pela qual valeria a pena
arriscar-se em manifestações de rua se isso causar problemas para o presidente.
Exagerado ou não, esse ânimo é significativo do cansaço com a
irresponsabilidade de Bolsonaro, não apenas durante a atual crise, mas
praticamente desde a posse.
Tudo indica que, no momento em que o País
corre o risco de uma nova onda de contaminações na pandemia, as ruas voltaram a
ser a arena política nacional – o que vem se repetindo com frequência desde
2013. O embate entre o bolsonarismo e o antibolsonarismo, que antes estava
restrito ao universo das redes sociais, a partir de agora poderá ser travado ao
ar livre, com ou sem vírus.
Bolsonaro menosprezou os protestos da
oposição, dizendo que “teve pouca gente nessa manifestação de esquerda” porque
a polícia está “apreendendo muita maconha” e “faltou erva para o movimento”. A
troça infantil trai um certo nervosismo.
Correndo atrás do mundo
O Estado de S. Paulo
Três grandes perigos para a economia brasileira – inflação em alta, maior contágio do coronavírus e incertezas sobre gestão das contas públicas – são apontados no panorama econômico da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apesar da insegurança, a atividade se recupera no Brasil, depois do recuo de 4,1% em 2020, e o Produto Interno Bruto (PIB) poderá crescer 3,7% neste ano e 2,5% no próximo. Mas o País continuará com desempenho inferior à média do mundo e correndo atrás de muitos países emergentes. Pelos novos cálculos, o Produto Bruto Global deverá avançar 5,8% em 2021 e 4,4% em 2022. O crescimento agora esperado para a economia mundial, neste ano, é 1,6 ponto maior que o estimado em dezembro.
Novos surtos de coronavírus, assim como a
importância das políticas de saúde, são mencionados desde as primeiras linhas
do panorama geral. Ações prontas prepararam o caminho para a recuperação da
saúde e da economia, registra o relatório. Governos ministraram cerca de 2
bilhões de doses de vacina e “a capacidade global para testar, produzir e
aplicar vacinas melhorou rapidamente”.
Como em outros relatórios de instituições
multilaterais, as políticas sanitária e econômica são tratadas como
complementares neste novo relatório da OCDE. A insuficiência de vacinas em
países emergentes e pobres é tratada como grave preocupação. Enquanto a vasta
maioria da população mundial permanecer sem imunização, todos continuarão
vulneráveis ao surgimento de novas variantes, segundo o economista-chefe da
OCDE, Laurence Boone.
Ao contrário do presidente brasileiro,
Boone, assim como outros economistas em postos de alta responsabilidade, aponta
as políticas de reativação econômica e de proteção da saúde como convergentes.
Mais que isso: se houver recrudescimento da pandemia, os pobres serão os mais
prejudicados por interrupções da atividade e as desigualdades voltarão a
aumentar.
Mas a economia mundial avança, deve crescer
mais do que se previa em dezembro e, ao lado dessa boa novidade, uma ressalva
se destaca. Não se prevê, por enquanto, um retorno à trajetória de crescimento
projetada antes do desastre de 2020. De toda forma, algumas prescrições são
claras. Será conveniente manter os estímulos fiscais à retomada, assim como
políticas monetárias favoráveis à expansão do crédito. A tarefa será mais
complicada nos países com menor ou nenhuma folga nas contas públicas – caso
evidente do Brasil. Remanejar gastos e rever prioridades e regras orçamentárias
poderá ser uma solução.
O repique inflacionário, em parte associado
ao encarecimento de alimentos e minérios e ao desarranjo de algumas cadeias
produtivas, afeta boa parte do mundo. No Brasil, a inflação mais alta dificulta
a combinação das políticas fiscal e monetária. O aumento de juros, como
resposta à alta de preços, em algum momento reduzirá o apoio à retomada. Ao
mesmo tempo, o governo, limitado pelo aperto de suas contas e pela dívida
pública aproximando-se de 90% do PIB, terá pouco espaço para ações de suporte à
atividade.
“Nesse contexto, medidas para controlar
rapidamente a epidemia têm importância-chave”, segundo o relatório. O caminho
sugerido é tornar mais rápido o processo de vacinação e ao mesmo tempo retraçar
mais amplamente os contatos. O sentido dessas sugestões é claro: ações mais
eficientes contra a pandemia poderão reduzir o risco de novos surtos e de novas
perdas econômicas, conferindo maior eficácia aos estímulos.
Para o segundo semestre é prevista uma
forte reação econômica, puxada pelo consumo e pelas exportações, mas isto
pressupõe “uma vacinação mais eficiente e maior controle da difusão do vírus”.
A incerteza fiscal será um risco importante. Para criar mais segurança, o
governo deveria claramente limitar o prazo e o alcance dos gastos extrateto,
restringindo-os à ação contra a crise da covid-19. Credibilidade será essencial
para atrair recursos e evitar maior depreciação do real, lembram os autores do
relatório, ecoando uma verdade reafirmada todos os dias no mercado.
Emergência hídrica
O Estado de S. Paulo
Entre os meses de junho e setembro, o Brasil enfrentará a maior estiagem já medida em 111 anos de serviços meteorológicos no País. Na sexta-feira passada, o governo federal divulgou um alerta prevenindo contra a emergência hídrica em cinco Estados – Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo, todos na região hidrográfica da Bacia do Rio Paraná. Segundo o documento, subscrito em conjunto pelo Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), a situação é “severa” naquela área pois decorre da conjugação de dois fenômenos naturais: La Niña, que provoca a diminuição da temperatura das águas do Oceano Pacífico e reduz o volume de chuvas no sul do País; e a Oscilação Antártica (OA), que altera a pressão atmosférica na região.
A bem da verdade, o infortúnio
meteorológico agrava uma situação que já era bastante delicada. Entre outubro
de 2019 e abril deste ano, apenas em dezembro de 2019, agosto de 2020 e janeiro
de 2021 choveu acima das médias previstas na Bacia do Rio Paraná, onde estão
instaladas muitas hidrelétricas, como Jupiá, Ilha Solteira, Porto Primavera e
Itaipu. “Durante a maior parte do tempo houve predomínio do déficit de
precipitação, principalmente a partir de fevereiro de 2021. Essa característica
se mantém no mês atual (maio), com acumulado parcial de 27 milímetros para a
bacia, ou seja, abaixo do acumulado climatológico que é de 98 milímetros”,
informa o alerta.
Em São Paulo a situação é particularmente
preocupante, haja vista que no primeiro trimestre deste ano o Sistema
Cantareira recebeu o menor volume de chuvas desde 2016. Atualmente, o volume de
água nos reservatórios do Estado é o menor desde 2013 (ver editorial O espectro da
crise hídrica, publicado em 6/4/2021).
No dia 24 passado, o Operador Nacional do
Sistema (ONS) anunciou um “pente-fino” em todas as usinas térmicas instaladas e
em operação no País para determinar a capacidade de geração de energia de forma
compatível com a das usinas hidrelétricas, diante da iminente queda no volume
das águas. “Considerando o final do período chuvoso nas principais bacias
integrantes do Sistema Interligado Nacional (SIN) e os baixos níveis de
armazenamento alcançados nos principais reservatórios de regularização,
torna-se imprescindível a maximização da disponibilidade de geração térmica
para garantir atendimento eletroenergético”, escreveu a diretoria do ONS em
documento enviado às empresas gestoras das térmicas, ao qual o Estado teve
acesso.
A geração de energia por meio de usinas
térmicas – hoje responsáveis por 25% de toda a potência instalada de geração de
energia no País – proporciona flexibilidade para melhor gerir o volume e a
duração da produção, o que é inviável em usinas que dependem primordialmente
das condições da natureza, como é o caso das usinas hidrelétricas, eólicas e
solares. Contudo, esta flexibilidade tem alto custo, tanto em termos
financeiros como ambientais. Os consumidores pagam uma tarifa bem mais cara
pela energia gerada pelas térmicas. E há os danos causados ao meio ambiente
pela queima de carbono, que libera gases capazes de provocar efeito estufa.
Trata-se, portanto, de um meio absolutamente contingente, necessário apenas
para dar segurança energética ao País. Hoje, contudo, as térmicas operam a
plena carga, de acordo com o ONS.
O Ministério de Minas e Energia (MME)
descarta a possibilidade de racionamento de energia ou de “apagões” no País no
período crítico, até setembro. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, no
dia 11 passado, o ministro Bento Albuquerque, no entanto, reconheceu que serão
necessárias “medidas excepcionais” para garantir o abastecimento de energia no
País.
A excepcionalidade, como já dito, custa
muito caro. O Brasil não pode ficar à mercê das térmicas a cada crise hídrica.
Esta será a mais “severa”, mas não é a primeira e tampouco será a última. Urge,
pois, repensar a composição de nossa matriz energética. Seja pela necessidade
doméstica, seja pelo alinhamento do País ao mundo civilizado, que vê as
mudanças climáticas como o maior desafio global a ser enfrentado depois da
pandemia de covid-19.
Governo precisa resolver questão da energia
O Globo
Em 2020, a economia brasileira sofreu, por causa da pandemia, uma retração de 4,1%, a maior desde que os dados começaram a ser coletados. A queda do PIB no ano passado e o início da vacinação aumentaram as esperanças de uma retomada robusta da atividade econômica em 2021 e no ano que vem, com reflexos positivos na renda e no emprego. Mas, como se a Covid-19 e a incompetência na gestão das vacinas não fossem problemas grandes o bastante, surgiu uma nova questão que pode atrapalhar os planos: a energia.
Em entrevista ao GLOBO, Bento Albuquerque,
ministro de Minas e Energia, disse que o governo não trabalha com a
possibilidade de racionamento ou apagão este ano. Ainda assim, fala na
necessidade de economizar energia elétrica diante do nível baixo dos reservatórios,
que receberam nos últimos meses o menor volume de chuva em 91 anos.
O medo de crise no setor justamente no
momento em que o país precisa voltar a crescer exige medidas urgentes. O
governo parece estar ciente de ao menos parte delas. O Operador Nacional do
Sistema Elétrico, responsável pela operação do sistema interligado nacional,
está mobilizando as usinas térmicas e estuda fazer leilões emergenciais para a
contratar geração. Nas palavras do ministro Albuquerque, “estamos tentando
preservar nossos reservatórios” ao usar outras fontes de energia contínua, como
gás, óleo diesel, biomassa e carvão. Tudo para evitar repetir o racionamento de
2001, algo considerado — até o momento — pouco provável com base nos cenários
projetados pelos modelos matemáticos.
Mesmo assim, a questão energética persiste
como ameaça recorrente a qualquer recuperação duradoura. Ao mesmo tempo que
toma medidas de curto prazo, o governo deveria começar a trabalhar, de forma
eficaz, para evitar crises semelhantes no futuro. A contar pelos dados
coletados desde o começo da década passada, parece claro que o regime de chuvas
mudou. Ficou mais instável. Diante disso, o governo não pode mais permanecer na
posição confortável de apenas lamentar quando sofremos períodos prolongados de
seca. Medidas como as estudadas agora têm um custo. Usinas emergenciais a gás e
a óleo diesel geram uma energia mais cara e poluente, num momento em que é
essencial planejar nossa transição para uma economia de baixo carbono. A venda
do controle da Eletrobras deverá trazer algum dinamismo, mas é incapaz de
resolver a questão de fundo.
O Brasil precisa ter um planejamento
energético que dê segurança a população, trabalhadores e empresários. O
investimento na geração eólica e solar tem papel importante, mas não exclusivo,
porque ambas as fontes são intermitentes. A exploração de novas hidrelétricas
ainda é possível, principalmente na Região Norte, embora haja limitações
ambientais. Mesmo que essas usinas sejam construídas na região amazônica, a
tendência é de queda na participação das hidrelétricas na potência instalada no
país — hoje em 58%.
É por isso que o Brasil deve decidir quais
serão as fontes de energia contínua que nos blindarão de novas ameaças de
racionamentos e apagões. Entre as opções promissoras, há termoelétricas a gás e
as atômicas, ambas com seus defensores e ácidos críticos. É urgente o governo
dar uma resposta ao desafio deste ano sem perder de vista o longo prazo.
Protestos com aglomerações são um
contrassenso durante a pandemia
O Globo
Não há legitimidade, de direita, centro ou esquerda, para conjugar o verbo aglomerar durante a pandemia. No último dia 23, o presidente Jair Bolsonaro participou de uma marcha sobre duas rodas no Rio, depois fez comício no alto de um carro de som ao lado do ex-ministro Eduardo Pazuello, ambos sem máscara. Em resposta ao ato descabido, movimentos sociais, políticos e partidos de oposição levaram dezenas de milhares às ruas de pelo menos 21 capitais no sábado, em manifestação também descabida do ponto de vista sanitário. Por mais que os organizadores pregassem uso de máscaras e distanciamento, aglomerações foram inevitáveis.
É flagrante a incoerência de quem vai às
ruas protestar contra a política torta de combate à pandemia cometendo o mesmo
erro que critica. Denunciar a matança que beira as 500 mil vidas perdidas,
criticar o comportamento de Bolsonaro e pedir vacina não são salvo-conduto. É
verdade que a probabilidade de contágio cai em ambientes externos e também com
o uso de máscaras. Mas reuniões com centenas de pessoas com a epidemia em
expansão são suficientes para que haja altíssima probabilidade de haver alguém
infectado. Ambientes em que dezenas se aglomeram para falar alto, cantar ou
gritar favorecem a propagação do vírus. Não se imagina que cidadãos vão a um
culto, a um jogo de futebol ou a um comício para ficar em silêncio.
Simplesmente os organizadores não têm como garantir que protestos desse vulto
não se tornem focos de contágio. Ao contrário.
Nos Estados Unidos, a polícia de Los
Angeles reportou um aumento de 21% nos casos de Covid-19 entre agentes que
fizeram a segurança das manifestações do Black Lives Matter no ano passado,
quando os EUA enfrentavam aumento no número de infectados. Também houve
contágios comprovados nos protestos na Carolina do Sul, onde atos chegaram a
ser adiados. Em pelo menos seis cidades americanas, houve salto significativo
nas infecções três semanas após as manifestações, segundo pesquisa no “Journal
of Public Health”. Embora não haja evidências de que as passeatas do Black
Lives Matter tenham agravado a pandemia como um todo, um estudo do National
Bureau of Economic Research mostra que isso pode ter acontecido porque elas
acabaram por incentivar que determinados grupos ficassem em casa, por medo do
contágio ou da violência. Não parece ser o caso do Brasil, onde os índices de
isolamento despencaram.
Não que seja impossível combinar manifestação
e protocolos sanitários. Em abril de 2020, israelenses protestaram numa praça
em Tel Aviv usando máscaras e mantendo rigorosamente distanciamento de dois
metros, numa imagem que correu mundo. Nada parecido ocorreu sábado nas capitais
brasileiras. Protestar com distanciamento exige um nível de disciplina utópico.
Não é razoável que se promovam
manifestações de rua quando o país está na iminência de uma terceira onda. Por
mais nobres que sejam as causas, não é hora de protestos gigantescos. O vírus
não faz distinção entre as aglomerações do governo e as da oposição.
Alerta hídrico
Folha de S. Paulo
Seca se agrava e já afeta preços da energia
elétrica, pressionando a inflação
O Brasil esteve acossado nos últimos dias
por notícias reminiscentes das tenebrosas crises de 2001 (racionamento de
energia no país) e 2014 (falta de água em São Paulo). A estiagem se agrava e
ressuscita perspectivas inquietantes.
Uma semana atrás, 70 milhões de brasileiros
ficaram sem luz no Norte e no Nordeste. O blecaute não teve relação com a seca,
e sim com falha na operação do linhão de Belo Monte, porém bastou para reativar
a má memória.
O país anda longe de emergência no
abastecimento, verdade, mas nessas horas se revela a capacidade de prevenir
desastres futuros, por remotos que pareçam.
De preocupante tem-se o alerta de
condições hidrológicas desfavoráveis emitido pela Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na sexta-feira (28). Reservatórios do
Sistema Interligado Nacional adentram junho no nível mais baixo desde 2015, numa
das piores secas no Sudeste e no Centro-Oeste.
Nessas regiões, inicia-se agora o período
com menores índices pluviométricos; só após setembro retornam chuvas mais
copiosas. Fala-se na maior crise hídrica em nove décadas. Não fosse a baixa de
atividade com a pandemia, haveria risco de apagões já em 2022.
Um efeito se faz sentir de imediato, com
o acionamento
das caras usinas termelétricas e a consequente elevação das
tarifas de eletricidade. As contas já vêm calculadas no nível vermelho patamar
1, e não será surpresa se escalarem em breve para o patamar 2.
A combinação de eletricidade cara para
indústria e serviços com escassez de água para irrigar lavouras de commodities
tende a elevar pressões sobre a inflação em alta. Tomara esse indicador acenda
a luz vermelha no Planalto e instigue o que lhe resta de governo a adiantar-se
ao agravamento previsível, não repetindo a inação criminosa na pandemia de
Covid-19.
Outra notícia de mau augúrio: a destruição
de mata atlântica segue maior que em tempos pré-Jair Bolsonaro, tendo consumido
mais 130 km² em 2019-20, 14% acima do período 2017-18 (restam ao bioma mais
devastado do país 12,4% da vegetação original). O cerrado também sucumbe,
somando 1.200 km² de devastação de janeiro a abril.
Mata atlântica e cerrado abastecem a grande
caixa-d’água para hidrelétricas do Brasil, no Sudeste e no Centro-Oeste. Não
que o desmatamento recente seja a causa imediata da presente estiagem, mas há
uma relação óbvia entre manutenção de cobertura florestal e reposição de
recursos hídricos.
Acredite quem quiser que a iniciativa de
preservar florestas para produzir água partirá do atual ocupante do Palácio do
Planalto.
A origem do vírus
Folha de S. Paulo
Embora parte de embate geopolítico, dúvida
sobre o Sars-CoV-2 é pertinente
Ainda está por ser descrita a gênese do
Sars-CoV-2, o vírus causador da Covid-19. Até o momento, a hipótese mais aceita
é a de que o patógeno passou de um animal para seres humanos. O fenômeno,
conhecido como transbordamento zoonótico, é causa de diversas doenças,
inclusive algumas provocadas por outros coronavírus.
Nas últimas semanas, contudo, duas
iniciativas colocaram alguns grãos de sal nessa explicação.
Elas apontam a insuficiência de elementos
para descartar uma outra possibilidade, decerto menos provável, mas não
impossível —a de que o vírus possa ter escapado acidentalmente do Instituto de
Virologia de Wuhan, um laboratório localizado na cidade chinesa onde foram
registrados os primeiros casos da enfermidade.
Na quarta (26), o presidente dos Estados
Unidos, Joe Biden, pediu às agências de inteligência de seu país que
redobrassem os esforços para determinar a origem do vírus e fizessem um relatório em
90 dias.
Duas semanas antes, um grupo de 18
pesquisadores publicou uma carta no periódico científico Science apontando a
necessidade de mais investigações sobre o assunto.
Os questionamentos fundamentam-se no fato
de que até o momento não se encontrou em hospedeiros animais um vírus idêntico
ao que vem contaminando as populações de todo mundo.
Tal lacuna impede tanto a reconstrução
completa da trajetória evolutiva do patógeno como a determinação de quando e
onde se deu o salto interespécies.
Não obstante tais indeterminações, o relatório
lançado em fevereiro pela Organização Mundial da Saúde com a participação
de cientistas chineses considerou a hipótese do transbordamento como “provável
a muito provável” e a de um incidente de laboratório como “extremamente
improvável”.
Acrescente-se a isso o fato de que todas as
informações, dados e amostras que embasaram o documento final vieram da equipe
chinesa. A falta de transparência não é de agora. Desde as primeiras semanas do
surto, a potência asiática tem agido para atrasar, desviar ou bloquear
investigações sobre as origens do vírus.
Não se podem deixar de lado as motivações
geopolíticas de Biden, que dá prosseguimento, em outros termos, ao embate
americano com a China. São pertinentes, de todo modo, as dúvidas sobre o
assunto.
Cumpre às autoridades sanitárias do planeta
esclarecê-las por meio de uma investigação rigorosa e transparente.
A difícil recuperação do mercado de trabalho
Valor Econômico
A necessidade de novas restrições pode até
eliminar parte das raras vagas criadas
Apesar da recuperação da economia no
primeiro trimestre, o que deve ser comprovado hoje com a divulgação do Produto
Interno Bruto (PIB) do período pelo IBGE, o mercado de trabalho segue dando
sinais negativos. O desemprego atingiu patamar recorde, com o setor informal
abatido pela segunda onda da pandemia e pelas medidas de restrição à
mobilidade, e com as empresas freando a expansão, inseguras em relação ao
futuro. As contratações com carteira assinada concentram-se no setor público e
na área de saúde. A perspectiva é que os números devem piorar ao longo do ano,
à medida que a vacinação avançar e mais pessoas buscarem colocação.
Levantamento da Pnad Contínua do IBGE
mostrou que o desemprego atingiu patamar recorde no primeiro trimestre, com 14,
8 milhões de trabalhadores em busca de uma vaga e 6 milhões que desistiram de
procurar uma colocação. A taxa de desemprego chegou a 14,7%, a maior da série
histórica, iniciada em 2012. No trimestre encerrado em dezembro, a taxa estava
em 13,9%, o que significa que mais 880 mil pessoas passaram a procurar emprego
nos três primeiros meses do ano. Um ano antes, a taxa era de 12,2%. Nesse
período, perderam o emprego formal ou informal 6,6 milhões de pessoas de um
total de 92,3 milhões.
O número de subutilizados na população
também chegou a um recorde de 33,2 milhões de pessoas. O conceito inclui os
desempregados, os que desistiram de procurar trabalho, mas aceitariam se
encontrassem, e os que trabalham menos do que gostariam. Os subutilizados
formam um contingente que aumentou em 5,6 milhões de pessoas em um ano, em
comparação com os 27,6 milhões de março de 2020. Compõem esse grupo
principalmente os informais, mulheres, negros e pardos.
Embora apresentem números positivos ao
longo deste ano, os dados do Caged, que retratam o comportamento do mercado
formal, sinaliza declínio de vagas. Depois de informar a criação de 261,4 mil
novos contratos formais em janeiro e 398,2 mil em fevereiro, o Caged teve o
registro de abertura de 177,3 postos de trabalho em março e de 120,9 mil em
abril.
O governo atribuiu a redução de abril ao
impacto da segunda onda da covid-19, como disse o ministro da Economia Paulo
Guedes, quando já se fala em terceira onda. Ele preferiu ver o saldo positivo
acumulado no ano de 957,8 mil novas vagas com carteira assinada, em contraste
com o fechamento de 763,2 mil empregos no mesmo período de 2020, que refletiu
os primeiros impactos da pandemia. Sempre buscando um ângulo favorável, Guedes
contabiliza a criação de 2,2 milhões de vagas formais desde julho do ano
passado, superando o total de 1,2 milhão de empregos destruídos na primeira
onda da pandemia.
Os números do Caged, no entanto, além de
mostrar apenas o mercado formal de trabalho, apoiam sua recuperação no setor de
serviços públicos e, compreensivelmente, na área de saúde. Mas a maior parte do
emprego no país é informal, cuja realidade é mais fielmente captada pela Pnad
do IBGE, apesar das dificuldades da pesquisa durante a pandemia. O pesquisador
do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV),
Fernando Veloso, escreveu no blog do Ibre (17/5) que, diferentemente do que
aconteceu em recessões anteriores, as ocupações informais foram as mais
afetadas e diminuíram 12,6% em 2020, três vezes mais que as formais (4,2%). Os
mais prejudicados foram os trabalhadores domésticos sem carteira assinada,
empregados do setor privado e trabalhadores por conta própria sem CNPJ.
O governo apoia suas ações em programas de
foco bem definido, com certa eficiência, mas que não chegam aos informais.
Relançado em abril, o Benefício Emergencial para a Manutenção do Emprego e da
Renda (BEm) contribuiu para manter 2,9 milhões de vagas formais em abril, 235,9
mil a menos do que em março, segundo o Dataprev.
O pesquisador Fernando Veloso aponta outras
características da crise no mercado de trabalho que dificultam a recuperação:
além de ter impactado mais o setor de serviços, ela atinge principalmente
atividades de mão de obra de escolaridade baixa, cuja reação depende em boa parte
da evolução da pandemia e da eventual terceira onda. A necessidade de novas
restrições pode abortar a recuperação e até eliminar parte das raras vagas
criadas. Há ainda o número elevado da mão de obra desperdiçada e de inativos,
que pressionará o mercado à medida que a vacinação progredir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário